Topo

Paula Gama

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Por que o novo carro popular não estará na sua garagem

Colunista do UOL

22/05/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A notícia de que o governo está preparando um plano para o retorno do carro popular ao mercado nacional deixou muita gente com esperanças de ter, finalmente, um zero quilômetro na garagem. No entanto, a realidade se impõe: apesar de positivo, é muito provável que a maioria esmagadora dos brasileiros não desfrute da novidade.

Em um discurso durante a primeira reunião do novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, há duas semanas, o presidente Lula foi claro ao dizer que gostaria que os mais pobres voltassem a comprar carro zero km, mas é bem difícil que aconteça.

"Qual pobre que pode comprar carro popular por R$ 90 mil? Um carro de R$ 90 mil não é popular. É para classe média", disse. Mas a realidade é que os menos abastados também não poderão comprar modelos de R$ 60 mil, ou mesmo R$ 50 mil, como estimam os mais esperançosos.

Enquanto o veículo novo mais vendido no Brasil, a Fiat Strada, custa R$ 99.990, escancarando como os pobres estão distantes desse mercado, entre os modelos usados, os preferidos dos brasileiros têm mais de treze anos de vida - eles representam 25,4% das vendas em 2023. Em segundo lugar, estão os carros de 9 a 12 anos, com 19,5% das negociações.

Os carros mais vendidos são Volkswagen Gol, Fiat Uno e Fiat Palio. Para se ter uma ideia, esses veículos, fabricados em 2010, há 13 anos, custam entre R$ 18 mil e R$ 25 mil, de acordo com a tabela Fipe. Isso significa que, para a maioria dos brasileiros compradores de carros, um zero km a R$ 50 mil ainda está a anos-luz de sua realidade financeira.

E a classe média?

Bom, por outro lado, mesmo que R$ 50 mil a R$ 60 mil ainda não seja um preço baixo, para chegar a esse patamar, os fabricantes precisarão se esforçar muito. Isso porque, de 2014 para cá, diversos itens de segurança e redução de emissões foram incluídos nos veículos, encarecendo a produção.

Aliado a isso, o alto preço dos insumos - que é cotado pelo dólar, que está alto - e a escassez de componentes transformaram o carro popular em um mau negócio, uma vez que é possível lucrar bem mais aumentando um pouco o custo para fabricar modelos mais equipados, e bem mais caros.

Tudo isso significa que para reduzir os custos seria preciso cortar os equipamentos não obrigatórios, mas quais são eles? Para Cássio Pagliarini, da Bright Consulting, não existem muitas possibilidades.

"Considerando toda a legislação que temos hoje, com exigência de mais itens de segurança e menos emissões, é impossível reduzir o preço do carro a R$ 50 mil retirando equipamentos. O que as montadoras podem fazer é retirar as calotas, não usar para-choques pintados e produzir um carro sem frisos e outros itens considerados supérfluos, mas isso reduziria até 3% do custo de produção", avalia o consultor automotivo.

Afinal de contas, quem compraria um carro novo, nos tempos atuais, sem equipamentos como ar-condicionado, vidros elétricos e direção com assistência? Principalmente se considerarmos que é possível ter tudo isso, e com mais conforto, em um carro usado de R$ 50 mil a R$ 60 mil. Por isso, é muito provável que a classe média também não tenha tanto interesse em ter o novo "carro popular" na garagem.

Quem vai comprar?

Para Pagliarini, se a medida do governo federal tiver sucesso, poderá ampliar as vendas de carros novos em 200 mil a 300 mil unidades.

"Existe a mecânica de elasticidade de preços, que estima que baixando 1%, o volume de vendas daquele produto cresça em torno de 4%. Mas a realidade é que ainda não chegaremos a um veículo que a maioria pode comprar. Ela vai impactar o comprador do carro seminovo, que poderá escolher entre um zero menos equipado ou um de segunda mão", analisa.

Quando o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apresentaram ao poder executivo um estudo sobre o retorno do carro de entrada, deram uma dica do público que será beneficiado.

Entre as propostas, as entidades sugeriram aplicar o programa de estímulo à renovação das frotas de táxis e também a construção de um programa especial de estímulo à renovação dos automóveis operando em aplicativos de transporte. Na prática, é esse grupo que tem mais a ganhar, pois terá o benefício do carro zero, além da possibilidade de incentivos governamentais.

Distorção no mercado

Um fator em relação ao novo carro "popular", ou de entrada, tem causado preocupação entre algumas montadoras: uma possível distorção de mercado. Atualmente, o carro mais barato do Brasil chega perto de R$ 70 mil, mas os modelos imediatamente acima deles, que comportam, de fato, uma família, já estão na casa de R$ 85 mil. Se for um pouquinho maior, já beira os R$ 100 mil.

A preocupação é a distorção que a distância de preço dos carros mais baratos para outros modelos generalistas pode criar. "Não temos como prever o que vai acontecer. Será que o consumidor vai deixar de comprar o veículo de 'médio padrão' para ficar com o mais simples e barato? Acho que não.

Mas o que sabemos é que uma parcela pequena da população, de fato, pode ser beneficiada enquanto outra continuará pagando impostos altos. O correto seria uma reforma tributária justa para que todos os veículos baixassem de preço", disse o executivo de uma montadora, que preferiu não se identificar.

Uma das razões óbvias do descontentamento é que, até abril, as fabricantes de veículos tinham mais de 130 mil carros em seus pátios, muitas, inclusive, pararam suas fábricas temporariamente até o estoque baixar. Obviamente, há muito mais interesse em vender o que já foi produzido do que investir em modelos de menor margem.

Quer ler mais sobre o mundo automotivo e conversar com a gente a respeito? Participe do nosso grupo no Facebook! Um lugar para discussão, informação e troca de experiências entre os amantes de carros. Você também pode acompanhar a nossa cobertura no Instagram de UOL Carros.