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Paula Gama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Biodiesel: por que uso do combustível polêmico pode aumentar no Brasil

Ministérios vão se reunir para debater sobre o aumento da porcentagem de biodiesel no diesel nesta sexta-feira (17) -  Antônio Costa/Arquivo/Gazeta do Povo
Ministérios vão se reunir para debater sobre o aumento da porcentagem de biodiesel no diesel nesta sexta-feira (17) Imagem: Antônio Costa/Arquivo/Gazeta do Povo

Colunista do UOL

16/03/2023 04h00

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Na próxima sexta-feira o setor automotivo protagonizará uma das discussões mais polêmicas desde o início do governo Lula: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com representantes de 14 ministérios, discutirá o aumento da composição de biodiesel no diesel brasileiro, que atualmente está em 10%.

De um lado, os produtores do combustível alertam que é necessário aumentar o uso da substância para 15%, quantidade prevista na Resolução nº 16/2018, do próprio CNPE, que estabeleceu o avanço da mistura até o B15 a partir de 1º de abril de 2023.

O setor propõe que o aumento da mistura ocorra de forma gradual até atingir o percentual até abril de 2024. Entre os motivos defendidos, está o aceno à descarbonização, redução de emissões e a geração de empregos, uma vez que mais de 70 mil famílias de agricultores familiares estão integradas à cadeia produtiva, de acordo com a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio).

Do outro lado, estão diversas associações e entidades que representam os fabricantes e revendedores de veículos a diesel, a confederação dos transportes, caminhoneiros e até mesmo a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva.

Entre esses grupos, há um consenso de que o aumento da porcentagem da substância no diesel pode levar a defeitos mecânicos nos veículos, que não estão preparados para a alteração. Por isso, esse grupo propõe que sejam feitos testes antes do aumento da mistura. Também existe uma preocupação de que a ampliação do uso do combustível sirva mais a interesses econômicos do que à redução de emissões.

Bastidores

Renan Filho (MDB), ministro dos Transportes, apoia a medida - Divulgação/Governo Alagoas - Divulgação/Governo Alagoas
Renan Filho (MDB), ministro dos Transportes, apoia a medida
Imagem: Divulgação/Governo Alagoas

Nos bastidores de Brasília, o comentário é que todos os ministérios concordam com o aumento da porcentagem do biodiesel. Quem já defendeu abertamente a causa foi o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmando que "é o melhor caminho para o Brasil". Mas completou que o assunto ainda precisa passar pelo presidente Lula.

O vice-presidente e ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, também deu indícios de que votará pelo aumento durante o lançamento da Frente Parlamentar Mista de Portos e Aeroportos.

O que dizem os produtores

Produtores argumentam sobre a necessidade de reduzir as emissões de gases poluentes  - Fotos: Shutterstock - Fotos: Shutterstock
Produtores argumentam sobre a necessidade de reduzir as emissões de gases poluentes
Imagem: Fotos: Shutterstock

Em posicionamento sobre o tema, Donizete Tokarski, CEO da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), disse que cerca de 50 mil pessoas morrem por ano no Brasil em razão da poluição atmosférica, e o diesel comum, também conhecido como diesel S500, por conter 500 partes por milhão de enxofre, é um dos principais responsáveis pela tragédia.

"O enxofre, como sabemos, é um produto químico mortal, e que acaba sendo lançado na atmosfera das cidades brasileiras pelos escapamentos de ônibus, caminhões, máquinas agrícolas, motores estacionários e até usinas termelétricas, usadas para gerar energia. Para se ter uma dimensão do estrago, para cada mil litros de diesel fóssil S500 queimado é lançado meio quilo de enxofre no meio ambiente", argumenta.

Tokarski completa que "devemos aumentar o uso do biodiesel, por ser um biocombustível produzido a partir de fontes renováveis, tais como óleos vegetais, principalmente o de soja, e outras matérias-primas, como gorduras animais e óleos residuais, como o óleo de cozinha já utilizado. Os benefícios dessa substituição são enormes para a saúde das pessoas e o bem-estar do meio ambiente, pois o biodiesel reduz de 70% a 90% as emissões de dióxido de carbono (CO2) comparado à queima de diesel fóssil".

O outro lado

 Caminhoneiros e entidades ligadas ao setor de transportes temem aumento de defeitos mecânicos -  O Antagonista  -  O Antagonista
Caminhoneiros e entidades ligadas ao setor de transportes temem aumento de defeitos mecânicos
Imagem: O Antagonista

Nove entidades ligadas ao setor de transportes, como fabricantes de máquinas, equipamentos e veículos automotores, distribuidoras e importadoras de combustíveis e representantes de motoristas de transporte de carga, assinaram uma nota conjunta contrária ao possível aumento da porcentagem de biodiesel. Entre elas, CNT, Anfavea, Fecombustíveis e Fenabrave.

O texto diz que "utilizando-se da urgência na atenção ao meio ambiente e à adoção de práticas sustentáveis, agentes econômicos buscam acobertar seus reais interesses: garantir uma reserva de mercado contra a concorrência de biocombustíveis mais modernos".

Eles ponderam que o biodiesel produzido hoje no Brasil é o de base éster. "A característica química desse biodiesel gera problemas como o de criação de borra, com alto teor poluidor. Na prática, esse sedimento danifica peças automotivas, bombas de abastecimento, geradores de hospitais, máquinas agrícolas e motores estacionários. Outro dano ocasionado pela borra é o congelamento e contaminação do insumo. O biodiesel cristaliza em baixas temperaturas em motores quando as situações climáticas envolvem variação de temperatura e umidade", alertam as entidades.

Ainda segundo a nota conjunta, a indústria automotiva tem sofrido as consequências com as avaliações de padrão de qualidade: perda da eficiência de motores, aumento do consumo de diesel e, consequentemente, mais poluição.

Já os donos de postos de combustíveis, além dos problemas que enfrentam nas bombas, encaram, segundo eles, a ira de motoristas que abastecem com a mistura de biodiesel e voltam para reclamar de pane em seus veículos, como se o combustível estivesse adulterado.

"O transportador - que move este país -, por sua vez, tem se deparado com problemas mecânicos relacionados ao descompasso entre o teor do biodiesel e as limitações das tecnologias veiculares e peças automotivas. Além de gastar mais com um combustível que não é ambientalmente sustentável, ainda fica por vezes parado na estrada, perdendo tempo e aumentando seu prejuízo", diz o posicionamento conjunto.

Outros países têm porcentagem mais baixa

Segundo informações da CNT, a mistura para o consumidor final, para os motores funcionarem a contento, garantindo a redução de emissões, é de 7% na Comunidade Europeia; de 5% no Japão e Argentina; de 1% a 5% no Canadá; e de 5% nos Estados Unidos, na maior parte dos estados. "E esses países estão na linha de frente das preocupações climáticas. Aqui, já se pratica um percentual de 10%", diz a entidade.

UOL Carros conversou com Bruno Batista, diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte (CNT), que afirmou que o principal pedido de todo setor de transportes é que a nova porcentagem não seja fixada sem testes.

"Nossa proposta é muito simples e clara: queremos retomar os testes para que eles apontem um resultado conclusivo sobre qual o percentual deve ser utilizado para contemplar todos os lados. A ideia é que não gere prejuízo econômico - porque o veículo vai quebrar mais - e nem prejuízo ambiental. Já que estudos já mostraram que a elevação da porcentagem não garante redução de emissões, já que o veículo consome mais", informa.

Fabricantes de veículos e associação de engenharia se posicionam

A Anfavea, associação dos fabricantes de veículos no país, afirmou que o aumento de até 15% é previsto por Lei, e que espera melhor qualidade da mistura.

"A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) está prestes a publicar novas especificações técnicas para o biodiesel e para o óleo diesel, que objetivam eliminar os problemas que eram observados em campo e tornem o combustível também compatível com as novas tecnologias veiculares que acabam de entrar no mercado em janeiro para atender o PROCONVE P8. Estamos esperançosos que os problemas, comprovados em testes de rodagem quando a mistura supera 10% de biodiesel, possam enfim ser eliminados."

Já a diretoria de Combustíveis da AEA entende o papel ambiental e social do biodiesel e é a favor da sua utilização e até aumento do percentual, desde que se tenha testes que aprovem maiores teores em veículos P8 - que seguem as normas do PROCONVE 8. A instituição alerta que não foram realizados testes com teores de biodiesel acima de 10% em veículos com tecnologia equivalente ao Euro VI.

"Lembrando que no Brasil os veículos são homologados com combustível B7 [7% de biodiesel], equivalente ao que é feito na Europa. A AEA também é a favor do incentivo ao desenvolvimento, produção e utilização de novos combustíveis renováveis (diesel verde e HVO), assim como vem sendo feito nos países mais desenvolvidos".

Por que não diesel verde?

Um argumento comum entre as associações é que o diesel verde (HVO), combustível diferente do biodiesel, mas produzido com a mesma soja e demais biomassas, seria mais sustentável e funcional.

"Mas as discussões sobre o incentivo à produção e uso de diesel verde não evoluem também por questões econômicas e políticas. Quem produz o biodiesel não quer o HVO. A verdade é que os atuais produtores de biodiesel não querem perder o lucro fácil e rápido do biodiesel de base éster, nem investir na modernização do processo industrial para produzir diesel verde", conclui a nota conjunta de nove entidades.