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Perrengue na prática: como é pegar a estrada ao volante de carro elétrico

Os elétricos representam este ano 3,8% do total das vendas de carros de passeio no Brasil. É uma participação ainda pequena, mas que está em acentuado processo de acensão.

De janeiro a abril, os emplacamentos desse tipo de modelo cresceram 763%, na comparação com igual período de 2023. E a principal responsável pelo fenômeno é a BYD.

Mas, além da chinesa, cada vez mais as montadoras lançam produtos a eletricidade no mercado brasileiro. Este ano já vieram o Dolphin Mini, o i5 e o EX30. Para o segundo semestre, estão confirmados o Q6 e-tron e outros carros da BYD. São modelos de preços, potências e autonomias variadas.

Com tantas novidades, surgem também mais dúvidas sobre o veículo a eletricidade (EV), uma inovação tecnológica ainda nova no mundo em geral, e no Brasil em particular. São muitas as perguntas em meu perfil no Instagram e, na semana passada, uma delas chamou a minha atenção: e se eu quiser viajar mil quilômetros na estrada com um carro elétrico?

O questionamento foi resposta a um vídeo sobre o Volvo EX30, que tem de 250 km a 332 km de autonomia (dados do Inmetro, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), dependendo da versão. Mas há opções com capacidade de rodar muito mais a cada recarga completa. E, para ficar nos lançamentos deste ano, o i5 pode percorrer mais de 500 km (por meio da norma WLTP, que tem números mais otimistas que os do instituto nacional).

Mas a resposta simples à pergunta é: se você quiser viajar mil quilômetros de carro elétrico na estrada, vai passar um baita perrengue. Isso se conseguir chegar ao destino.

Rodovia rápida é o pior ambiente

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As montadoras começaram a lançar mais carros elétricos no Brasil em 2020. Na época, a maior parte das novidades era trazida por marcas de luxo, em versões com dois motores e autonomias para lá de generosas, sempre superando os 400 km. Ali, o Inmetro ainda não divulgava seus números para os EVs, e as fabricantes usavam o WLTP.

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Esse último ciclo tende a mostrar uma autonomia que até dá para alcançar, mas apenas em ciclo urbano. Já do Inmetro é mais baixa que a realidade nas cidades e, para alguns veículos, até em rodovias. Então a verdadeira capacidade de rodagem total a cada recarga fica entre essas duas? É difícil dizer, pois assim como os veículos a combustão, nos BEVs a maneira de conduzir conta bastante.

Porém, nos produtos a bateria, o ambiente ideal para a maior autonomia é a cidade - ao contrário dos a combustão. Em rodovias de trânsito rápido e pista dupla - como Anhanguera, Bandeirantes, Dutra e Castelo Branco, por exemplo -, a velocidade costuma ser alta e constante, sem grandes possibilidades de frenagem e desaceleração que ajudam a carregar a bateria de um BEV.

Por isso, é nesses trechos que os carros elétricos costumam entregar seu pior em termos de autonomia. Voltamos, então, ao BMW i5. Sabe aqueles quase 500 km no ciclo WLTP? No Inmetro, o número já cai para 391 km. Mas não se espante se, ao rodar com o modelo por estradas como as citadas acima, a bateria chegue ao fim até antes.

Na prática

Eu já fiz algumas viagens longas de carro elétrico. De e-tron (antes da renovação que transformou esse modelo em Q8 e-tron), saí da cidade de São Paulo com destino à Paraty (RJ), fazendo o trajeto pelo Rio-Santos (trecho da BR-101 nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro). Na descida da Serra do Mar, pela Rodovia dos Imigrantes, recuperei nada menos que 50 km de automomia.

Já na Rio-Santos, o gasto energético foi baixíssimo. Isso porque é uma estrada com velocidade máxima de 80 km/h, mas com muitos trechos de 60 km/h e até 40 km/h. Além da velocidade baixa, condição boa para um EV gastar menos energia, a estrada tem muitas curvas que exigem frenagem e desaceleração, além de poucas subidas.

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Então, quando pensamos em estrada, esta é a condição ideal para rodar de carro elétrico. À época, não havia medição do Inmetro. O WLTP do e-tron era de 436 km - o que daria pouco menos de 300 km pelo metodologia do instituito brasileiro. Eu cheguei a Caraguatatuba (SP)para usar um carregador ultrarrápido (150 kW) após 240 km rodados. Mais da metade da bateria ainda disponível.

Naquela viagem, ida e volta, durante um fim de semana rodei 800 km totais. Só precisei recarregar o e-tron uma vez. Mas, reforçando: a Rio-Santos é ideal para uma viagem de carro elétrico. Por outro lado, o trecho de ida, de São Paulo a Paraty, foi de 355 km e mais seis horas (sem contar as paradas).

Já por vias rápidas, como a Dutra, são aproximadamente 260 km, e pouco mais de quatro horas de viagem. Ou seja: meu trajeto não era para chegar rápido, e sim para aproveitar o caminho.

Já de São Paulo ao Rio de Janeiro (cerca de 450 km), fui de Porsche Taycan 4S, que tem autonomia de 407 km no Inmetro e 241 km no WLTP. Usei bastante o modo Range, que limita a velocidade a 100 km/h e reduz a capacidade do ar-condicionado para aumentar a autonomia. Na ida, com uma certa ansiedade elétrica, parei em todos as estações de recarga (na época, 2022, a Dutra tinha três de São Paulo ao Rio, separados por pouco mais de 100 km uma do outra).

Na volta, mais tranquila, saí do Rio de Janeiro com bateria totalmente carregada. Também havia três postos de recarga no trajeto. Eu parei no último, em São José dos Campos, a 350 km do Rio de Janeiro. Naquele momento, meu painel apontava 80 km de autonomia, e ainda faltavam cerca de 120 km até meu destino final, a zona sul da cidade de São Paulo.

Bacana na teoria. Perrengue na prática

A conclusão de minha viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro, ida e volta, é a seguinte: eu consegui rodar 900 km na estrada (somando ida e volta) com um carro elétrico que o Inmetro diz ter 241 km de autonomia. Isso contradiz aquilo que eu disse no início do texto, certo?

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Pode ser. Só que todo resultado final tem uma história por trás. E, no caso de viagens com carro elétrico, costuma ter perrengue. Na história de Paraty, foi tudo bem. Eu até recomendo. Até porque atualmete a Rio-Santos tem dois carregadores ultrarrápidos, sendo o segundo (de 350 kW) em Riviera de São Lourenço.

Só que recomendo para quem, como eu, quer aproveitar o trajeto e as paradas no caminho sem se preocupar com tempo, pois a viagem é longa e lenta. Já entre São Paulo e Rio de Janeiro, foi um festival de perrengues. Em primeiro lugar, todos os carregadores rápidos disponíveis na Dutra na época eram de 50 kW, pouca potência para os EVs de longo alcance atuais.

Isso significa recargas mais demoradas. Mas há mais. Parei em cinco dos seis carregadores do trajeto de ida e volta. Um deles estava com defeito, e só consegui usar o sistema lento (AC). Fiquei mais de duas horas parada. Outros dois estavam ocupados. Em dois, obtive sucesso. Porém, no de São José dos Campos, fundamental para eu chegar a São Paulo, foi por pouco: conectei o carro minutos antes de chegar um outro veículo.

Se tivesse demorado um pouco mais, ficaria esperando a recarga do outro carro, pois não tinha alternativa. Além disso, como cheguei a São José dos Campos com apenas 80 km de autonomia, levaria duas horas e meia para ter 100% de bateria. Optei por ganhar apenas os cerca de 100 km que precisava, processo que demorou longos 40 minutos.

Mas isso ocorreu porque o carregador era de 50 kW. Nos de 100 kW e 150 kW que já existem em algumas rodovias, o processo é bem mais rápido. Mas há sempre o risco de ter outro carro (ou outros carros) usando a estação, ou de o dispositivo não estar funcionando.

Já há carregadores que permitem conexão de dois carros ao mesmo tempo. Porém, dividem a potência de recarga. 100 kW, por exemplo, viram 50 kW para cada um. Resultado: o processo demora mais.

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Planejamento

Outro aspecto importante é que não dá para viajar de EV para qualquer lugar se o percurso for longo. É preciso verificar se há estações no caminho mesmo nos carros de alto alcance. Os postos de recarga já são mais comuns na região Sudeste, especialmente no Estado de São Paulo - muito por causa do esforço de marcas como BMW, Volvo, Audi e Porsche.

Porém, fora dessa região, são raros e, em alguns casos, inexistentes. Quer ir de São Paulo a Goiânia (911) km de carro elétrico? A dica é: não vá. Provavelmente, você não chegará, terá de acionar o guincho para buscar o veículo e passará por muito contratempo.

Para verificar a disponibilidade de carregadores, há aplicativos como EDP EV Charge e PlugShare. O Google também é uma boa fonte. Alguns apps, inclusive, apontam se o dispositivo está em ordem, ou em uso.

E há sempre a facilidade da recarga gratuita. Muitos dos carregadores de estrada não cobram nada pelo serviço. Geralmente, são assim os instalados pelas montadoras. Para desbloquear, pode ser necessário um cartão, ou instalação de aplicativo.

Perfil urbano

Considerados os prós e contras, eu acho uma viagem de mil quilômetros com carro elétrico muito válida como experimentação. Como algo constante no cotidiano? Não. Eu mesma sou uma pessoa que viaja muito à minha cidade natal, na região de Ribeirão Preto. São cerca de 400 km de trajeto, a partir de São Paulo.

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Há algumas estações de recarga pelo caminho, sendo uma delas ultrarrápida (150 kW). Mas, mesmo que tudo dê certo, e eu não perca muito tempo, como vou recarregar as baterias no destino? Aqui, uma dica importante: há muitos hotéis que já têm seus carregadores, e podem até oferercer o serviço gratuitamente para hóspedes.

Não é o caso de minha cidade natal. Por isso, não vou. Geralmente, quero chegar o mais rápido possível, sem perder tempo com recarga ou ter dor de cabeça para completar a bateria no destino.

E é por isso que o EV vem crescendo apenas desde 2023. Algumas marcas entenderam o verdadeiro perfil desses produtos: ser um veículo urbano para famílias que têm mais de um automóvel na garagem e, na hora de viajar, usam o veículo a combustão.

Os EVs também servem muito bem àqueles que só fazem viagem curtas, até 150 km por trecho. Nesse caso, alguns modelos vão e voltam tranquilamente. Se o destino for casa própria de praia ou campo, dá para instalar um carregador nesses locais também. E, como eu expliquei, sempre há a possibilidade de se hospedar em um hotel com posto de recarga.

Mas mil km? Só se você gostar do risco de passar perrengue. Talvez um dia os elétricos cheguem lá, com mais infraestrutura e, quem sabe, soluções tecnológicas para resolver aquele que é um dos principais problemas: o tempo de recarga. Até lá, quando você for a um local distante, é melhor usar o bom e velho veículo a combustão.

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