Fiat x Volks: como briga pela liderança passou a 'pegar fogo' no Brasil
Foram anos de domínio da Volkswagen, seguidos por um longo reinado da Fiat. Aí, veio a Chevrolet, que se consolidou por cerca de uma década no primeiro lugar do ranking de vendas de automóveis e comerciais leves no Brasil. Mas, na pandemia, graças à nova Strada e à Toro, a marca italiana conseguiu retomar o posto.
E essa nova fase de liderança parecia inabalável. O Onix, combustível da Chevrolet, desaqueceu de vez. Ainda vai muito bem no mercado, mas nunca conseguiu voltar aos números que levavam a uma vantagem assustadora: o hatch ultrapassava as 20 mil unidades vendidas por mês.
Agora, nem líder o Onix é mais. E a Volkswagen? Sem grandes lançamentos de volume desde 2020 (quando chegou o Nivus) e com sua picape compacta (Saveiro) para lá de desatualizada, a alemã nunca pareceu uma ameaça.
Mas isso começou a mudar na segunda metade de 2022. E sabe qual é a ironia dessa história? A Volkswagen não precisou nem de um carro totalmente novo para se tornar aquela que tem chances de converter uma impressionante virada de jogo.
Volkswagen encosta na Fiat
A Volkswagen foi líder de vendas em carros de passeio em julho. Mas isso não é nenhum alerta para a Fiat. Afinal, a liderança de mercado da italiana vem da soma de automóveis e comerciais leves, pois Strada e Toro fazem parte do segundo grupo.
Porém, no mês passado, a Volkswagen teve 41.602 carros de passeio e comerciais leves emplacados. Isso significa uma desvantagem de menos de 3 mil unidades para a Fiat, que somou 44.407 emplacamentos. A diferença é tão pequena que é quase um empate técnico.
Pequena e preocupante para a Fiat. Em junho, a italiana teve 42.399 veículos vendidos e a Volkswagen, 29.772. Em maio, foram 34.438 para a líder e 27.348 para a alemã. Julho marcou a maior aproximação que a VW - ou qualquer outra montadora - ante a Fiat em 2023.
A razão pela qual a Fiat precisa se preocupar atende pelo nome da Polo. Julho foi o segundo mês seguido de liderança de vendas do hatch. E o que mais chamou a atenção foi a vantagem que o modelo teve ante a Strada, o veículo mais vendido do Brasil no acumulado do ano.
O Polo somou 16.471 emplacamentos, ante os 10.387 na picape. A vantagem foi de mais de 6 mil unidades. Em junho, primeiro mês em que o hatch liderou, havia sido de cerca de 900 exemplares, apenas.
Então a Strada perdeu mercado, por causa da chegada da Montana? Na verdade, não. Em julho, houve mais exemplares da picape Fiat emplacadas que em junho. Enquanto isso, a Montana mantém a média de 3 mil unidades nos últimos três meses. Inclusive, nesse período, o melhor desempenho do modelo da Chevrolet foi em maio.
A mudança vem mesmo do Polo, que vem ganhando mercado progressivamente desde a chegada da versão Track, no início deste ano (leia mais abaixo). Dá para "culpar" as isenções concedidas pelo governo, que reduziu os preços dos carros, por esse cenário?
A medida econômica, já encerrada (ainda há algumas unidades com desconto em estoque), levou ao aumento de vendas de zero-km. Mas isso vale tanto para Polo quanto para Strada, que também teve isenções.
Os jogadores de cada time até o início de 2023
O que uma montadora precisa ter para ser líder de vendas no mercado brasileiro? Um hatch compacto, um SUV e uma picape pequena que sejam destaque em vendas. Um sedã compacto pode fazer a diferença para o desempate, e uma picape média pode ajudar. Mas relevância nesses dois segmentos não é fundamental.
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Quero receberA Volkswagen sempre foi bem com o T-Cross e a Saveiro - em seus segmentos. Só que até meados de 2022, o Polo estava em um péssimo período. Havia o Gol, que em seus últimos meses fez bonito no mercado - mas em claro processo de queima de estoque.
A Amarok nunca conseguiu fazer a diferença entre as picapes médias. O Virtus, assim como o Polo, estava em baixa até o início deste ano. Já a Chevrolet, quando era líder, conseguiu compensar o desempenho ruim da antiga Montana com o sedã Onix Plus, que nos anos de ouro da marca formou uma dobradinha de ouro com o hatch Onix.
O Tracker também ganhou destaque no segmento de SUVs com a chegada da nova geração, em 2020. A S10 sempre funcionou como um argumento de ajuda no jogo. No caso da Fiat, nunca houve picape média feita sobre chassi.
Mas a Toro, um produto ainda sem concorrentes à altura, compensou essa falha. Ela roubou clientes das picapes médias, ao oferecer versões 4x4 e a diesel. E levou muitos consumidores das compactas com as configurações 4x2 flex.
Assim, a Toro consegue vender (bem) mais que qualquer picape média. Quanto aos SUVs, a Fiat alcançou a liderança antes de lançar os seus dois produtos, Pulse e Fastback. Mas a chegada desses modelos - que não brigam pelo primeiro lugar, mas vão bem em vendas - impulsionou o desempenho da marca.
Desempenho esse que foi alavancado pela chegada da nova geração da Strada, com cabine dupla. Em um contexto de forte perda de poder aquisitivo de pessoas, especialmente as de renda mais baixa, durante a pandemia, o modelo veio para se tornar o mais vendido do Brasil. Enquanto os carros de entrada perdiam espaço, a picape ganhava.
E, mesmo com a recuperação econômica, ainda lenta, que começa a se desenhar, a Strada vinha conseguindo manter a liderança. Até agora. Quanto ao segmento de hatches, a Fiat atua forte com Argo e Mobi. E até o Cronos, que era apagadinho em vendas, começou a ir bem.
Os jogadores atuais
A Chevrolet mantém bons desempenhos com Onix, Onix Plus e Tracker, que briga pela liderança dos SUVs compactos. A S10 também ainda não perdeu espaço em 2023. O problema é a Montana, que poderia determinar a volta da marca ao primeiro lugar.
A picape lançada no início do ano mirou em Toro e Strada. Só que, por enquanto, não acertou em nenhuma. O produto vende menos que os dois modelos da Fiat. E não alcançou nem a boa e velha Saveiro.
E por falar na Saveiro, mesmo já estando bastante cansada e vendendo metade do volume da Strada, a picape vem sendo um ótimo critério de desempate para a Volkswagen. Marca esta que entendeu que, para ser líder, é preciso investir forte em vendas diretas - algo que a Fiat já vem fazendo há alguns anos.
As vendas diretas são acompanhadas por altos descontos, o que reduz as margens de lucro da montadora. Porém, quando vem com altos volumes, algo comum na entrega para frotistas, pode compensar. Vende-se por menos, mas vende-se bem mais.
No ano passado, a Volkswagen deixou a linha Polo mais simples e barata. Mas a grande jogada veio mesmo este ano: a sucessão do Gol por uma versão para lá de simplificada do Polo, a Track.
Essa nova opção veio com um claro objetivo: as vendas para frotistas. Com ela, o Polo, que já vinha recuperando, conseguiu chegar ao impressionante volume de julho de 2023. Assim, a VW retoma a liderança mensal no ranking de produtos e fica a um passo do primeiro lugar entre as montadoras.
Já a Fiat está com a mesma escalação, e as mesmas estratégias, usadas até o início de 2023. Afinal, mesmo com a chegada da Montana e a ameaça da Volkswagen, seu jogo vai bem. A Strada não perdeu mercado e a marca ainda é líder.
Ainda assim, a Fiat deu uma pequena mexida na equipe. A Strada ganhou motor 1.0 turbo nas duas versões topo de linha, a Ranch e novata Ultra, na linha 2024. O alvo é claro: a Montana. Afinal, é melhor prevenir do que remediar.
Próximos passos
Como deve ser feito com qualquer dado, é preciso ficar atento às entrelinhas dos números de julho. Além das impressionante volume de vendas do Polo, o Nivus chamou a atenção ao conseguir um resultado que não é comum para o produto.
O modelo foi o segundo SUV mais vendido do Brasil, atrás do T-Cross, que de fato vem se consolidando como líder da categoria. Vale ressaltar que o Virtus também vem se recuperando desde que passou por leves atualizações, no início de 2023.
O mês de agosto, já quase sem descontos para carros zero-km até R$ 120 mil, vai dar um panorama mais real sobre o verdadeiro potencial da Volks. De todo modo, ter o hatch e o SUV mais vendidos do Brasil dão à montadora armas concretas para se posicionar como forte ameaça à Fiat.
E investimentos em duas categorias importantes vêm aí. A Saveiro reestilizada chega ainda este ano. A Amarok virá em 2023. Não será nova geração - que no exterior usa mesma plataforma da Ranger. A montadora fará apenas uma reestilização no produto. Ainda assim, a marca vem trabalhando para mudar a história dessa picape no mercado brasileiro.
A Fiat também não vai parar. Ainda este ano, chega a Titano, sua picape feita sobre chassi. A estratégia é oposta à da Amarok. Enquanto a VW foca no topo do segmento, o produto da marca italiana vem de olho na base, em busca de clientes focados no uso comercial desses veículos.
A Titano será uma picape média de alto volume ou ficará no time das menos relevantes? No segundo caso, o produto pode ser o desempate que a Fiat precisa. E quanto à Chevrolet?
A não ser que a marca trabalhe em estratégias de reposicionamento (especialmente com a Montana), deve ficar fora da briga pela liderança a curto prazo. Seus próximos lançamentos serão modelos de alto custo e baixas vendas: Silverado e carros elétricos importados.
Em tempo: mesmo que a Volkswagen passe a vender mais que a Fiat daqui em diante, no resultado mensal, é improvável que ultrapasse a italiana ainda em 2023. A cinco meses do fechamento do ano, a líder soma 251.291 emplacamentos e a alemã, 179.977.
Por ora, o que a Volkswagen já conseguiu foi ultrapassar a Chevrolet. A briga de verdade deve ficar para 2024. Os dados de vendas são da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
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