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Paula Gama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que venda recorde de motos mostra que Brasil vai muito mal

A venda de motos aumentou 17,7% em relação ao ano passado - Divulgação
A venda de motos aumentou 17,7% em relação ao ano passado Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

05/01/2023 04h00

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O ano de 2022 foi um sucesso para o mercado de motos no Brasil. Para se ter uma ideia, entre janeiro e novembro foram comercializadas 1,2 milhão de motocicletas, 17,71% a mais do que no mesmo período do ano anterior, o melhor resultado desde 2013. Apesar de parecer uma boa notícia, o movimento evidencia cenários péssimos para o país: a redução do poder de compra, precarização do transporte e redução da qualidade dos empregos.

Enquanto o mercado de motos cresce, o de carros continua encolhendo. O ano de 2021 não foi um bom ano quando o assunto é venda de carros e picapes, mas 2022 decepcionou ainda mais. De janeiro a novembro, as vendas de automóveis e comerciais leves encolheram 1,42% em relação ao ano passado, de acordo com dados da Fenabrave, federação dos automóveis.

Os números mostram uma corrente que é fácil identificar no dia a dia: muitos brasileiros estão trocando o carro pela moto e, consequentemente, a segurança pela exposição. É o caso do professor Vinícios Souza, que precisou abrir mão do seu Renault Sandero durante o período mais grave da pandemia.

"O combustível estava alto e a minha renda foi achatada. Vendi o meu carro por R$ 30 mil e, meses depois, percebi que esse dinheiro não daria para pagar nem a metade de um carro novo de mesmo padrão. Além disso, na época, a gasolina estava na casa dos R$ 7. Comprei uma moto e ando com cuidado, mas assustado, já que tenho pouca experiência com o veículo, sei que estou mais vulnerável."

O pensamento de Vinícios faz sentido quando se compara o preço dos veículos: enquanto o carro mais barato do Brasil, um Renault Kwid, parte de R$ 66 mil, a moto de menor preço, uma Honda Pop 110i, é vendida a partir de R$ 9 mil, fazendo com que os modelos de duas rodas se tornem uma opção barata de mobilidade, enquanto o transporte público segue cada vez pior avaliado pelos usuários. Andar de ônibus é algo tão terrível para os brasileiros que se arriscar em um veículo notoriamente mais suscetível a acidentes graves parece uma boa ideia.

Segundo especialistas, acidentes envolvendo motos matam, por quilômetro rodado, 16 vezes mais do que os outros modais. Já as informações da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) mostram que os acidentes com motos representam 54% de todos os sinistros de trânsito do Brasil, mesmo que apenas 22,1% da frota seja composta por motocicletas.

Em 2020, último ano analisado, 79% das indenizações pagas pelo Seguro DPVAT foram destinadas a vítimas de acidentes de moto. Foram cerca de 175 mil indenizações por invalidez permanente. Além disso, cerca de 52 mil pessoas foram indenizadas para pagamento de despesas médicas e outras 17 mil famílias receberam pela morte de algum parente.

Motos de baixa cilindrada vendem mais

Outro fator que comprova que, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, onde as motos são ligadas a lazer e estilo de vida, no Brasil a escolha é financeira: os modelos de baixa cilindrada vendem absurdamente mais.

"Muito utilizadas nos serviços de entrega e nos deslocamentos urbanos, as motocicletas de baixa cilindrada (até 160 cilindradas) chegaram a 101.668 unidades licenciadas [em novembro], o que corresponde a 82,5% dos emplacamentos", informa a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares - Abraciclo.

Empregos precários

Quando o assunto é mercado de trabalho, um cenário triste está por trás do aumento do número de motos vendidas em 2022: o crescimento da profissão de entregador. De acordo com a CPI dos Aplicativos, realizada pela Câmara de Vereadores de São Paulo, a profissão é de risco: há relatos de profissionais que trabalham 15 horas diárias no trânsito, inclusive nos fins de semana, sem direitos trabalhistas previstos na CLT.

O relatório da CPI levantou dados da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) que apontam que dos 275 motociclistas que morreram no trânsito de São Paulo em 2021, pelo menos 77 (28%) atuavam como motofretistas. É possível que esse número seja maior, pois algumas vítimas não têm a profissão identificada. O fortalecimento da atividade também causou reflexo no trânsito: que está perceptivelmente mais caótico nas principais cidades do Brasil.

Por que dá certo no sudeste asiático?

O trânsito em Taiwan é marcado por congestionamento de motos - Reprodução  - Reprodução
O trânsito em Taiwan é marcado por congestionamento de motos
Imagem: Reprodução

Quem busca fotos sobre o trânsito de Taiwan pode se assustar com o crescimento de motos do Brasil. No país asiático, as motos são mais comuns do que carros: são 23,5 milhões de habitantes para uma frota aproximada de 14 milhões de motocicletas. Os veículos de duas rodas são tantos que criam verdadeiros engarrafamentos, acabando com a ideia de que motos são mais "ágeis" no trânsito, já que todas andam em velocidade semelhante. Mas, ainda sim, por lá, o cenário é melhor do que se o carro fosse prioridade.

Em Taiwan, as motos são preferidas por motivos semelhantes aos nossos: menor custo de aquisição, abastecimento e manutenção. Assim como em nosso país, uma moto pode custar dezenas de vezes menos do que um carro. No entanto, na ilha asiática de apenas 36 mil km², as motos são incentivadas pelo governo por falta de espaço para carros, bem diferente do que acontece por aqui, um país de mais de 8 milhões de km² de extensão.

Para nós, ter um trânsito abarrotado de motos, como o de Taiwan, significaria que o poder de compra e a precarização da vida do brasileiro chegou a níveis ainda mais assustadores.

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