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Paula Gama

REPORTAGEM

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Como carro enterrado há 10 anos sumiu de fábrica de montadora na Bahia

Colunista do UOL

19/06/2023 04h00

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Em 26 de novembro de 2012 iniciava um dos maiores mistérios envolvendo fábricas de veículos no Brasil. O dia marcava bem o clima de otimismo que o país vivia nos anos 2010: com toda pompa e circunstância, a JAC Motors realizava uma cerimônia que celebraria o início da construção de uma planta com capacidade de produção de 100 mil carros por ano em Camaçari, na Bahia. Um projeto de R$ 1 bilhão que recebeu diversos incentivos do governo baiano.

A cerimônia não teve nada de simples. Para marcar o dia memorável, a JAC teve uma ideia bem interessante: enterrar um carro por 20 anos, até novembro de 2032, uma espécie de cápsula de tempo.

Tratava-se de um J3 vermelho, o hatch que era o carro-chefe da marca à época. Dentro dele, foram guardados itens do dia a dia do brasileiro em 2012, como um iPhone 4, CDs, livros, jornais, revistas, latas de Coca-Cola e milhares de mensagens de pessoas comuns enviadas para o futuro.

Segundo a JAC, o carro foi um dos primeiros da marca a chegar no Brasil, antes mesmo de a montadora atuar no país. Ele rodou dezenas de milhares de quilômetros em testes feitos pela equipe de engenharia, o objetivo era avaliar os ajustes necessários para ajustá-lo para certificação para o mercado nacional.

O JAC J3 hatch enterrado em Camaçari - Fotos Divulgação - Fotos Divulgação
O JAC J3 hatch enterrado como cápsula do tempo em Camaçari
Imagem: Fotos Divulgação

Assim como os primeiros carros chineses que chegaram por aqui, ele tinha o interior bege e a suspensão com acerto bem mais macio do que somos acostumados.

O J3 vermelho não chegou a ser emplacado oficialmente e usava apenas identificação de fabricante, apesar de ter sido enterrado com uma placa simbólica "JAC-0003" - que, inclusive, já pertencia a outro veículo emplacado no Rio Grande do Sul. Antes de ser enterrado, o veículo passou por um processo de drenagem dos fluidos para evitar contaminação do meio ambiente. Também foram retirados o motor, o tanque de combustível e o câmbio.

Projeção da fábrica que nunca existiu  - Divulgação - Divulgação
Projeção da fábrica que nunca existiu
Imagem: Divulgação

Com o início da construção da fábrica, a JAC passou a se beneficiar de um programa do governo federal que oferecia desconto de 30% no IPI às montadoras que investirem na produção de automóveis no país. A questão é que o projeto, que seria finalizado em 2014, nunca passou da pedra fundamental. Em tese, o carro teria ficado "abandonado" dentro da caixa de concreto em que foi enterrado, mas não foi o que aconteceu.

A construção da fábrica foi adiada diversas vezes, até que a marca chinesa anunciou a desistência. Uma mudança na alíquota tributária de importação atrapalhou os planos da montadora no país e, em 2017, o Grupo SHC - do empresário Sérgio Habib, que controla a marca no país - acabou devolvendo o terreno.

Carro desapareceu misteriosamente

Quando o Governo da Bahia tentou desenterrar o carro, ele não estava mais lá - Governo da Bahia/Divulgação - Governo da Bahia/Divulgação
Quando o Governo da Bahia tentou desenterrar o carro, ele não estava mais lá
Imagem: Governo da Bahia/Divulgação

Após a devolução do terreno, o carro passou a ser um dos assuntos mais comentados quando se falava na fábrica que nunca chegou a ser construída. Todos queriam saber quando o modelo seria, de fato, desenterrado.

E isso aconteceria em 2018, quando o governo da Bahia reuniu alguns jornalistas para o que seria a "cerimônia" de desenterramento do carro. Na hora H, um mistério: no lugar do veículo havia apenas terra e lama.

Segundo a JAC, o modelo foi guardado em um depósito da Bahia. A especulação é que a retirada do J3 tenha acontecido pouco tempo antes da devolução do terreno, mas uma testemunha da coluna "Farol Econômico", do Correio da Bahia, contou uma história diferente.

Ao jornalista Donaldson Gomes, em 2018, um trabalhador do Polo de Camaçari garantiu que o carro passou apenas uma noite enterrado.

"No final da tarde do dia seguinte ao lançamento da pedra fundamental e à instalação da cápsula do tempo no terreno, funcionários da JAC foram vistos por todos os que passaram pela via retirando o veículo", disse à época.

Recuperação judicial

Atualmente com foco em carros elétricos, o Grupo SHC, do qual a JAC Motors do Brasil faz parte, está em recuperação judicial, com uma dívida acumulada de mais de R$ 1 bilhão. A informação consta em um relatório encaminhado à Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, datado de 31 de março de 2021, ao qual a coluna AutoData obteve acesso.

O processo começou em setembro de 2019 e, de acordo com informações da JAC à coluna Paula Gama, está prestes a ser concluído.