Paula Gama

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Medo dos chineses? Por que montadoras ameaçam fechar fábricas ainda em 2024

A disputa sobre os impostos de importação para carros elétricos, especialmente aqueles provenientes da China por marcas como BYD e GWM, tem se intensificado no Brasil. Durante a coletiva da Anfavea, a associação das montadoras, na última quinta-feira (5), a situação chegou ao ponto de ameaça explícita.

"Se o Brasil não revir isto imediatamente, nós corremos o risco de ter a produção impactada, inclusive com o fechamento de fábricas já no segundo semestre," alertou Marcio de Lima Leite, presidente da Anfavea - associação das montadoras.

Até o ano passado, carros híbridos e elétricos eram isentos de imposto de importação. Este tributo é uma tarifa cobrada pelo governo com o objetivo de proteger a indústria nacional da concorrência estrangeira. Após pressão devido à crescente concorrência chinesa, o governo traçou um plano de retorno gradual do imposto até 2026, chegando aos 35%.

Ciro Possobom, CEO da Volkswagen no Brasil, se manifestou na coletiva pedindo a reinstauração imediata dessa tarifa. "O que a gente pede claramente é voltar isso [imposto para eletrificados importados] para 35% e estimular a indústria local. Eu acho que isso é interesse para todos os brasileiros", destacou.

Um dos principais temas discutidos foi o desequilíbrio da balança comercial, com um volume maior de importações do que de exportações. No primeiro semestre de 2024, foram quase 200 mil emplacamentos de veículos importados, representando um aumento de 38% em relação ao mesmo período de 2023. A China foi responsável por 78% dessas importações, um aumento impressionante de 449%.

"A importação tem sido responsável pela mudança na nossa estratégia e a gente precisa estar atento ao que está acontecendo," destacou Leite.

O impacto das importações também foi ressaltado em relação ao setor de autopeças. "Você tira emprego das montadoras, dos fabricantes. O efeito é duas vezes desastroso", disse Leite. A Anfavea teme que a falta de regulamentação e desburocratização coloque em risco os R$ 130 bilhões de investimentos anunciados no Brasil.

Dever de casa

Milad Kalume, consultor automotivo, aponta a falta de investimento da indústria nacional como um fator crítico: "foi tanta omissão em relação à falta de investimento, 'deitada eternamente em berço esplêndido', que ela está correndo mais risco com a concorrência".

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Ele destaca que o programa Mover está criando condições para desenvolver produtos melhores e mais competitivos, mas que a indústria brasileira passou muitos anos apenas adaptando tecnologias estrangeiras em vez de desenvolver.

"Se você deixou de investir tanto tempo, e tem uma indústria altamente capaz chegando e que trabalha com grande volume brigando com você, vai se assustar," completa.

Kalume também enfatiza a necessidade de criar regras tributárias temporárias para dar tempo à indústria nacional de se desenvolver e competir. Ele lembra um cenário parecido que aconteceu em 2009, quando diversas montadoras chinesas chegavam ao Brasil com carros mais baratos, como a JAC. Naquele período, por pressão da indústria, o governo instaurou um "super IPI", com alíquota extra de 30% para importados - o que levou boa parte das marcas a desistirem do país.

"Não vejo problema em colocar uma regra de tributação, mas deve ser temporária, e ir reduzindo. Tem que ter condições para nossa indústria criar os mecanismos necessários para se desenvolver e ter condição de competir," afirma. Segundo ele, mudanças repentinas nas regras desestabilizam o mercado e desincentivam investimentos.

Ricardo Bacellar, também consultor automotivo, traz à luz o desejo dos consumidores brasileiros por novas tecnologias, mesmo em tempos de crise.

"No nosso mercado, a relação entre oferta e desejo não está alinhada, mas quando alguém chega com um produto que atrai o consumidor... O brasileiro, quando vê a tecnologia, ele se aperta, pede empréstimo, mas quer ter o produto," diz Bacellar, citando o crescimento nas vendas do Dolphin Mini, que aumentaram 163% entre o primeiro e o segundo trimestre de 2024.

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Bacelar também alerta para as possíveis repercussões diplomáticas de um aumento abrupto dos impostos de importação. "A China é um dos principais acordos comerciais do Brasil; se colocarmos barreiras, eles podem colocar também, e a gente não vai gostar... Se em uma tacada aumentarmos o imposto de importação, será que as novas marcas vão vir pro Brasil?"

Opinião

A pressão sobre o governo brasileiro para revisar as políticas de importação e proteger a indústria local não é novidade. A ameaça de fechamento de fábricas e a perda de empregos são pontos críticos que necessitam de atenção. A possível saída de montadoras do país seria um golpe duro para a economia e a indústria automobilística nacional.

Além disso, a estratégia das montadoras chinesas, com preços competitivos e uma gama diversificada de veículos elétricos, tem se mostrado eficaz no mercado brasileiro. Isso força as montadoras locais a se adaptarem rapidamente às novas demandas do consumidor, que cada vez mais opta por veículos mais sustentáveis e econômicos.

A questão central é: o Brasil está pronto para enfrentar essa nova realidade? A resposta depende de políticas claras e eficazes que equilibram a competitividade da indústria local com a abertura de mercado. A necessidade de proteger os empregos e os investimentos locais deve ser considerada em paralelo ao avanço tecnológico e às novas tendências de consumo.

O futuro da indústria automobilística no Brasil está em jogo, e as decisões tomadas agora terão um impacto duradouro no setor e na economia como um todo.

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