Paula Gama

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Por que venda de carros usados está bombando e isso é preocupante

O mercado de carros usados no Brasil está a caminho de bater um recorde histórico em 2024, com uma expectativa de 15,3 milhões de unidades comercializadas até o fim do ano. No primeiro semestre já foram vendidas 7.343.752 unidades, representando um aumento de 7,2% em relação ao mesmo período de 2023, de acordo com dados da Fenauto, entidade que representa lojas de veículos seminovos. No entanto, essa movimentação positiva esconde problemas significativos que merecem atenção.

Enquanto o mercado de carros usados cresce, a idade média da frota brasileira também aumenta. Dos 7,3 milhões de carros vendidos até agora em 2024, 2,4 milhões têm mais de 13 anos e 1,7 milhões têm pelo menos nove anos de uso.

Esses veículos mais antigos são menos seguros e mais poluentes, o que vai na contramão dos esforços globais para promover a mobilidade sustentável. Para se ter uma ideia, os carros mais vendidos são Volkswagen Gol, Fiat Uno e Fiat Palio - todos fora de produção há bastante tempo.

Nos últimos anos, quando o assunto é legislação para o setor automotivo, boa parte das leis é para incentivar a produção de veículos mais sustentáveis. Para isso, os carros novos recebem tecnologias mais recentes, que acabam encarecendo o custo do zero-quilômetro.

Entre os programas voltados para a mobilidade verde mais recentes estão o Rota 2030, finalizado em 2023, e o Mover, que se inicia neste ano. Ambos oferecem incentivos para montadoras que apostam em tecnologias mais sustentáveis, como híbridos e elétricos.

A Reforma Tributária, em discussão no Congresso Nacional, também planeja um imposto extra para carros - elétricos e a combustão - devido à emissões no meio ambiente. Já o Proconve L7, que está em vigência desde 2023, estabelece limites de emissões aos veículos zero-km. Para se enquadrar nas regras, diversas montadoras precisaram atualizar os motores de seus veículos, enquanto outras acabaram tirando alguns modelos de linha.

Na contramão de todos esses esforços, que vêm tornando os carros mais caros com o passar do tempo, cresce a busca por automóveis poluentes e menos seguros e, é claro, mais baratos. Para se ter uma ideia, boa parte dos modelos anteriores a 2014 não possuem airbag, freio ABS e controle de tração e estabilidade, componentes hoje vistos como indispensáveis para a segurança.

Esse é um sintoma da falta de recursos dos brasileiros para comprar carros mais novos e também da ausência de programas de renovação de frota.

Everton Silva, mentor em Energia a Combustão da SAE, explica que carros veteranos tendem a poluir mais devido a uma série de fatores relacionados principalmente ao desenvolvimento tecnológico e aos padrões de emissões mais rigorosos aplicados a veículos mais recentes - além do desgaste causado por manutenção inadequada.

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De acordo com o especialista, analisando o impacto das fases anteriores do Proconve, por exemplo, fica evidente que as medidas contribuíram para a redução drástica das emissões de gases poluentes na cidade de São Paulo, especialmente entre 2012 e 2022. No entanto, ele ressalta que o impacto poderia ser muito maior se existisse um programa de renovação de frota.

"Se tivesse inspeção veicular responsável e um programa de renovação de frota os efeitos desses programas seriam ainda maiores e mais rápidos. A gente entende as questões sociais, mas os carros antigos e poluentes também geram um custo grande para a saúde pública. Hoje, você compra um carro e ninguém nunca mais te cobra nada - não sabemos se ele passou por uma manutenção, o quanto está poluindo?", argumenta o mentor da SAE.

Incentivos contraditórios

O poder público, ao invés de incentivar a aquisição de veículos mais novos, muitas vezes adota políticas que favorecem a manutenção de carros antigos. A isenção do IPVA para veículos com mais de 15 anos em muitos estados, por exemplo, alivia a carga tributária sobre proprietários de veículos depreciados, mas também perpetua a circulação de carros menos seguros e mais poluentes.

Em outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, existiram incentivos à renovação da frota. O programa "Cash for Clunkers", "dinheiro por máquinas velhas", em tradução livre, foi implementado em 2009 para incentivar a substituição de veículos antigos e ineficientes por modelos novos e mais econômicos. Este programa ofereceu até US$ 4.500 em crédito para a compra de um carro novo

Cresce demanda por carros

Ricardo Bacellar, consultor automotivo, explica que uma convergência de motivos está influenciado no aumento das vendas de carros novos e usados. Um deles é um fator social: o retorno definitivo às atividades presenciais pós pandemia.

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"Estamos vendo o caminho inverso, pessoas têm novas necessidades de mobilidade. A maioria das empresas está voltando ao modelo de trabalho presencial. Isso impacta na necessidade de transporte e também na dependência dos carros. Normalmente, transformações sociais levam a transformações de necessidade de mobilidade e do perfil de compra", avalia o especialista.

A disponibilidade de crédito no mercado também teve um papel fundamental. "Vivemos o ano passado com uma expectativa gerada pelo governo de redução da taxa Selic. Mas a queda travou, parou de cair. E existem sinais de que ela pode até voltar a crescer. Quem estava esperando uma redução de juros e queria comprar um carro viu que não adiantava esperar mais e preferiu realizar a compra", afirma Bacellar.

Com os bancos mais abertos a oferecer crédito, especialmente com a perspectiva de aumento da Selic, há um incentivo adicional para a compra de veículos.

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