Ex-motoboy empresaria cantor de forró e dá carona a senador nas horas vagas
Quem nunca sentiu aquela pontinha de inveja ao acompanhar uma motocicleta passando direto por entre carros parados no engarrafamento? Parece até que, em alguns momentos, a visão do piloto sobre duas rodas rompendo o tráfego é o combustível que alimenta a intolerância entre motoristas e motociclistas.
Na Semana da Mobilidade a sociedade costuma se abrir a discussões que incluem a convivência entre diferentes veículos e modais. É o momento de buscar soluções para a falta de alternativas e também para enfrentamentos que não deveriam ocorrer. O confronto é fruto da falta de planejamento para o transporte individual e coletivo não apenas na cidade de São Paulo, mas em todos os grandes centros do país.
Por baixo do capacete, porém, encontram-se histórias curiosas de superação, amizade e crescimento profissional, que demonstram a importância da motocicleta na rede social (real) das grandes cidades.
INCLUSÃO PELA MOTO
Empresário do ramo de transportes e serviços, Valdo Rodrigues, chegou da Paraíba aos 15 anos e fez sua vida graças à moto. Trabalhando como motoboy, alimentou a família e deu educação aos filhos. Com o tempo, virou a mesa e passou a ser patrão.
Aos 42 anos, Rodrigues acostumou-se com a correria da cidade e também a conviver com os riscos da antiga profissão. Os conselhos são básicos, mas importantes: não acelerar forte nas saídas de farol e manter uma velocidade constante.
Além da experiência sobre duas rodas, Valdo também usa a criatividade para enveredar por outros caminhos, no caso, o mundo artístico. Sua atual empreitada é a de empresário musical de um grupo de forró do amigo Ivanildo Marques. Rodrigues diz que o apoio é merecido: "Ele também era motoboy e tem muito talento, quem escuta o som já quer logo balançar o esqueleto", diverte-se.
CARONA INESPERADA
O período no guidão da motocicleta rendeu outra história inusitada. Após receber um telefonema, se viu levando na garupa o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Após 12 anos, o favor prestado gerou uma uma amizade com o agora candidato ao quarto mandato nas Eleições 2014. "Já levei o senador para lugares distantes como São Bernardo do Campo, ele é um garupa tranquilo”, afirma Rodrigues.
Esta é a solução esporádica encontrada pelo senador para ganhar tempo no horário de rush da cidade de São Paulo. "Sem a carona, ficaria bem mais difícil cumprir a agenda de entrevistas e palestras, principalmente no horário de pico", explica Suplicy. "Quando o trânsito está travado e tenho compromissos importantes, chamo meu amigo Valdo e ele resolve".
Assim como Rodrigues, Suplicy alimenta um vínculo forte com o veículo de duas rodas. Quando jovem pilotava uma Vespa; mais tarde, já como professor da Fundação Getúlio Vargas, usava uma Honda CB 360. No final da década de 1970, atuou como repórter e colunista na Folha de S.Paulo, e usa a moto para se deslocar. "Saia tarde da Folha e gostava de pilotar pela cidade", lembra o senador, que já não pilota com tanta frequência aos 73 anos.
Questionado sobre pagamento, Rodrigues diz não poder, nem querer cobrar. Caso a carona fosse remunerada, se converteria no serviço conhecido como "moto-táxi", atividade que não é permitida na cidade de São Paulo.
UM OUTRO OLHAR
Ter noção dessas trajetórias poderia mudar o olhar da atual administração paulistana sobre a motocicleta como veículo? Talvez. Atualmente, a bandeira levantada é a da ação positiva com criação de ciclo-faixas e vias dedicadas. Mas é óbvio que a cidade deve encontrar formas para resolver a questão da mobilidade -- sobretudo do formato que prega o uso do carro particular como única forma de deslocamento -- sem que uma campanha exclua a anterior.
Apesar de encampar o uso da bicicleta, Prefeitura, SPTrans (Secretaria Municipal de Transportes) e CET (a companhia responsável pela engenharia de tráfego na cidade) acabaram com o programa de criação de faixas exclusivas e bolsões de estacionamento para motos.
São Paulo poderia seguir grandes cidades, no Brasil e até mesmo na Europa (Paris é um exemplo), que não apenas abraçaram a realidade do uso das motos, com campanhas e ações de segurança, como também instituíram o serviço de moto-táxi. De forma organizada, a democratização do uso traria ganhos, seja como nova fonte de renda para profissionais do guidão, seja como opção de transporte aos cidadãos.
Com experiência, Rodrigues garante que pilotar com atenção é o suficiente para reduzir riscos e viabilizar o modal. "Tendo cuidado é possível fazer o trabalho, ganhar tempo e não se acidentar", afirma o ex-motoboy. O amigo senador também se mostrou favorável.
Fica claro que a resolução de problemas de mobilidade urbana passa pela convivência de todos os modais: bicicletas, motos, carros, veículos comerciais e pesados e, claro, meios de transporte de massa. Todos aliados.
Este ônibus é melhor que o seu carro
Cícero Lima, jornalista, é aliado de todos na busca por um trânsito melhor
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