Ford: como decisões erradas e mudanças da matriz causaram fim de fábricas
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A tarde de segunda-feira (11) começou com uma notícia que surpreendeu o mercado: a Ford deixa de ser fabricante de carros no Brasil. A marca agora se reúne a um time que inclui, por exemplo, a Kia, além de algumas marcas de luxo: a de importadora.
É uma notícia triste para a indústria automobilística, para a economia e para a história do automóvel no Brasil. A Ford foi a primeira marca a produzir veículos no País, há mais de 100 anos.
Em seu tempo por aqui, fez associação com a Volkswagen - formando a Autolatina -, liderou as vendas e fez parte, durante os últimos 30 anos, do grupo chamado de quatro grandes montadoras - que incluía, além da Ford, a Chevrolet, a VW e a Fiat.
Mas em meados da década passada, a Ford começou a perder o rumo no Brasil. Naquela época, perdeu pela primeira vez, para a Hyundai, seu posto de quarta maior montadora no ranking de vendas. Foi também nesse período que a marca passou a enxugar sua linha e ver sua participação ir caindo ano a ano.
A rentabilidade da operação também passou a ser um problema. Desde 2013, a Ford depende da ajuda da matriz para sobreviver no Brasil.
O processo que levou ao fim da produção nacional
Cubro a indústria automobilística há 20 anos, mas já acompanhava antes as notícias desse setor. Na primeira década do atual século, admirava muito a Ford. Em um contexto de crise da indústria automobilística, era uma das poucas que operava no azul.
O EcoSport (que agora sai de linha), sem concorrentes, era um dos carros mais desejados do País. O Focus, durante alguns anos daquele período, foi o modelo mais vendido do segmento de hatches médios.
O Fiesta fazia bonito no mercado, e o mexicano Fusion chamava a atenção do consumidor pelo espaço e o custo-benefício. Era imbatível em comparativos realizados por diversos veículos de comunicação.
É claro que o contexto da atual crise brasileira, que já vinha se desenhando nos últimos cinco anos, e agora foi reforçada pela pandemia, é um fator determinante para a decisão da Ford de deixar de ser fabricante. Bem como o chamado custo Brasil, valor que se paga para produzir carros aqui.
A Anfavea, associação das montadoras, vem alertando há anos que esse custo é muito alto. E o colega Jorge Moraes, em sua coluna aqui na UOL, aposta que a Ford é apenas a primeira entre as montadoras que devem encerrar atividades de fabricação no mercado nacional.
Mas existem também alguns fatores que não são macroeconômicos e nem atingem toda a indústria. São razões da própria Ford.
Powershift e reposicionamento da matriz
Quando a última geração nacional do Fiesta foi lançada no Brasil, no início da década, inovava ao ser o primeiro carro da categoria que, entre outros itens, trazia câmbio automatizado de duas embreagens. O modelo logo caiu no gosto do povo mas, alguns anos depois, surgiu o problema que acabou afastando os consumidores do produto.
O câmbio Powershift, que também equipava algumas versões do EcoSport, tinha um problema de fábrica que a marca não conseguiu responder. A Ford gastou bastante em pesquisa, em recall e, por fim, acabou tirando de linha essa transmissão - no mundo inteiro.
O atual EcoSport perdeu o Powershift. O Fiesta o manteve, após receber leves mudanças, algo que à época parecia incompreensível. Afinal, essa transmissão ganhou má fama ante o consumidor.
Mas a resposta para a decisão veio um tempo depois: junto com o encerramento das atividades da fábrica de São Bernardo do Campo, no ano passado, o Fiesta saiu de linha. Antes disso, o segmento de hatches médios já havia morrido no mercado nacional.
A Ford decidiu deixar de produzir o Focus na Argentina, e não fazia sentido manter sua versão sedã, que nunca fez sucesso no Brasil. A decisão teve também a ver com um reposicionamento global da marca, que passou a dedicar seus esforços a SUVs e picapes, deixando de lado, aos poucos, os demais segmentos.
Nesse contexto, o sedã Fusion, que era importado do México e já havia sido um grande sucesso no Brasil, deixou de ser importado.
Linha enxuta
Com todos esses movimentos, a linha Ford nacional acabou ficando restrita a três modelos: EcoSport, Ka e Ka Sedan. Importados, vinham Ranger (da Argentina), Mustang (dos EUA) e, mais recentemente, Territory (da China).
O EcoSport perde espaço ano a ano. Houve tentativas de revitalizar o produto, mas ele pedia uma mudança drástica. Afinal, são muitos os novos modelos do segmento e, ao Ford, já faltava espaço, porta-malas, tecnologia e motores modernos.
O Eco precisava de uma nova geração, e chegou a se acreditar que ela viria. Agora, sabe-se que, provavelmente, nunca virá. A inspiração para o segmento de SUVs médios, o mais badalado do Brasil atualmente, sai de linha junto com o encerramento das atividades na fábrica de Camaçari (BA).
Quando o novo Ka, também desenvolvido no Brasil, foi lançado, a Ford pretendia transformá-lo no carro mais vendido do País no varejo. O carro de fato fez muito sucesso, e foi vice-líder do mercado brasileiro em 2019.
Porém, o sucesso não veio no varejo, e sim por meio de vendas diretas, justamente o que a Ford não planejara. A modalidade inclui entregas para locadoras e empresas, com descontos altos, sendo bem menos lucrativa para as marcas.
O Ka viu também uma modernização do segmento de hatches compactos, com a chegada do Polo e do novo Onix, entre outros. Já defasado, sem uma mudança drástica perderia ainda mais espaço. Agora, se despede do mercado.
A linha nacional da Ford de fato já não justificava a manutenção da produção. Agora, com a chegada de novos modelos importados, a marca deve ficar ainda mais longe da participação de mercado que um dia teve. Sai de vez do grupo das quatro grandes para ser uma importadora.
Além disso, certamente fará um trabalho para transformar a imagem da marca, e passar ao consumidor percepção mais premium. Afinal, a Ford sai do segmento popular para focar apenas em SUVs e picapes importados - e bem mais caros que os modelos das categorias que está abandonando.
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