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Volvo acaba com farra dos donos folgados de carros elétricos; veja mudanças

Em 2022, decidi fazer uma pauta sobre viagem com carro elétrico. Fui de Porsche Taycan de São Paulo ao Rio, em época que a Dutra tinha seis carregadores rápidos (três em cada sentido). Já contei essa história aqui na coluna mais de uma vez, mas agora volto a ela pela seguinte razão: a recente iniciativa da Volvo para acabar com a farra dos folgados dos carros elétricos.

Mas quem são esses folgados? No caso do consumidor, são os donos daqueles carros que encontrei mais de uma vez no meu trajeto de ida e volta de São Paulo ao Rio de Janeiro. Trata-se daquele que sujeito compra um EV, mas não quer gastar com recarga. Então, deixa o veículo no posto gratuito mais conveniente e vai cuidar da vida, deixando o automóvel conectado ao dispositivo por tempo indeterminado.

Muitos vezes, esse cidadão conecta seu veículo ao carregador pela manhã, parte para o trabalho e só volta no fim do dia para desocupar a estação. Na Dutra, encontrei dois casos assim, relatados pelo responsável pelos postos de recarga. De acordo com eles, eram pessoas que faziam isso sempre. Muitas vezes, mais de uma vez por semana.

E estamos falando de carregadores rápidos de estrada. Estações que devem ser usadas por quem está viajando e precisa recarregar seu carro elétrico para chegar ao destino. Imagine o desespero desse usuário ao saber que aquele outro carro parado ali não vai sair em uma hora, mas apenas no fim do dia? É motivo de sobra para desistir de ter um EV para chamar de seu. Não é?

Na semana passada, a Volvo anunciou uma série de medidas de cobrança para o uso de suas estações de recarga, antes totalmente gratuitas para qualquer automóvel. Entre elas, uma que vai acabar de vez com a prática desse tipo de usuário folgado. Nos carregadores da marca, passará a ser cobrada uma taxa de ociosidade.

O que isso significa? Encerrado o processo de recarga, o usuário tem 15 minutos para retirar seu carro da estação. Após esse período, passará a pagar R$ 5 a cada minuto extra em que o veículo ficar conectado. Em uma hora, serão R$ 300.

Isso é válido para qualquer usuário. Inclusive os donos de carros da Volvo. A medida é impopular? É sim. Mas apenas para aqueles que, sem nenhuma noção de cidadania, deixam seus veículos conectados às estações mesmo após o fim da recarga, demonstrando nenhuma preocupação com os demais proprietários de carros elétricos.

Carregador é a única solução

Você já soube de alguma grande iniciativa de governos brasileiros, nas esferas federal ou estadual, em prol da infraestrutura para carros elétricos? Não, né? E quanto às empresas de energia? Há uma ou outra que inaugura, de tempos em tempos, estações de recarga na cidade ou na estrada, mas sem grande dedicação ao tema.

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As maiores promotoras da infraestrutura para carros elétricos no Brasil são as montadoras de veículos. A BMW começou o movimento, instalando postos de recarga rápida na Dutra. Depois vieram Audi, Volkswagen, Porsche e, mais recentemente, a Volvo.

VW, Audi e Porsche investem juntas em rede de recarga rodoviária
VW, Audi e Porsche investem juntas em rede de recarga rodoviária Imagem: Rafaela Borges/UOL

Encontramos carregadores dessas marcas não apenas em rodovias, mas em locais como shoppings, supermercados e hotéis. A maioria oferece recarga gratuita, e a energia usada na no processo é paga não pelo estabelecimento, mas pela montadora.

Mas por que essas empresas oferecem essas facilidades? Montadoras como Fiat, Volkswagen e Chevrolet, entre outras, têm centros de desenvolvimento no Brasil, e podem continuar vendendo carros a combustão mesmo que suas matrizes determinem um futuro 100% elétrico. Não é o caso de marcas que só trabalham com modelos importados, e têm de vender no mercado brasileiro aquilo que está em sua gama global.

A Volvo é uma das que anunciaram linha de produtos 100% elétrica a partir da próxima década. E, até agora, está entre as poucas que não voltaram atrás nesse propósito. Mas o EV, sem infraestrutura de recarga na estrada, é estritamente urbano.

Isso pode funcionar para um Dolphin Mini de R$ 116 mil, ou mesmo para um Ora 03 de R$ 150 mil. No caso da Volvo, marca premium com modelos que podem ultrapassar os R$ 600 mil, comprar um carro para usar só na cidade não é uma atitude comum.

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E é por isso que a Volvo entrou na onda da instalação de carregadores na estrada. Começou depois das demais. Mas, atualmente, é a que mais investe em mais pontos de recarga rodoviários.

Na semana passada, a marca anunciou que seus pontos, até então gratuitos, passarão a ser cobrados na recarga de qualquer carro que não seja da própria Volvo. E o valor foi considerado alto. São R$ 4 por kWh, além de R$ 2,50 de taxa de conexão.

Marcas folgadas?

Com exceção da Volkswagen, que entrou na onda por causa de Audi e Porsche (que são do mesmo grupo automotivo), as marcas que investem na infraestrutura de carros elétricos são motivadas pela mesma lógica da Volvo: seus clientes querem cair na estrada com os automóveis. E, em breve, elas não terão mais tantas opções a combustão para oferecer.

Até o ano passado, carros de uma montadora usavam gratuitamente o carregador financiado pela concorrente, e estava tudo bem. Aí vieram as chinesas. Modelos como os BYD Dolphin e Dolphin Mini e o GWM Ora 03 tiraram os elétricos do nicho e os levaram a representar um papel relevante no mercado brasileiro.

Apenas no primeiro semestre de 2024, foram vendidos mais de 30 mil carros elétricos, quase 760% a mais que os 600 exemplares do mesmo período do ano passado. Consequentemente, os carregadores gratuitos começaram a ficar congestionados.

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Marcas chinesas ainda não investem em rede pública de recarga
Marcas chinesas ainda não investem em rede pública de recarga Imagem: Divulgação

Ao passar a cobrar pela recarga em suas estações, a Volvo quer que outras marcas tomem mais iniciativas em prol da infraestrutura. Isso porque as chinesas ainda não investem na rede pública.

O problema é que essas marcas são agora as responsáveis pelos altos volumes no segmento de carros elétricos. E seus clientes estão usando a infraestrutura instalada por outras montadoras. No caso da Volvo, as estações já são mais utilizadas por donos de carros das chinesas do que pelos proprietários de automóveis da sueca.

Recarga cara

A Volvo está no negócio de vender energia? E a Porsche? Audi? BMW? Não! Todas essas empresas se dedicam à venda de carros. E, como expliquei acima, deixar seus carros elétricos mais atraentes é a única razão para essas montadoras investirem em estações de recarga no Brasil.

Para a Volvo, ter carregadores para seus clientes é muito importante, especialmente neste momento. A marca acaba de lançar o EX30, que tem preço competitivo e concorre diretamente com alguns modelos de marcas chinesas. Além disso, a sueca pode entregar até mil unidades por mês desse produto ao mercado brasileiro.

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Para comparação, o Volvo mais vendido do Brasil até agora, o XC60, mal chega aos 300 exemplares por mês. Por isso, o EX30 representa um grande salto para a Volvo. Mas, para cumprir sua meta, a marca sueca precisa oferecer diferenciais como rede de recarga pública e gratuita. Diferencial que as chinesas não têm, e até agora não se preocuparam em ter.

Em uma conta simples, a recarga doméstica completa de um carro elétrico com bateria de 60 kWh custa R$ 60, no Estado de São Paulo. No carregador da Volvo, vai a R$ 242,50 (contando a taxa de conexão).

Por isso, a recarga nos carregadores da Volvo é sim bastante cara, mesmo para estações públicas de alta velocidade, em que a média fica entre R$ 1,50 e R$ 2 por kWh. Além disso, o valor é bem próximo ao que gasto para abastecer meu carro flex com gasolina.

A diferença é que consigo rodar entre 500 km e 600 km por tanque. Com um elétrico de 60 kWh na bateria, a autonomia fica em torno de 300 km. Na prática, gasto menos com meu carro a combustão (que não é dos mais econômicos), o que mostra que o carregador da Volvo elimina uma das principais vantagens do EV.

E, em meu ponto de vista, o valor alto não é para que a montadora possa lucrar com a venda de recarga. Repetindo: a Volvo vende carros, não energia. O objetivo é afastar os automóveis elétricos de outras marcas das estações.

Tesla já deu o exemplo

Assim, os carregadores Volvo passam a cumprir o objetivo: atender os clientes da marca. A iniciativa, inclusive, já foi muito bem aplicada pela Tesla. Você acha que os carros da montadora norte-americana fazem tanto sucesso pelo mundo só por que são bons? Que nada. A rede de recarga é um dos segredos.

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Aqui, porém, não tem a ver com serviço gratuito. Donos de Tesla não pagam pela recarga apenas por um determinado período - que pode variar de um a dois anos. Porém, os carregadores da marca, ultrarrápidos, não podem ser usados por modelos de outras montadoras.

Tesla investe em carregadores ultrarrápidos que não podem ser usados por carros de outras marcas
Tesla investe em carregadores ultrarrápidos que não podem ser usados por carros de outras marcas Imagem: Reprodução

O resultado é que clientes da Tesla dificilmente vão ficar na mão quando precisam de recarga, seja na cidade ou nas estradas. Está certíssima a marca. Afinal, de que vale investir em infraestrutura para clientes de outras montadoras usufruírem e, consequentemente, deixarem os donos de Tesla esperando?

Não é à toa que o carro mais vendido do mundo em 2023 foi um Tesla, o Model Y. Esta corretíssima também a Volvo. De agora em diante, quem compra um EX30, XC40 e C40 sabe que terá estações de recarga à disposição.

É inegável o importante papel das marcas chinesas na popularização do carro elétrico. Especialmente da BYD, que está deixando esse tipo de tecnologia ao alcance de cada vez mais pessoas. Mas quem vende EVs em países como o Brasil, sem nenhum incentivo do governo, também tem de pensar em infraestrutura. Não dá para se apoiar em investimentos de outras montadoras.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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