Por que a preferência do brasileiro por motos mostra um país fragilizado
A venda de motos já é maior do que a de automóveis em 16 estados brasileiros. Os veículos de duas rodas fecharam o primeiro semestre de 2023 com o melhor resultado dos últimos 10 anos, com crescimento de 22,46% em relação ao mesmo período de 2022 e 50% em relação a 2019 - último ano antes da pandemia, segundo números da Fenabrave.
Apesar dos números serem positivos, uma vez que a venda de produtos sempre movimenta a economia, nesse caso específico, a alta procura por motos expõe a fragilidade da economia brasileira nos últimos anos.
Conforme analisou a Cavalcante Consultoria Automotiva, nos primeiros meses de 2019, as motos eram maioria em apenas oito dos 23 estados brasileiros. Atualmente, entre os veículos zero-quilômetro, os de duas rodas são os mais vendidos em 16 deles.
Com exceção do Rio de Janeiro, todos estão no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde ficam as áreas mais pobres do país. São eles: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará, Amazonas, Acre, Rondônia e Mato Grosso.
Segundo dados reunidos pela empresa, no Rio de Janeiro, enquanto a venda de automóveis e comerciais leves cresceu apenas 3,32% no semestre, a vendas de motos aumentou 50,41%. Comparado com o período pré-pandemia (2019), a venda de carros no estado carioca despencou 41%. Já no Pará, para se ter uma ideia, o segmento de motos cresceu 45%, são 15.134 automóveis no semestre contra 47.613 motocicletas.
O que chama atenção é que, assim como o setor de automóveis, a indústria de motos também sofre com altas taxas de juros e elevação nos preços, mas ainda são produtos bem mais baratos em relação a carros, com opções de menos de R$ 10 mil. Enquanto isso, o preço do carro zero parte de R$ 70 mil. Outra diferença é que, para o pagamento de motos, os consórcios, que não são influenciados pelas taxas de juros, são mais comuns.
"A pandemia criou uma onda de aumento nos serviços de entrega, e sem nenhuma dúvida a perda de poder aquisitivo alinhada ao aumento dos preços dos automóveis fez com que parte dos consumidores migrassem para o setor de duas rodas", analisa o consultor Marcelo Cavalcante.
Famílias empobrecidas trocam o carro pela moto
Durante a pandemia, as famílias brasileiras viveram um verdadeiro baque econômico. A situação foi mascarada por algum tempo com os auxílios do governo federal e medidas para conter o aumento dos preços dos combustíveis, mas tudo veio à tona ainda em 2022.
Além de muitos perderem o emprego, outros viram seu poder de compra minguar com o aumento do preço dos produtos mais baixos. Com gasolina em alta e o preço dos carros em patamares assustadores, recorrer às motos para o transporte diário se tornou algo inevitável para muitos.
Outros, viram no delivery uma oportunidade de complementar a renda ou até mesmo tirar por completo o sustento da família. As duas possibilidades mostram como o trabalhador brasileiro está se arriscando mais por falta de condições financeiras para um transporte seguro. O cenário também aponta que o transporte coletivo é tão precário que muitos preferem correr o risco sobre duas rodas.
Para quem não entende o perigo, vale a pena dar uma olhada nas estatísticas: mesmo as motos representando apenas 15,7% dos veículos em circulação na cidade de São Paulo, os motociclistas são maioria em número de mortes no trânsito. Em 2021, segundo um estudo da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), morreram 363 motociclistas, 286 pedestres, 130 motoristas/passageiros e 44 ciclistas na Capital. No mesmo período, foram registrados 4.671 feridos em sinistros em que as pessoas estavam em motocicletas.
Já as informações da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) mostram que os acidentes com motos representam 54% de todos os sinistros de trânsito do Brasil, mesmo que apenas 22,1% da frota seja composta por motocicletas.
Em 2020, último ano analisado, 79% das indenizações pagas pelo Seguro DPVAT foram destinadas a vítimas de acidentes de moto. Foram cerca de 175 mil indenizações por invalidez permanente. Além disso, cerca de 52 mil pessoas foram indenizadas para pagamento de despesas médicas e outras 17 mil famílias receberam pela morte de algum parente.
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