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Paula Gama

REPORTAGEM

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Por que é perda de tempo buscar alternativas contra motores elétricos

Colunista do UOL

27/04/2023 04h00

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Enquanto alguns chamam o futuro elétrico de utopia, as principais montadoras do mundo investem muitos bilhões de dólares e euros para a produção de veículos a bateria. Apesar dos inúmeros desafios que envolvem a mudança de propulsão, como a falta de infraestrutura, autonomia e o fato de nem sempre ser a opção mais limpa do ponto de vista ambiental, o tamanho do investimento feito na nova tecnologia aponta para um caminho: não há como fugir, você ainda terá um carro com motor elétrico.

Os mais atentos vão perceber que usei a palavra "motor" antes de "elétrico", porque aqui não me refiro apenas aos modelos puramente a bateria, também conhecidos como BEV (Batery Electric Vehicle). Apesar de terem sido investidos tantos bilhões nos elétricos puros, ainda haverá espaço para os híbridos, principalmente em países mais extensos, com vocação para a produção de biocombustíveis e sem dinheiro para a universalização da infraestrutura de abastecimento.

Ainda assim, nos países que, de fato, decidem o futuro do setor automotivo, por sediar grandes marcas, como o bloco europeu ou Estados Unidos, ou representam um imenso mercado, como a China, o caminho da eletrificação pura é o que já está sendo trilhado.

Fundador da Bacellar Advisory Boards, o consultor Ricardo Bacellar explica que nessas regiões a opção é muito mais por necessidade econômica do que por escolha técnica. Boa parte dessas nações não tem outra saída a não ser eletrificar suas frotas.

"A China empurra a estratégia de eletrificação de frota porque ela depende muito do petróleo russo. Já a Europa, que sempre foi o principal centro de decisão do mercado automotivo, por sediar muitas matrizes de montadoras, tem a maior necessidade de eletrificação do mundo, pois não tem terra para produzir biocombustíveis e também não pode mais ser tão dependente de petróleo", explica.

Nos Estados Unidos, que por outro lado tem estrutura para larga produção de biocombustível, até mesmo de etanol, a eletrificação está sendo defendida pelo governo e também por suas maiores montadoras, Ford e GM. A Chevrolet já garantiu que a partir de 2035 todos os seus carros serão elétricos, anunciando um investimento de US$ 35 bilhões. Já a Ford anunciou investimentos de mais de US$ 20 bilhões. Indústrias gigantescas não aplicariam tanto dinheiro se houvessem tantas dúvidas.

Europa está voltando atrás?

A União Europeia já havia decidido pela proibição da venda de carros que emitem poluentes a partir de 2035, condenando os híbridos e modelos 100% a combustão. No entanto, por pressão da Alemanha, sede de grandes grupos automotivos, decidiu voltar atrás: os carros a combustão são aceitos, desde que usem combustíveis sintéticos. Bacelar explica que a medida tem apenas uma razão: falta de dinheiro.

"Esse novo posicionamento tem a ver com a pressão muito forte que as montadoras estão fazendo ao perceber que o nível de investimento para atualização da linha de produção e infraestrutura de recarga é muito alto. Todo o mundo está passando por uma crise financeira muito forte, há juros altíssimos na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, isso não quer dizer de forma alguma que toda a investida para atualizar a propulsão vai se desfazer. É uma adequação temporal. Tá faltando dinheiro para a atualização", opina.

Como fica o resto do mundo?

Enquanto os principais países do mundo trilham o caminho da eletrificação, mercados menos abastados precisam encontrar soluções que se adequem a sua realidade, e principalmente ao seu bolso. O Brasil, por exemplo, seria o lugar perfeito para uma investida elétrica do ponto de vista puramente ambiental, já que quase a totalidade da nossa energia é de matriz limpa. Mas além de não termos dinheiro para infraestrutura (um carregador rápido custa em torno de R$ 1 milhão), temos um outro "trunfo": o etanol.

Durante a plantação da cana-de-açúcar, boa parte do CO2 emitido por um motor a etanol é compensada. Isso o torna um combustível tão ecofriendly que faz com que um híbrido com ele no tanque polua menos do que um 100% elétrico na Europa, já que cerca de 77% das necessidades energéticas do europeu médio são satisfeitas tendo como recurso petróleo, gás e carvão.

Baseado nisso, grupos como Stellantis, com imenso mercado no Brasil, e marcas como Volkswagen, têm defendido a utilização do híbrido flex como principal elemento para a descarbonização no país.

"Não há como fugir do motor elétrico. Ele veio para ficar. É o único que permite jogar potência na roda na subida e recuperar a potência ao desacelerar. A energia volta, é armazenada. Isso é muito eficiente, é uma evolução. Por outro lado, países como o Brasil não estão preparados para ter capilaridade de pontos de recarga. Em mercados como o nosso, o futuro será eclético. Teremos elétricos e híbridos", avalia Cássio Pagliarini, da Brigth Consulting.

Pagliarini explica que, enquanto montadoras como Ford e GM seguem suas matrizes ao apostar nos carros 100% elétricos, outras, como Toyota, Hyundai e o grupo Stellantis, não colocam todos os ovos na mesma cesta.

O que preocupa é se a médio e longo prazo o Brasil acabará sendo um "cemitério" de motores, já que a maior parte dos investimentos estará direcionado aos 100% elétricos. Por mais que seja grande, nosso mercado não é tão lucrativo a ponto de receber investimentos exclusivos para a atualização de powertrain.

Por sorte, o Brasil não estará sozinho no limbo: a Índia, outro mercado de volume, vem voltando seus olhos para o etanol, que já é aplicado em parte da sua gasolina. Se a iniciativa se fortalecer, deve ser reproduzida em outros países da Ásia, fortalecendo a nossa posição.