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Caminhões arqueados: influenciadores fazem rifa ilegal de máquinas de matar
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Há quase um ano, em março de 2022, após uma série de denúncias de UOL Carros, a Polícia Federal travava uma cruzada contra os caminhões arqueados, também conhecidos como "máquinas de matar".
Esses veículos modificados, que têm dianteira rebaixada e traseira levantada, são mais instáveis nas estradas e elevam o risco de acidentes graves.
Na época, muitos influenciadores adeptos da moda decidiram reverter as modificações, com medo de multas e apreensões.
Mas, com o fim das grandes operações de fiscalização, que veio logo após um pedido de vista grossa do então ministro da infraestrutura Tarcísio de Freitas, os arqueados voltaram a circular.
Atualmente, a tranquilidade em rodar com os veículos "customizados" é tanta que há influenciadores promovendo rifas ilegais desses caminhões, faturando alto com o negócio irregular.
Arqueados viram negócio
Uma das rifas mais chocantes foi anunciada pelo youtuber Cabelo Batateiro, que tem mais de 800 mil inscritos no YouTube.
Ele apresenta a carreta arqueada em um vídeo e é possível perceber que ele cabe, de pé, embaixo da traseira do veículo, que foi sorteado no dia 14 de janeiro.
Para concorrer ao sorteio, era preciso comprar um número da sorte no valor de R$ 100, negociado pelo WhatsApp.
Em um vídeo de divulgação da rifa, Cabelo afirma que sempre dirigiu caminhões arqueados "foragido", sem CNH nem documento do veículo.
Em alguns casos, o influenciador diz que contou com a sorte de encontrar "federas gente boa" - uma referência a policiais rodoviários federais - e não ser multado.
Em outras viagens, chegou a ser autuado.
Caminhão ou R$ 300 mil
O influenciador Alex Pegoraro, com mais de 150 mil seguidores no Instagram, também anuncia o sorteio de um caminhão arqueado.
Trata-se de um Volvo NH 380 sorteado pelo site "Raffles Here". O número da sorte custa R$ 19,90, e o ganhador pode escolher entre o veículo e R$ 300 mil.
Na foto de divulgação, é possível perceber que a dianteira do caminhão está bem abaixo das configurações de fábrica, o que compromete a estabilidade.
Quem também está sorteando um caminhão arqueado é o Carlinhos 262, que tem mais de 170 mil seguidores.
Na época das grandes operações da PRF, o influenciador chegou a baixar a altura do seu caminhão, com medo de levar prejuízo - que, segundo ele, poderia ser de R$ 10 mil caso o veículo fosse apreendido. O tempo passou, e Carlos Tadeu está sorteando um Mercedes-Benz Atego 2021 no valor de R$ 400 mil.
UOL Carros tentou contato com Cabelo Batateiro, Alex Pegoraro e Carlinhos 262, mas não obteve retorno até agora.
Por que as rifas são ilegais?
Apesar de prêmios serem realmente entregues após o sorteio, esse tipo de ação é ilegal no Brasil.
Chamados por muitos realizadores de rifas, sorteios deste tipo não são autorizados pelos órgãos competentes e se tornaram uma prática extremamente rentável.
Alguns tentam passar a impressão de legalidade ao dizer que as rifas promovidas são filantropia premiável e os sorteios, realizados pela Loteria Federal.
De fato, essa modalidade de sorteio existe e nada mais é do que um título de capitalização emitido por instituições financeiras sob autorização da Susep (Superintendência de Seguros Privados), cujo resgate é destinado a entidades beneficentes
. Contudo, a prática não prevê a venda de cotas individualmente e sim a aquisição do título, que dá direito a um ou mais "números da sorte" para concorrer a prêmios.
Além da filantropia premiável, sorteios também podem ser realizados mediante certificado de autorização da Secap (Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria), órgão do Ministério da Economia. Nesse caso, a comercialização de números, como acontece nesses sorteios, também é proibida.
Conforme a Secap, é permitido a uma empresa sortear veículos e outros bens "por meio da venda de seus produtos" - ou seja, uma determinada quantia gasta dá direito a um ou mais números para concorrer aos prêmios.
É o que costuma acontecer em ações promocionais de shoppings, por exemplo. Cabe às entidades citadas fiscalizar as empresas e investigar eventuais suspeitas ou denúncias de irregularidades.
Ações policiais contra rifas
Em março de 2022, foram realizadas duas operações policiais contra rifas ilegais.
Deflagrada pelos policiais civis do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), a operação Cardano, contra esquema de lavagem de dinheiro e jogos de azar utilizando sorteio de carros de luxo, cumpriu mandados de busca e apreensão na cidade de São Paulo e nos municípios paulistas de Guarulhos, São Bernardo do Campo, Santa Bárbara D'Oeste, Sorocaba e Votorantim.
Ao todo, foram apreendidos 24 veículos, 27 motocicletas, uma moto aquática e uma lancha.
Na ocasião, o delegado do Deic Fabio Pinheiro Lopes afirmou ao SBT que, nesse esquema, não há recolhimento de impostos.
"O dinheiro não tem origem, eles compram carro de leilão por 30% ou 40% do valor original. Um carro de R$ 100 mil é vendido por R$ 1 milhão", explica o delegado.
A outra operação aconteceu no Distrito Federal. Chamada de Huracán, levou à apreensão de nove carros de luxo, como Ferrari, Lamborghini e Mercedes, além de uma mansão no Park Way avaliada em R$ 4 milhões.
Todos bens do youtuber Klebim, que tem mais de 4 milhões de seguidores em suas redes sociais, e chegou a ser preso, na época, suspeito de exploração de jogos de azar, lavagem de dinheiro e associação criminosa, mas está solto.
Por que caminhão arqueado é 'máquina de matar'
O perigo dos caminhões arqueados ficou evidente após um acidente entre dois modelos com essas características. Em janeiro do ano passado, na BR-116, em Curitiba (PR),
Gerson Mattos bateu na traseira do caminhão arqueado de seu pai, Jetro Mattos, e morreu, junto com sua mulher, Patrícia Abreu.
Como alertado por especialistas, a cabine do seu veículo foi parar embaixo do para-choque do caminhão da frente, o que, em muitos casos, causa ferimentos fatais.
Segundo Rodrigo Kleinubing, engenheiro especialista em acidentes de trânsito, caminhões desse tipo são verdadeiras máquinas de matar.
Isso porque, alterando características originais, não é mais possível garantir os mesmos parâmetros de estabilidade e frenagem do veículo.
"A alteração mexe com dois itens que não devem ser mudados: a suspensão e o sistema de freios. Mexer no projeto original coloca em risco a segurança do caminhoneiro e de outras pessoas que transitam pelas estradas".
Kleinubing alerta que os acidentes envolvendo veículos de carga com traseira elevada podem ser muito mais graves, considerando o grande número de batidas de carros de passeio atrás de caminhões nas rodovias, devido à diferença de velocidade média.
"Elevar a traseira incentiva o fenômeno de o carro entrar sob o caminhão em caso de batidas. Tínhamos esse problema sério no Brasil, que foi resolvido com a obrigação das placas retrorrefletoras e dos para-choques. Esse tipo de acidente é altamente letal porque, quando um carro entra embaixo do caminhão, é comum que os passageiros da frente sejam decapitados", alerta o especialista.
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