O que a nova Fiat Titano tem de melhor e pior para encarar difícil missão
Alguns anos atrás, você apostaria que a Fiat se tornaria uma referência no segmento de picapes no Brasil? A Strada sempre inovou e vem mantendo a liderança na categoria de compactas há mais de década. Porém, foi além: agora, é o veículo mais emplacado do mercado brasileiro. A Toro, uma média construída sobre base de carros de passeio, é mais recente.
Porém, ,a Toro já está aí há tempo suficiente para se tornar uma referência e, até hoje, não encontrou uma concorrente à altura. Os modelos lançados - como Montana e Oroch - são menores, não têm motor a diesel nem tração 4x4. Como resultado, a Toro varia entre a segunda e a terceira colocação do ranking geral de emplacamentos de picapes (incluindo todos os produtos da categoria, independentemente de porte e tipo de construção).
Não é à toa que a Fiat resolveu ir além na categoria. Neste mês de março, entra em um universo de picapes no qual o mercado jamais imaginou que fosse querer atuar: o de produtos médios feitos sobre chassi. Para contextualizar, é o grupo de modelos formado por Toyota Hilux, Chevrolet S10, Ford Ranger, Mitsubishi L200, Volkswagen Amarok e Nissan Frontier.
O cliente dessa categoria é um dos mais difíceis de conquistar. Em primeiro lugar, a maioria dos produtos tem anos de mercado, com diversas gerações na trajetória. Das seis disponíveis até agora, a exceção a essa regra é a Amarok, mais recente tanto no Brasil, quanto no mundo.
Além disso, a maior parte das marcas que atuam na categoria tem tradição de décadas no universo das picapes robustas, ou também no de produtos 4x4 valentes. Esse não é o caso da Fiat.
Os produtos tradicionais, portanto, acabaram criando clientes extremamente fiéis, que confiam na opção que escolheram. E confiabilidade é uma coisa fundamental para o consumidor de picapes feitas sobre chassi. Muito mais que para outros públicos.
Isso porque grande parte desses produtos é usada para o trabalho, seja ele na terra ou em outras frentes. É preciso ter um modelo confiável, resistente, com fama de gerar pouca manutenção e que não deixe seu dono na mão, já que o veículo é um de seus principais instrumentos para trabalhar.
Difícil demais
A confiabilidade, acima de tudo, é ainda mais importante para o nicho em que a Fiat decidiu atuar com a Titano. Aqui, nada de concorrer com Ranger Limited, Hilux SRX ou S10 High Country, as versões topo de linha desses produtos. A novata veio para enfrentar as configurações de entrada.
Por que isso é mais difícil? No topo, há uma pegada de estilo de vida também. O uso no trabalho é menos importante. Na base ocorre o contrário. Com poucas exceções, a necessidade profissional é a principal razão de compra.
Então, entre as opções de entrada, não quebrar e não dar manutenção é mais importante para o cliente. Aqui, na base, a poderosa Hilux, apoiada nesses alicerces, tem ainda mais força. Com a nova Ranger, a Ford optou pelo caminho contrário ao da Titano: o topo. As versões mais caras ganharam prioridade, e foram mais promovidas.
Deu certo. A renovada Ranger, lançada no ano passado, conseguiu ganhar espaço. No topo, é muito mais fácil tirar vendas da Hilux, que já está um pouco defasada. Mas a Fiat acabou escolhendo uma missão que terá uma trajetória mais marcada por dificuldades. Por quê?
Por que não? A montadora italiana faz parte do grupo automotivo com maior participação de mercado no Brasil, a Stellantis. Empresa que tem as grandalhonas da RAM, mas também uma média feita sobre chassi na gama - a Landtrek, da Peugeot. O produto estava pronto, e precisou receber apenas atualizações para adequação ao estilo Fiat e ao mercado brasileiro.
Com um produto pronto, que não precisou de desenvolvimento do zero, uma grande carteira de clientes de picapes - mesmo que não da categoria de médias feitas sobre chassi - e uma rede de concessionárias de cobertura nacional, com 520 autorizadas, não havia mesmo motivo para a Fiat deixar de expandir sua presença nesse universo. Mas não havia possibilidade, com um produto baseado na Landtrek, de dar foco à briga com as versões de topo.
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Quero receberNesse nicho, a Titano não teria competitividade principalmente após a chegada da nova Ranger, cuja altíssima qualidade está mudando o nível de exigência da categoria (adiante, confira os prós e contras do produto da Fiat).
Por que vai fazer sucesso
Sucesso não é ser líder. Sucesso é conseguir vender um produto de acordo com as expectativas traçadas para ele, que não necessariamente vai garantir a liderança. Os volumes de produção - e consequente capacidade de entrega - são definidos de acordo com essas projeções. Aliás, a Titano é montada no Uruguai, com 50% de índice de nacionalização (peças produzidas na América do Sul).
O desafio é complicado, mas minha aposta é de que a Fiat vai vender a Titano conforme suas expectativas. Para falar a verdade, a montadora não divulgou uma projeção fechada. Porém, durante o lançamento do produto, na Chapada dos Guimarães (MT), deu números que permitiram chegar a esse dado.
De acordo com os executivos da montadora, a expectativa é conquistar entre 8% e 10% de uma categoria que, de acordo com dados da própria marca, tem volume anual de 123 mil unidades. Ou seja: entre 9.840 e 12.300 exemplares em um ano ou entre 820 e 1.025 por mês.
Independentemente de ser 820 ou 1.025, esse volume coloca a Titano na quarta posição da categoria de picapes médias feitas sobre chassi. À frente, estão Hilux, Ranger e S10 (essas duas brigando, neste momento, pela vice-liderança). Atrás, L200, Amarok e Frontier.
A Fiat vai conseguir? Vai ser muito difícil não conseguir. Carteira de clientes de picapes e grande rede de concessionárias estão entre as razões. Há outras. A montadora italiana - bem como o Grupo Stellantis - é boa em fazer vendas diretas. Talvez, a melhor.
E picape é comprada por meio da categoria venda direta, mesmo que para uso pessoal. Usa-se CNPJ e os descontos são altos para várias categorias. Os para produtores rurais, inclusive, já foram divulgados em um evento para concessionários (veja mais abaixo).
A montadora também tem boa circulação entre empresas que compram carros para frotas. Essas, em meu ponto de vista, serão os principais clientes da Titano. São mineradoras, companhias especializadas em agronegócio e até locadoras de veículos.
Pontos positivos
Mas e o produto? Já foi publicada aqui em UOL Carros a reportagem de avaliação da nova Fiat Titano 2024. Mas vale listar o que a picape tem de melhor, e de pior. Começando pelos pontos positivos, o principal é o preço.
Por R$ 220 mil na versão Endurance, é a picape mais barata da categoria. Vai a R$ 240 mil na Volcano e R$ 260 mil na topo de linha, Ranch. Só que esse valor é só tabela. De acordo com informação divulgada pelo jornalista João Anacleto em seu perfil no Instagram, os produtores rurais terão 10% de desconto.
Assim, para eles, a Endurance sairá por cerca de R$ 198 mil. Só que quem já negociou com a Stellantis, e com a Fiat em particular, sabe que dá para conseguir mais abatimento. R$ 190 mil? É altamente provável.
O visual da Titano é agradável, e a picape traz também boa capacidade de reboque, com 3,5 toneladas. A caçamba é larga e tem volume de quase 1.200 litros. Além disso, conta com um sistema de tração robusto, com direito à reduzida. Mostrou valentia no teste fora de estrada.
Na estrada, o motor 2.2 turbodiesel de 180 cv e 40,8 kgfm não faz da picape um primor de agilidade, mas dá conta do recado. A capacidade de acelerar está adequada a uma média de segmento de entrada. O motorista não vai ficar na mão em uma ultrapassagem em uma pista simples, por exemplo. E isso é fundamental para o público da categoria.
Há algumas tecnologias legais, como as câmeras 180 - mostram a lateral com o carro em movimento, quando se aciona a seta de direção - nas duas versões mais caras. A de topo tem função 3D. O modelo traz também saídas de ar atrás e, na configuração Ranch, banco do motorista elétrico e partida por botão.
Pontos negativos
Conforto ao rodar é o maior problema da Titano, que tem suspensão traseira por feixe de molas. Isso é fruto, em parte, da idade do projeto. A picape recebeu várias adaptações para se tornar um produto Fiat. Porém, a Landtrek foi desenvolvida há mais de década.
A Titano pula demais no off-road e também é desconfortável em pisos imperfeitos. Há uma certa vibração no volante. Nada incômodo demais, mas acima da média das picapes da categoria.
Outro ponto que destoa um pouco da média do segmento é o ruído do motor. Na Titano, você sabe que está a bordo de um modelo a diesel. Na caçamba, a falta de amortecimento na abertura da tampa chama a atenção.
Apesar de algumas tecnologias legais, outras fazem falta. Nem mesmo a Ranch traz carregador de smartphones sem fio. Outra ausência é a conexão sem fio para Android Auto e Apple CarPlay - esses sistemas estão disponíveis, mas é preciso usar cabos.
O acabamento também não agrada. Usa plásticos duros. E, se por fora o visual é conectado à linguagem da Fiat, por dentro isso não ocorre. Não há praticamente nada em comum com outros modelos da montadora italiana.
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