Paula Gama

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ReportagemCarros

Por que nem carro blindado é sinônimo de segurança no Rio de Janeiro

Blindado não é invulnerável. E no Rio de Janeiro, onde criminosos circulam com fuzis de uso militar, essa frase deixou de ser uma constatação técnica para virar uma triste realidade.

Em 2024, o estado do Rio terminou o ano com uma marca histórica na apreensão de fuzis: 732 armas foram tiradas de circulação, um aumento de 20% em relação a 2023, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Desde 2007, mais seis mil fuzis foram apreendidos no estado.

Durante a 15ª edição da LAAD Defence & Security, principal feira de defesa e segurança da América Latina, o governador Cláudio Castro (PL) comparou com o estado do Ceará, que apresentou números de segurança piores do que os do Rio de Janeiro, onde foram apreendidos apenas 78 fuzis. Segundo o político, 90% deles vieram dos EUA e entraram no país através de Paraguai, Colômbia e Chile.

No fim do ano passado, um caso envolvendo um carro blindado e tiros de fuzis chamou atenção: um empresário de 66 anos foi executado em plena luz do dia na zona norte da capital fluminense. Estava dentro de um Corolla branco, blindado, quando sofreu o atentado. Ainda assim, os disparos - feitos com armas longas - atravessaram a proteção do veículo e tiraram a vida do motorista.

A cena assustou, mas revelou algo que empresas do setor já sabem há tempos: a blindagem civil tem limite, e o fuzil está além dele.

"A blindagem que usamos no Brasil para civis é do nível III-A. Ela resiste a armas curtas, como pistolas e até uma .44 Magnum, mas não foi feita para suportar disparos de fuzil", explica Marcelo Silva, presidente da Abrablin (Associação Brasileira de Blindagem).

Segundo ele, esse padrão foi criado nos anos 1990, quando o principal medo era o sequestro. "Na época, o criminoso queria a vítima viva, então usava arma de mão. Hoje, em casos de atentado como esse do empresário, o objetivo é matar. E aí o agressor já sabe qual tipo de arma precisa usar para vencer a blindagem", afirma.

A blindagem civil é pensada para proteger em situações de assalto - aquelas em que o criminoso quer levar o celular, a carteira, o carro. "Ele não quer matar, quer o objeto. Por isso usa arma curta, que é mais fácil de esconder. O fuzil é outra história, aparece em conflitos entre facções, disputas de território. O Rio de Janeiro é um caso à parte", explica Marcelo.

Blindagem tem ponto fraco?

Um dos rumores que circularam após a morte do empresário é de que os tiros se concentraram na maçaneta - uma suposta "área vulnerável". Marcelo desmente a ideia:

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"Isso é um mito antigo. O projeto de blindagem considera as áreas mais expostas. Maçaneta, colunas, todas recebem reforço. O que existe, como em qualquer proteção balística, é uma limitação de cobertura: a blindagem não é total. Assim como um colete à prova de balas protege o tórax, mas não a cabeça."

Outra parte do veículo que geralmente não é blindada é o assoalho. "Não tem histórico de abordagem por baixo. Ninguém deita no chão para tentar roubar alguém. A blindagem é pensada para a realidade da violência urbana, não para guerra."

E se forem muitos tiros?

Uma dúvida comum é se muitos disparos, mesmo de arma curta, aumentam o risco de perfuração. A resposta, segundo o presidente da Abrablin, está na estatística e na balística:

"A norma brasileira, baseada em padrões internacionais, exige que o material suporte cinco disparos com dois centímetros de distância entre cada um. O que não se prevê é que vários tiros atinjam exatamente o mesmo ponto - o que, na prática, é quase impossível. Nem rajada de metralhadora faz isso."

Existe blindagem contra fuzil?

Sim, existe. É o nível III (sem o A), capaz de segurar projéteis de fuzis como AK-47 ou AR-15. Mas ela é de uso restrito, requer autorização do Exército e costuma ser aplicada em carros-fortes, veículos de segurança pública ou casos muito específicos. O custo é alto e o impacto na estrutura do carro é grande - exige reforço de suspensão, freios e estrutura.

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"Não é viável para o uso cotidiano", resume Marcelo.

E mesmo essa blindagem mais pesada tem limites. "Em outros países, como no México, há registros de ataques com metralhadora .50 - capaz de furar até proteção contra fuzil. Ou seja, o agressor sempre sabe o que precisa para romper a proteção. Se a intenção for cometer um atentado, para matar alguém, eles sempre vão encontrar um jeito", afirma.

A blindagem de um carro pode salvar vidas - e já salvou muitas. Mas é importante entender que ela tem uma função específica: dar tempo de reação. Ela protege quem está dentro, mas não transforma o carro em tanque.

"É como o colete de um policial de rua. Ele é feito para a realidade daquele patrulhamento. Se o cenário for de confronto com fuzis, o comandante vai trocar o colete. Com a blindagem, é igual. É preciso avaliar qual o risco real para, então, escolher o tipo de proteção", conclui Marcelo.

No fim, o que mata não é a blindagem que falhou - é a escalada da violência armada que passou por cima do que ela podia segurar.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

11 comentários

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Edson Luiz Joia da Mota

Obrigado pela reportagem, muito boa.

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Pedro Tadeu Abuyagui Vieira

Resumindo.. Quem pode fuja dessa M… de pais!!!

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João Luís Nery

Dino, Lula e pessoal do STF, acham RJ o estado mais seguro do Brasil

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