Por que isenção de IPVA para carro velho aprovada no Senado é um retrocesso
Na última quarta-feira (13), o Senado aprovou a isenção do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) a veículos terrestres de passageiros com 20 anos ou mais de fabricação.
Agora, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) será encaminhado para apreciação da Câmara dos Deputados e, se for aprovada, vai estabelecer o incentivo do poder público ao envelhecimento da frota nacional, com carros menos seguros e mais poluentes, em todo o território brasileiro.
Atualmente, a isenção do IPVA por idade do veículo é uma decisão de cada estado, mais o Distrito Federal. Na maior parte das unidades federativas, ela acontece a partir de 15 anos, mas há exceções: por exemplo, Rio Grande do Norte, Roraima e Amapá cobram o imposto de veículos com apenas até dez anos de vida.
Se a PEC for aprovada, a regra não valerá para microônibus, ônibus, reboques e semirreboques e vai afetar sobretudo os estados onde ainda não existe a isenção (Minas Gerais, Pernambuco, Tocantins, Alagoas e Santa Catarina).
Qual é a alegação para isentar IPVA
O objetivo principal da concessão da isenção de IPVA, segundo o texto da PEC, é aliviar a carga tributária sobre proprietários de veículos já depreciados e com menor valor de mercado.
O senador Cleitinho (Republicanos- MG), autor da proposta, diz que, em recente pesquisa realizada pelo Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), constatou-se que a frota de veículos em circulação no Brasil é a mais velha desde 1995. De 2020 a 2021, veículos com mais de 20 anos passaram de 2,5 milhões para 3,6 milhões.
"Entendemos, diante disso, que os princípios da justiça fiscal e o da capacidade econômica requerem deste Congresso a tomada de medidas para assegurar a esses brasileiros a manutenção da propriedade de seus veículos. Nesse contexto, a tributação é fator de grande importância, haja vista que, para a população de baixa renda, proprietária de automóveis mais antigos, a despesa com o IPVA consome parcela relevante de suas receitas", afirmou o senador.
Contudo, críticos dessa medida apontam que ela contradiz os esforços globais para reduzir as emissões de gases poluentes e promover a transição para meios de transporte mais limpos. O mesmo vale para a segurança: via de regra, projetos mais modernos de veículos proporcionam maior proteção em caso de colisão e trazem recursos tecnológicos, alguns deles hoje obrigatórios em veículos novos, para minimizar o risco de acidentes.
Os programas Mover, Rota 2030 e Inovar-Auto do governo federal são a prova disso: com a definição de metas de eficiência energética e segurança, os carros vendidos no Brasil estão, de fato, cada vez melhores ao longo dos últimos anos nesses quesitos.
Por outro lado, vale destacar que tecnologias mais recentes acabam encarecendo o custo de um carro zero-quilômetro.
Vale mencionar também o Proconve L7, que está em vigência desde 2023 e estabelece limites de emissões para os veículos novos. Para se enquadrar nas regras, diversas montadoras precisaram atualizar os motores de seus veículos; outras acabaram tirando alguns modelos de linha. Em 2025, o cerco começa a se apertar ainda mais, exigindo ainda mais tecnologia nos carros zero-quilômetro - o que, apesar de vantajoso no ponto de vista de saúde e meio ambiente, aumenta o preço dos carros.
O mesmo tem acontecido em outros países, especialmente na Europa.
Carros mais poluentes e menos seguros
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Quero receberNa contramão de todos esses esforços, que vêm tornando os carros mais caros com o passar do tempo, o poder público passa a incentivar os carros mais poluentes e menos seguros. Para se ter uma ideia, boa parte dos modelos anteriores a 2014 não possui airbag, freio ABS e controle de tração e estabilidade - componentes hoje obrigatórios e vistos como indispensáveis para a segurança.
É claro que a questão social é importante, já que a média da população brasileira tem renda bem inferior à média da Europa e de outros países desenvolvidos. No entanto, o poder público deveria incentivar - com isenção/redução de impostos - os carros mais tecnológicos, seguros e sustentáveis, ou seja, carros novos. Com a redução do preço, mais pessoas poderiam ter acesso.
Também faz falta uma iniciativa de inspeção veicular que obrigue os modelos mais antigos a atender os limites de emissões estabelecidos pelo poder público.
Everton Silva, mentor em Energia a Combustão da SAE Brasil, explica que carros mais velhos tendem a poluir mais devido a uma série de fatores relacionados principalmente ao desenvolvimento tecnológico e aos padrões de emissões mais rigorosos aplicados a veículos mais recentes - além do desgaste causado por manutenção inadequada.
De acordo com o especialista, analisando o impacto das fases anteriores do Proconve, fica evidente que as medidas contribuíram para a redução drástica das emissões de gases poluentes na cidade de São Paulo, especialmente entre 2012 e 2022. No entanto, ele ressalta que o impacto poderia ser muito maior se existisse um programa de renovação de frota.
"Se houvesse inspeção veicular responsável e um programa de renovação de frota, os efeitos desses programas seriam ainda maiores e mais rápidos. A gente entende as questões sociais, mas os carros antigos e poluentes também geram um custo grande para a saúde pública. Hoje, você compra um carro e ninguém mais cobra nada - não sabemos se o veículo passou por uma manutenção e o quanto está poluindo", argumenta o mentor da SAE.
Indústria é contra isenção
Na avaliação da Anfavea, a associação das montadoras, deixar de cobrar IPVA de carros com mais de 20 anos vai na contramão de todos os esforços que os países e as empresas vêm empenhando no sentido da descarbonização global.
"O mundo passa por um grande desafio, de reduzir a pegada de carbono e mitigar os efeitos climáticos já tão visíveis e preocupantes do aquecimento global. No Brasil, as autoridades regulatórias vêm elevando há décadas o nível de exigência de redução das emissões, eficiência energética e segurança veicular, o que vem demandando grandes investimentos por parte de fabricantes e fornecedores, além da elevação do custo de produção dos veículos", diz nota da associação.
A entidade acrescenta que todos os balanços e pesquisas divulgados por autoridades de trânsito apontam que carros mais antigos se envolvem em mais acidentes graves.
"Ou seja, estimular a circulação desses veículos prejudica não só a sustentabilidade do planeta, mas aumenta a possibilidade de acidentes, [gerando] incapacitação de pessoas e [afetando] a própria fluência do trânsito, devido à maior possibilidade de defeitos".
Até mesmo o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores, que poderia se beneficiar com o aumento da demanda por peças de reposição para esses carros mais velhos, considera que "automóveis muito antigos, principalmente sem manutenção adequada, são muito ruins para o meio ambiente e para a saúde pública, pelo alto nível de emissões de partículas de carbono".
Gábor Deák, diretor de Tecnologia e Sustentabilidade do Sindipeças, defende a inspeção técnica veicular, que considera os parâmetros de emissão originais do veículo, e ações educativas que conscientizem proprietários de veículos sobre a importância da manutenção preventiva, que protege o ar, a vida e até mesmo o próprio bem.
"Elevar a exigência de padrões tecnológicos na produção de veículos novos e isentar do imposto os muito antigos são movimentos contraditórios. O estado brasileiro precisa buscar outras maneiras de apoiar a população de menor renda a ter veículos compatíveis com a necessidade do país e do planeta."
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