Paula Gama

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Como chefões das montadoras decidem que carro trarão para o Brasil

Quase todas as marcas de veículos que atuam no Brasil vivem um drama em comum: precisam convencer suas matrizes - na Europa, Ásia ou Estados Unidos - de que vale a pena fazer novos investimentos no mercado brasileiro.

Algumas, como a Fiat, por exemplo, têm mais êxito e autonomia, devido à importância da filial nacional no volume de vendas mundial. Outras, precisam de maior poder de convencimento e barganha.

Em uma entrevista à Veja, Masahiro Inoue, presidente da Toyota na América Latina, revelou o quanto essa negociação pode ser desafiadora ao responder à pergunta "como convencer a matriz da Toyota de que vale a pena investir no Brasil?".

"Estamos lutando. Se a Toyota fizer investimento errado, o acionista vai pressionar. Por isso, é mais fácil levar investimentos para China e Estados Unidos. Meu papel é convencê-los de que vale a pena investir no Brasil", disse o executivo.

Segundo ele, a dificuldade é que, se não houver clara visibilidade de regulamentação, incluindo impostos, não é possível propor projetos para os chefões no Japão.

De acordo com Cássio Pagliarini, da Bright Consulting, a Toyota é uma empresa mais conservadora, mas nem por isso tem tomado más decisões. "Ela fez um híbrido flex aqui no Brasil e ganhou muita participação de mercado por causa disso, mas os produtos daqui são derivados de outros lugares com adaptações. Por exemplo, o híbrido flex em cima de um Corolla Cross que existe em outros mercados."

Um exemplo de como a relação entre matriz e filial pode causar estranheza é a decisão da Chevrolet - uma das marcas de maior destaque no segmento de carros populares no país - de só vender carros elétricos até 2035. A montadora defende a transição dos carros a combustão para os puramente elétricos, sem passar pelo modelo híbrido, que é praticamente um consenso de que seria o mais adequado para o país.

A matriz da Chevrolet decidiu não investir em carros híbridos
A matriz da Chevrolet decidiu não investir em carros híbridos Imagem: Divulgação

A realidade é que, nos Estados Unidos, a General Motors - grupo que controla a Chevrolet - está desativando a sua linha de híbridos, já que os americanos se familiarizaram melhor com os modelos 100% elétricos. Por isso, a engenharia não desenvolve mais tecnologias e plataformas para comportar os dois tipos de powertrain. Como o país não está entre os mercados mais relevantes para a empresa, não vale a pena realizar investimentos segmentados.

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O caso Fiat

Apesar de o Brasil ter o quinto maior mercado automotivo do mundo, a quantidade de carros vendidos aqui representa menos de 10% das vendas chinesas. Foram 26,8 milhões de carros vendidos na China em 2022 contra 1,9 milhão no mercado brasileiro. Para se ter uma ideia, a Alemanha - país que tem o tamanho do Mato Grosso do Sul - tem um mercado de 2,8 milhões de veículos. Por isso, para muitas empresas, é mais compensatório focar os principais investimentos e basear decisões maiores no mercado europeu, americano e asiático.

A Fiat, no entanto, vive uma situação completamente diferente da maior parte das marcas de volume que atuam no Brasil. Isso porque o país concentra mais de um terço das vendas da marca em todo mundo, os modelos da montadora vendem mais aqui do que na própria Itália, sua terra natal. Esse protagonismo dá à sucursal brasileira um enorme poder de decisão sobre investimentos e modelos que serão lançados no país.

"Nada mais natural que deixar que os executivos brasileiros decidam o rumo. Por que o rumo que tomaram até agora levou a empresa a uma situação extremamente positiva", comenta Pagliarini.

Chinesa pagando para ver

A GWM tem dado espaço para decisões da filial brasileira
A GWM tem dado espaço para decisões da filial brasileira Imagem: Divulgação/GWM
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Outra montadora que tem demonstrado ter autonomia em relação à matriz é a recém-chegada GWM. Durante entrevistas à imprensa, Oswaldo Ramos, COO da chinesa no Brasil, sempre relata que os chefões do oriente mostram muita curiosidade, mas confiam nas decisões da sucursal por falta de proximidade com o mercado.

"Na maioria das culturas, o que é bom na matriz tem que ser bom para a filial, e não se tem muita voz como Brasil. Mas aqui está acontecendo exatamente o oposto. Fizemos um carro de brasileiros para brasileiros, usando a melhor tecnologia que tínhamos lá na matriz. Mas toda essa discussão existe, os chineses perguntam muito e é preciso investir um tempo extra no Brasil e fazer o plano A, o plano B e o plano C, porque os cenários podem mudar".

Ainda assim, segundo Ramos, se houvesse mais previsibilidade, também haveria muito mais investimento, tecnologia e opções.

De acordo com Cássio Pagliarini, como o mercado brasileiro é praticamente virgem para montadoras chinesas de grande volume, tanto a BYD quanto a GWM estão dando carta branca para os executivos brasileiros. "Como eles não conhecem o mercado brasileiro, deixam que os executivos brasileiros tenham essa liberdade."

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