Por que os carros mais baratos do Brasil não são os que vendem mais
Durante muitos anos, os carros mais baratos do Brasil foram os preferidos dos consumidores. Paradoxalmente, atualmente, mesmo com os preços dos automóveis mais altos da história, os carros de entrada nunca foram tão desprezados pelo público. Modelos como o Fiat Mobi (a partir de R$ 73.990), Renault Kwid (R$ 74.590) e Citroën C3 (R$ 74.790), que ocupam o posto de mais baratos no mercado, não conseguem repetir o sucesso de vendas de seus predecessores, como o Fiat Uno e o Volkswagen Gol.
Hoje, esses modelos ocupam posições modestas no ranking de emplacamentos de 2024: o Mobi é o sexto, o Kwid, o 13º, e o C3, o 26º. Em vendas para pessoas físicas, a situação é ainda mais grave: nesse caso, o Mobi passa para 24º, o C3, para 29º, e o Kwid, para 33º. Afinal, por que os consumidores reclamam tanto do preço do carro, mas não querem saber dos mais baratos?
Entre os veículos líderes de vendas no varejo, figuram o Hyundai Creta, Chevrolet Onix, Hyundai HB20, Chevrolet Tracker e Honda HR-V. O mais acessível deles parte de R$ 88,9 mil, isso não significa apenas que os consumidores estão dispostos a pagar mais por carros que ofereçam maior conforto, segurança e tecnologia.
Isso demonstra também que, para grande parte dos compradores, os carros zero-quilômetro estão se tornando um item 'proibido'. Afinal, a fatia de mercado de Uno e Gol do passado não é a que compra um Creta e Tracker hoje.
Essa mudança pode ser atribuída a vários fatores. Primeiramente, esses subcompactos nunca foram planejados para ser o carro da família brasileira. Em essência, são veículos voltados para dois públicos específicos: jovens adquirindo seu primeiro carro e famílias em busca de um segundo carro prático para o dia a dia urbano.
No entanto, o empobrecimento da população brasileira minou essas possibilidades. A maioria dos jovens não têm condições de comprar um veículo que custa mais de R$ 70 mil, e as famílias perderam o poder de aquisição para manter um segundo carro.
Além disso, esses carros subcompactos, devido ao seu tamanho reduzido, não conseguem atender às necessidades das famílias brasileiras, que necessitam de veículos maiores e mais espaçosos. Essa inadequação leva potenciais compradores a buscarem alternativas no mercado de usados, que está a caminho de bater um recorde histórico em 2024, com expectativa de 15,3 milhões de unidades vendidas até o final do ano.
Enquanto o mercado de usados cresce, outro problema surge: a idade média da frota brasileira está aumentando. Dos 7,3 milhões de carros vendidos até agora em 2024, 2,4 milhões têm mais de 13 anos e 1,7 milhões têm pelo menos 9 anos de uso. E a razão, é claro, é o preço mais baixo.
Não há interesse das montadoras em carros 'de entrada'
Outro fator crucial para entender a baixa venda dos carros de entrada é a mudança na estratégia das montadoras. Segundo Ricardo Bacellar, fundador da Bacellar Advisory Boards, a indústria automotiva antes lucrava no volume de vendas de carros mais baratos. No entanto, a pandemia afetou gravemente esse modelo de negócio. A falta de componentes para a construção dos carros piorou a situação, forçando as montadoras a priorizarem veículos com maior valor agregado, que são mais rentáveis.
Mesmo com a melhora na oferta de componentes, a situação não deve mudar tão cedo. A crise econômica que o país enfrenta só contribui para a diminuição da viabilidade de colocar carros de entrada à venda, pois a demanda é limitada.
"Estamos vivendo um empobrecimento do brasileiro médio. A relação entre o aumento do salário médio do brasileiro e o aumento do valor do carro é muito discrepante. O consumidor está cada vez mais distante do sonho de comprar um carro", ressalta Bacellar.
O cenário atual reflete uma mudança drástica no mercado automotivo brasileiro, onde os carros mais baratos, que antes eram sinônimos de alto volume de vendas, agora enfrentam um público que, ao mesmo tempo que clama por preços acessíveis, busca carros que atendam a suas reais necessidades.
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