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Carlos Ghosn recebeu R$ 2,3 milhões da Nissan para matrícula dos filhos

Carlos Ghosn é fotografado ao lado da mulher, Carole, no Festival de Cannes de 2017 - Reuters
Carlos Ghosn é fotografado ao lado da mulher, Carole, no Festival de Cannes de 2017
Imagem: Reuters

Ania Nussbaum e Carol Matlack*

26/03/2019 10h58

Resumo da notícia

  • Dinheiro custeou estudo de 4 herdeiros em Stanford
  • Renault teria feito doação à famosa universidade dos EUA
  • Ghosn aguarda por julgamento em liberdade no Japão
  • Executivo é acusado de ocultar renda e ter gastos irregulares

A Nissan pagou as mensalidades dos quatro filhos de Carlos Ghosn, ex-presidente da montadora, quando eles estudaram na Universidade de Stanford entre 2004 e 2015, segundo pessoas a par do assunto.

O privilégio fazia parte do contrato de trabalho de Ghosn desde 1999, quando ele foi contratado como diretor-executivo da companhia japonesa, disse uma das pessoas, que pediu para não ser identificado porque a informação não é pública. O benefício, que não é comum entre os altos executivos, teria valido pelo menos US$ 601 mil (cerca de R$ 2,3 milhões na conversão direta), de acordo com tabelas de preços publicadas pela Stanford durante os anos em que seus filhos estavam matriculados.

Em comunicado, a Nissan se recusou a comentar os detalhes dos pacotes de compensação dos seus executivos. Jean-Yves Le Borgne, o advogado de Ghosn em Paris, também se recusou a comentar, enquanto um porta-voz de Stanford, na Califórnia (Estados Unidos), não respondeu aos pedidos de comentários.

Ghosn, de 65 anos, foi acusado no Japão de não declarar dezenas de milhões de dólares da sua renda na Nissan e de uso indevido de recursos da empresa. Ele negou as irregularidades e está aguardando julgamento sob fiança depois de passar 108 dias em uma prisão de Tóquio. As matrículas em Stanford contribuem para uma lista de extras extravagantes que Ghosn desfrutou como chefe da Nissan e de suas parceiras de aliança Renault e Mitsubishi. Os privilégios incluem residências de luxo em quatro continentes e sua festa de casamento no Palácio de Versalhes.

"Altamente incomum"

As vantagens de ser rico para ter acesso universidades de elite dos Estados Unidos emergiram como tema quente após recentes alegações de que pais de alta renda subornaram administradores e técnicos de estabelecimentos renomados para garantirem a admissão de seus filhos.

Embora tais pagamentos não sejam alegados no caso de Ghosn, é "altamente incomum" que a Nissan pagasse as mensalidades de seus filhos, segundo Robin Ferracone, executivo-chefe da Farient Advisors, consultoria sediada em Nova York e Los Angeles, nos EUA.

"Normalmente, você só vê reembolsos de matrícula para filhos de executivos em atividade fora do seu país de origem, e são para crianças abaixo da idade universitária", disse Ferracone.

Os registros oficiais da Nissan no Japão e nos EUA, onde suas ações são negociadas, não incluíam nenhuma informação sobre os benefícios de Ghosn. Sob a lei dos EUA, os benefícios dos executivos são tratados como remuneração tributável, e as empresas públicas norte-americanas devem reportá-las aos investidores. A Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos abriu uma investigação sobre se a Nissan, baseada em Yokohama, no Japão divulgou com precisão a remuneração dos executivos. A Nissan disse que está cooperando.

Casas de luxo

No Japão, as empresas são obrigadas a divulgar remuneração para executivos altamente remunerados em seus relatórios financeiros, mas não precisam especificar os benefícios que recebem.

A Nissan afirmou que a Ghosn, além de coletar salários totalizando US$ 16,9 milhões (R$ 65,17 milhões) em 2017 de Nissan, Renault e Mitsubishi, recebeu US$ 8,9 milhões (R$ 34,32 milhões) de uma joint-venture holandesa, a Nissan-Mitsubishi BV -- sem a aprovação de nenhuma das empresas. Dois outros empreendimentos holandeses financiados pela aliança estão sob investigação por terem bancado a compra e a reforma de casas de luxo para Ghosn, em Beirute, no Líbano, e no Rio de Janeiro, e também para custear um fim de semana prolongado no Carnaval do Rio de Janeiro no ano passado para Ghosn, sua esposa e outros oito casais. Ghosn nasceu no Brasil e é filho de libaneses.

Separadamente, a Renault descobriu que Ghosn recebeu um "benefício pessoal" de 50.000 euros (R$ 217,5 mil) por sua festa de casamento, com tema de Maria Antonieta, no Palácio de Versalhes, em 2016. A festa aconteceu após a Renault fazer uma doação para o castelo. Ghosn disse que vai reembolsar a despesa.

A aliança Renault-Nissan também fez doações filantrópicas para uma escola particular perto de Paris, nas quais estudaram pelo menos dois filhos de Ghosn, e para um baile de debutante, do qual participaram duas de suas filhas.

A Renault supostamente fez ao menos uma doação à Stanford. Um site da universidade lista a empresa francesa como doadora corporativa durante o ano letivo de 2016-2017, mas não especifica o valor dado ou se o dinheiro foi doado enquanto os filhos de Ghosn eram estudantes. A Renault não respondeu a perguntas sobre as doações. O porta-voz da Stanford, por sua vez, não respondeu a um pedido de comentário sobre as doações feitas por Ghosn, Renault ou seus parceiros.

A mais velha de Ghosn, Caroline, formou-se em Stanford em 2008, seguida pelas filhas Nadine e Maya em 2011 e 2013, respectivamente. O filho Anthony se graduou em 2015.

A Renault, com sede em Paris, não tem operações comerciais nos Estados Unidos, mas possui laboratórios de pesquisa no Vale do Silício, perto do campus de Stanford. Juntamente com a Nissan, Mitsubishi e 35 outras empresas, é um "parceiro afiliado" no Centro de Pesquisa Automotiva da escola de engenharia de Stanford, fundado em 2008. Cada empresa paga US$ 32.000 (R$ 139 mil) por ano para apoiar a pesquisa do centro.

Ghosn é um orador público frequente. Ele fez pelo menos cinco aparições públicas em Stanford durante os anos em que seus filhos estudaram lá. Dentre eles estão discursos na escola de pós-graduação em 2007, 2010 e 2014, uma apresentação para um instituto de pesquisa de política econômica em 2011 e uma palestra no Centro de Pesquisa Automotiva em 2013, segundo o site da universidade.

*Colaboraram Anders Melin e Jie Ma