Culpa do estado nos acidentes de moto inclui CNH e 'armadilhas' no asfalto
Há uma evidente contradição entre a fundamental necessidade de reduzir os acidentes envolvendo motociclistas e ciclistas e as ações -- ou a falta delas -- tomadas nas várias esferas do poder no Brasil.
Assumindo dimensões de gravíssimo problema de saúde pública, a multidão de vítimas de acidentes de trânsito ao guidão não é, como podem induzir questionáveis vozes da mídia nacional, apenas fruto de irresponsabilidade, impunidade ou da própria natureza frágil dos veículos face aos outros meios de transporte.
Nosso sistema de concessão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é inadequado, pois não prevê avaliação real nas ruas, avenidas e estradas, mas apenas um mero teste prático de equilíbrio e procedimentos em recinto fechado.
E também é evidente que à partir de tal teste não se poderiam considerar aptos motociclistas para conduzir quaisquer motos, das pacatas utilitárias de menos de 10 cavalos de potência às superesportivas de 200 cv. Ao fazer isso o estado age como se concedesse a um jovem recém-habilitado em automóveis o direito de também conduzir uma carreta com 50 toneladas de carga pelas rodovias do país afora, ou a um piloto de monomotores permissão para pilotar um Airbus A380.
Escalonar a CNH, estabelecendo exames práticos que realmente avaliem a capacidade do candidato para enfrentar as ruas e estradas com motocicletas de potências diferentes seria boa alternativa. Conceder a 1ª licença para motos pequenas e de baixa potência e, por meio de avaliações sucessivas ou tempo de habilitação, elevar o grau da carteira seria outra, mais complexa.
Porém, não se vislumbra a menor possibilidade de educar e qualificar o candidato a motociclista e por consequência afunilar o acesso à moto sem que isso se reflita em custo que, infelizmente, seria repassado ao candidato -- quando de fato deveria onerar o maior interessado e beneficiário da formação de bons motoristas: o governo.
PISO RUIM
Novos motociclistas são vítimas fáceis de outro problema que também é responsabilidade do poder público. Veículos de duas rodas, sejam motos, sejam bicicletas, são sensíveis à qualidade do piso. Uma coisa é passar sobre um buraco, desnível ou lombada sobre quatro rodas. Bem outra é fazê-lo sobre duas, e de mínima área de contato com o solo.
É inevitável a comparação de nossas vias com as que se encontram em outros países e, atenção, não estamos nos referindo unicamente ao dito Primeiro Mundo, pois também em vizinhos como Chile e Argentina a situação do piso é, de um modo geral, muito melhor do que no Brasil.
É arraigada em nossos gestores a crônica desatenção para com a conservação de ruas e estradas (e pontes, monumentos, prédios públicos...). Porém, mesmo quando a pavimentação é recente desconsideram-se aspectos que podem causar graves problemas a quem vai sobre duas rodas.
A existência de sinalização de solo -- as faixas e sinais pintados no leito das vias -- é um direito do cidadão que no Brasil parece secundário aos olhos dos responsáveis públicos, ou das concessionárias que realizam o trabalho: o padrão é a pavimentação da via e, muito posteriormente, em semanas ou até meses, ser completada a sinalização.
Todavia, o que poderia ser uma benção -- pintura delimitando as faixas de rolamento -- invariavelmente torna-se armadilha para o motociclista, pois a tinta que se usa na maioria das vezes no Brasil não é do tipo antiderrapante, apresentando insuficiente grau de aderência, especialmente quando molhada.
Outro nítido descaso que vitima quem se vale de moto ou bicicleta são inadequadas sinalizações refexivas e de demarcação aplicadas no leito das vias, "penduricalhos" exageradamente protuberantes que não levam em conta a citada fragilidade dinâmica e estrutural de rodas e pneus.
Mais uma vez há que se fazer referência a países onde o uso do veículo de duas rodas tem maior histórico, onde há mais tempo faz parte do cenário urbano: neles há tipos de tachões reflexivos que, assim como a tinta apropriada, não provocam perda súbita de aderência nem tampouco têm dimensões capazes de desequilibrar ou derrubar quem tenha o azar de passar sobre eles.
MOTONOTAS!
A ABRACICLO, associação dos fabricantes de motos e bicicletas no Brasil, firmou parceria com o Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo para analisar as reais causas dos acidentes de trânsito envolvendo motociclistas. Os dados serão coletados no local dos acidentes pelos agentes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e pelas polícias Civil e Militar, e aprofundados por funcionários do hospital na internação. JOSÉ EDUARDO GONÇALVES, diretor-executivo da Abraciclo, declarou: "O objetivo é que o acidente deixe de ser apenas uma triste estatística. Teremos um questionário que permitirá analisarmos a fundo os fatores desencadeadores de ocorrências no trânsito de São Paulo. Serão ouvidos o motociclista, o outro envolvido (motorista ou pedestre) e testemunhas, além de avaliadas a infraestrutura da via e do local". A YAMAHA FAZER será a primeira motocicleta nacional de 250cc a se valer da tecnololgia flex. No mercado desde 2005, se destacou pelo pioneirismo por ser a 1ª de seu segmento a adotar sistema de injeção eletrônica de combustível. O lançamento da versão bicombustível está previsto para a primeira metade de julho próximo. MARCOS FERMANIAN, diretor da Honda e presidente da Abraciclo, culpa as financeiras para justificar queda de mais de 15% nas vendas de motos de março para abril de 2012. Disse ele: "As reduções nos juros não se refletem na aprovação do crédito. Na prática, persistem a maior seletividade e o rigor na liberação dos financiamentos, observados desde o final do ano passado. Com isso, grande parte dos consumidores de motocicletas, que pertence às classes socioeconômicas C e D, acaba impossibilitada de concretizar a compra, o que acarreta quedas nos negócios". |
GUARD-RAIL
Há mais de uma década que a colocação de guard-rails mais seguros para motociclistas é alvo de campanhas em países europeus. Tal reivindicacão resultou em algumas ações por parte dos governos de Espanha, França e Itália. Adequados para carros e outros veículos de maior porte, os guard-rails convencionais são armadilhas cruéis para motos.
Em curva, a perda de aderência e consequente tombo faz moto e motociclista deslizarem pelo asfalto, e a fresta entre a lâmina do guard-rail e o solo, assim como o pequeno poste de sustentação, atuam como obstáculos traumáticos. Instalando guard-rails de lâmina dupla, eliminando as frestas e protegendo o suporte, houve importante redução da gravidade das lesões nos motociclistas.
Voltando à nossa realidade, onde até mesmo nas mais elogiadas rodovias do país há trechos sem defensas de qualquer tipo e desníveis entre a pista e o acostamento capazes de derrubar o mais experiente e treinado dos motociclistas, há a questão da falta de manutenção, e também da manutenção que desconsidera motos e afins.
Um buraco no meio de uma curva é um problema. Um buraco recém-remendado no meio de uma curva pode ser um problema ainda maior.
Qual a razão? Múltiplas: na maioria das vezes o remendo fica saliente, como se com a passagem de veículos ocorresse um nivelamento, coisa que, é claro, não me parece correta do ponto de vista técnico e muito menos prático. Invariavelmente a brita usada no remendo, o pedrisco e demais resíduos do conserto, não são varridos.
MAIS ARMADILHAS
Para motociclistas, esse escorregadio composto se transforma em uma das piores armadilhas -- perdendo apenas, talvez, para as grandes placas de aço colocadas sobre valas de obras em andamento. Lisas como gelo mesmo quando secas, são criminosas quando molhadas.
Neste macabro cardápio há também tampas de bueiro desniveladas e a total ausência de sinalização provisória avisando que determinado trecho está sendo raspado para ser recapeado depois. Se de carro a aderência em chão frisado cheio de pedriscos é frágil, em uma moto a possibilidade de queda é enorme.
A cidade de São Paulo, onde certamente circula a maior frota de motos do país, é um péssimo exemplo em termos de pavimentação.
São desnecessárias pesquisas ou estudos para perceber o quanto a precariedade contribui para a atual epidemia de acidentes. Uma efetiva ação no sentido de pensar na pavimentação do ponto de vista de quem se locomove sobre duas rodas seria a mais imediata maneira de diminuir a quantidade de acidentes, seja em São Paulo, seja nas pequenas cidades -- cada vez mais dominadas pela irrefutável praticidade e economia das motocicletas.
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