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Paula Gama

REPORTAGEM

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Uber e iFood virarão CLT? Veja o que tem sido discutido com novo governo

Regulamentação da profissão é uma das promessas de campanha de Lula  - Lincon Zarbietti
Regulamentação da profissão é uma das promessas de campanha de Lula Imagem: Lincon Zarbietti

Colunista do UOL

29/03/2023 04h00

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Para cumprir a sua promessa de campanha, o governo Lula começa a dar passos em direção à regulamentação das profissões de entregador e motorista de aplicativo, que já garantem a ocupação de 1,5 milhão de brasileiros de acordo com o Ipea 2021. A expectativa é que nos próximos dias seja criado um grupo de trabalho tripartite, com representantes do governo, das empresas, como Uber e iFood, e dos trabalhadores. Afinal, o que quer cada um desses lados?

Antes das eleições, Lula deixou claro que queria para os trabalhadores de aplicativo direitos semelhantes ao de um profissional com contrato de trabalho regido pela CLT.

"Esse pessoal que trabalha com aplicativo, esses caras precisam ter uma regulação, ele tem que ter jornada de trabalho, eles têm que ter descanso semanal remunerado, ele tem que ter algum direito, porque inventaram que eles são empreendedores, mas eles não são empreendedores. Se o cara bater o carro e quebrar, ele está ferrado, se ele se ferir, ele está ferrado. Então a gente precisa fazer uma regulação em que a gente garanta às pessoas um mínimo de seguridade social", disse o petista durante uma entrevista ao podcast Flow.

Entre as empresas e os trabalhadores ainda não há um consenso sobre como deve ser o regime. Enquanto os motoristas e as plataformas são claros ao dizer que não querem saber de CLT, os entregadores por aplicativo tendem a buscar os mesmos direitos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Edgar Francisco da Silva, conhecido como "Gringo", presidente da AMABR - Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil, explica que instituição avalia a possibilidade de ser autônomo, mas não descarta a CLT.

"De um lado, nós avaliamos um sistema de CLT atualizado. Nosso lema é nenhum direito a menos. Por outro lado, também consideramos a possibilidade de ser autônomos, desde que a autonomia seja verdadeira, porque hoje não é. Nós somos subordinados, as plataformas punem e definem os preços", opina.

A AMABR não é a única instituição que representa os entregadores por aplicativo, longe disso. Assim como os motoristas de app, a classe é dividida em diversas associações, alianças, uniões e até mesmo sindicatos. De acordo com fontes da coluna que participam das discussões, essa é a principal dificuldade do grupo de trabalho para regulamentação dos aplicativos hoje: encontrar uma forma de ouvir os trabalhadores, tão segmentados e dispersos.

Marcelo Gomes Sobreira, um dos líderes da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativo (ANEA), outra associação que representa milhares de profissionais, também defende que o trabalho por plataformas não é tão autônomo quanto parece.

"O modelo hoje em vigor necessariamente cria a subordinação do trabalhador, consequentemente, o vínculo. Então, se a plataforma pretende permanecer nesse modelo de trabalho, que reconheça os direitos. Nós podemos trabalhar com carga flexível, mas sem exclusão de direitos".

Pedidos dos trabalhadores

Em uma carta aberta à população, a ANEA apresentou 12 propostas para a regulamentação. São elas:

  • Formalização da relação de trabalho;
  • Acesso à Previdência Social;
  • Garantias de remuneração (com renda mínima atrelada ao salário mínimo, 13º, férias remuneradas, FGTS e auxílio alimentação);
  • Definição de jornada de trabalho e descanso semanal;
  • Responsabilidade por custos e equipamentos (pagamento de aluguel por parte das plataformas por carro/moto/bicicleta;
  • Seguro de acidentes de trabalho;
  • Auxílio-doença e auxílio-acidente;
  • Garantias contra desligamento abusivo;
  • Condições de trabalho e serviço de apoio;
  • Liberdade de Associação e Sindical;
  • Direito à Informação e Transparência do Algoritmo
  • Registro profissional e Carteira de Habilitação.

Entre os pedidos, o que é unânime entre todos os agentes envolvidos é a inclusão da previdência social, explica o diretor executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (AMOBITEC), André Porto, formada por empresas de tecnologia como Uber, 99, 99 Food, iFood, Buser, Flixbus, Lalamove e Amazon.

"Defendemos um modelo que preserve a flexibilidade, já que boa parte dos trabalhadores atuam em diferentes plataformas. Eles precisam de uma inclusão previdenciária, o que garante a seguridade social. Essa medida traria para a formalidade milhares de brasileiros que, hoje, são invisíveis para a previdência."

O executivo afirma que as outras questões, como jornada, descanso semanal e férias, são mais complexas de definir, já que são os trabalhadores que decidem por quanto tempo trabalham, e em quantas plataformas.

"O atual governo tem um interesse genuíno em trazer melhores condições para a classe, mas há também um desconhecimento muito grande em relação ao que é o trabalho de aplicativo. Não existe saída simples, mas vamos encontrar caminhos pensando no futuro", diz André Porto.

Prontos para ir às ruas

Eduardo Lima de Souza, presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo, afirma que os motoristas querem levar propostas ao governo, mas encontram dificuldades. Ele afirma que, mesmo enviando diversas cartas, ainda não tiveram um posicionamento do executivo sobre o tema.

"É um erro trabalhar a mesma regulamentação para motoristas e entregadores. Para começar, entregadores optam pela CLT, nós não. Nosso trabalho é diferente, queremos direitos, mas preservando nossa autonomia. Se nós não concordarmos com o que for decidido, estamos prontos para ir às ruas".

Plataformas querem participar da regulamentação

O Movimento Inovação Digital (MID), que reúne mais de 170 empresas digitais, afirma que privilegia a busca e entendimento tripartite entre governo, motoristas e entregadores, e as plataformas digitais.

"Nesse sentido, o MID se coloca à disposição para colaborar neste diálogo, junto aos órgãos competentes, garantindo que o debate mantenha como pilares a flexibilidade e a autonomia que caracterizam as novas relações intermediadas por aplicativos".

Como exemplos dessa flexibilidade, cita a possibilidade de logar nas plataformas em qualquer dia e horário e a prática amplamente difundida de conexão em múltiplas plataformas, o que lhes dá instrumentos para escolher a solicitação de serviço com o maior preço e melhor custo-benefício.

Já o iFood acredita que o Brasil está diante de uma oportunidade única. "Como empresa brasileira, desde 2021 apoiamos um debate amplo sobre a regulação do trabalho em plataformas e reforçamos o compromisso do iFood de participar na construção de um modelo que proteja os trabalhadores e incentive a inovação, com segurança jurídica para a indústria. Para isso, é preciso garantir a representatividade de empresas e dos trabalhadores de plataformas nos fóruns de negociação desta regulação."

O aplicativo de transporte Indrive diz que defende que seu modelo de negócio baseado na flexibilidade, autonomia e negociação de preço, proporciona grande oportunidade de geração de renda para milhares de brasileiros de forma rápida e simples. "Este é também um legado a ser considerado", pondera.

Uber, 99 e Rappi não se posicionaram individualmente, mas fazem parte das associações citadas.

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