Nova Jaguar: o que há de verdade nas mudanças chocantes da marca de luxo
As últimas duas semanas foram marcadas pela exposição do novo direcionamento da Jaguar, que acabou gerando grande polêmica entre os fãs da marca. Afinal, a montadora está abandonando sua história para se tornar algo que ninguém conseguiu entender direito? Onde está aquela elegância britânica que praticamente se confundia com a realeza?
Para entender a verdade sobre a nova Jaguar, conversei com a diretora de marketing da JLR Brasil, Camila Mateus. A palavra-chave da nova fase é sim "ruptura". Mas isso não significa apagar a história e tudo o que foi construído desde 1922, quando a empresa foi fundada (mas o nome atual só surgiria em 1945).
No site de imprensa da Jaguar, por exemplo, só vemos agora referências ao novo conceito da marca e o Type 00, protótipo que dará origem ao primeiro carro da nova fase. 00, aliás, é uma referência ao fato de a montadora estar começando tudo de novo.
Porém, há no website a área "arquivo", mostrando o passado e também o presente da marca (os carros que ainda estão sendo vendidos).
Ruptura
A principal ruptura, no entanto, é com o presente. A Jaguar, que era controlada pela Ford e depois passou ao guarda-chuva da Tata Motors, enfrenta longos anos de crise. A primeira tentativa de reerguê-la veio com um rebaixamento.
A tradicionalmente luxuosa Jaguar passou a fazer carros para concorrer com as premium: Audi, BMW, Mercedes-Benz e Volvo. Daí surgiram sedãs como XE e XF, e SUVs como F-Pace e E-Pace (estes, aliás, já pararam de ser vendidos em alguns mercados).
Dessa Jaguar premium a versão renovada quer se separar completamente. O objetivo agora é voltar aos primórdios: o extremo luxo. Camila conta que, pensando em preço, estes devem ficar abaixo dos de marcas como Rolls-Royce e Bentley.
A executiva diz que seria um posicionamento de preço semelhante ao de um Range Rover SV, mas com uma pegada diferente em termos de produto. A nova Jaguar terá um direcionamento mais esportivo que a da outra luxuosa marca do Grupo JLR (do qual também fazem parte Discovery e Defender).
Relação com a história
Mas é claro que esse recomeço não abandona completamente o passado. Se assim fosse, talvez eliminar o nome da marca fosse o ideal. As referências são várias. O próprio slogan "Copy nothing" vem dos primórdios.
A frase, que pode ser traduzida livremente como o ato de não copiar nada, é usada como a filosofia da transformação da Jaguar. E quem idealizou essa filosofia? Sir William Lyons, o fundador da Jaguar, lá nos anos 20.
Nessa nova fase, a marca entende "Copy Nothing" como quebrar os padrões. Outra referência ao passado está no Type 00. Type é um nome muito tradicional na história da montadora.
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Quero receberO conversível E-Type, por exemplo, é um dos mais importantes da história da marca, e também considerado o carro mais bonito de todos os tempos. O F-Type, por sua vez, foi o último esportivo produzido pela "velha" Jaguar.
Mas, na internet, rolaram algumas comparações entre o visual do Type 00 e do E-Type. Camila explica que isso é só coisa da web mesmo, pois o design dos novos não vai buscar nenhuma inspiração nos velhos.
O objetivo é ser algo completamente novo e sem copiar traços de absolutamente nada. Nem mesmo dos antigos Jaguar. Assim, a melhor palavra para definir é uma de que não gosto, e que creio que nunca usei antes em meus textos. Mas, desta vez, é inevitável: disruptiva.
Versão final e metas
Disruptiva é uma palavra da qual os potenciais clientes da nova Jaguar gostam muito. Mas, desse grupo de consumidores, falarei mais adiante. Agora, vamos ao primeiro carro da nova fase, que não se chamará Type 00.
Internamente, vem sendo chamado de GT Coupé, o que não significa que será lançado com esse nome. Já foram divulgadas imagens do carro camuflado, e nota-se linhas semelhantes às do Type 00, mas com uma diferença fundamental: tem quatro portas.
Assim, será um sedã cupê, ou um cupê de quatro portas, ou quem sabe até uma carroceria totalmente diferente do que já se conhece até agora. Afinal, a ordem é quebrar os padrões estabelecidos hoje.
Será 100% elétrico, como todos os modelos da nova Jaguar. Esse, ao menos, é o direcionamento hoje. Pode mudar? No caso do Type 00 definitivo, a plataforma é exclusiva para EVs.
Porém, a JLR não fecha as portas para nada no futuro. Afinal, são muitas as marcas que haviam decidido só ter EVs a partir da próxima década, mas acabaram mudando de planos (entre elas, Volvo e Mercedes-Benz).
A autonomia do carro final pode ficar acima dos 750 km divulgados para o Type 00. A estreia global ocorrerá no final de 2025 e, para o Brasil, o modelo está previsto para 2026.
A nova Jaguar, investindo no luxo, será de nicho. A estimativa é que tenha vendas globais de 50 mil modelos ao ano, em todo o mundo, quando a linha estiver completa. Ou seja: está muito mais para Bentley (13,5 mil exemplares em 2023) que para BMW (2,55 milhões de unidades no ano passado).
Novos clientes
Com a transformação, a Jaguar quer continuar sendo aquilo que foi no passado: uma marca com impacto cultural. E cria agora o legado que quer deixar para as novas gerações, para os próximos 30 anos. Essa é a mensagem passada pela JLR ao explicar a nova Jaguar.
Após ter acesso a todas essas informações e dados, minha análise é de que essa é a maior ousadia automotiva dos últimos anos. E tudo o que é ousado demais pode ter um impacto muito positivo, mas também ser incompreendido.
A nova Jaguar, em meu ponto de vista, não será muito bem aceita pela velha aristocracia britânica, xeiques árabes ou grandes acionistas de conglomerados industriais. O objetivo é ser um ícone do novo luxo, em que a ostentação dá lugar à autenticidade.
Na prática, acredito que poderá ter boa aceitação entre a turma do Vale do Silício, das fintechs e também entre artistas de diversas áreas.
Velhos clientes
Muitas marcas premium e de luxo já vêm fazendo a transição, lançando carros que tenham valores da nova geração sem abrir mão daqueles modelos que as transformaram no que são. A Porsche é um exemplo.
Nenhuma tradicional ousou como a Jaguar. Talvez, para a britânica isso tenha sido mais fácil por causa do presente problemático. Ela tinha menos a perder do que as demais.
O tempo dirá se a Jaguar acertou. Mas não é nenhuma surpresa que a ruptura gere estranhamento e resistência nos fãs e, principalmente, naqueles que mais importam: os clientes. Os antigos e os atuais.
E é por causa desse grupo que a Jaguar continuará investindo em sua clínica de restauração de clássicos. É uma forma de mostrar apreço pela história que tem, e pelos automóveis que foram ícones culturais em suas épocas mas que, se continuassem a usar o mesmo conceito, não teriam representatividade nas próximas décadas.
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