Saveiro Cross oferece imagem de aventura e comportamento urbano
Claudio de Souza
Do UOL, em Campinas (SP)
24/02/2010 14h00
Deve haver algum significado especial no fato de os dois primeiros lançamentos da Volkswagen em 2010 terem sido de picapes: a média (e inédita) Amarok e, semanas depois, a versão Cross da compacta Saveiro, cujo modelo-base foi renovado no ano passado. Aparentemente, a marca alemã cansou de apanhar da rival Fiat entre as picapes pequenas, segmento em que a italiana reina com a Strada e suas várias configurações; e resolveu -- finalmente -- chutar a porta do andar de cima e invadir a festa de Chevrolet S10, Ford Ranger, Toyota Hilux e outras.
Na verdade, o significado é esse mesmo: a briga com a Fiat pela liderança do mercado automotivo nacional é encarniçada, e para chegar ao topo é preciso ter muitos produtos para oferecer. É o que faz a atual líder, que não deixa passar 15 dias sem anunciar alguma novidade (qualquer novidade) em sua gama de modelos. A fantasia off-road light aplicada à renovada picapinha derivada do Gol é, claramente, uma ação para conquistar consumidores que até agora só tinham a Strada Adventure como opção. Já a Amarok evita a derrota por WO entre as picapes médias, jogo a que a Fiat assiste da arquibancada enquanto decide como usar a Chrysler.
A lógica Cross da Volks é análoga à lógica Adventure da Fiat: pegue um carro convencional e muna-o de adereços típicos de um fora-de-estrada, mas deixe carroceria e mecânica como estão -- no máximo, mexa na altura da suspensão e dos pneus. Tração nas quatro rodas e reduzida, nem pensar. Reconheça-se que a marca italiana (que, aliás, foi a pioneira nessa moda) oferece bloqueio do diferencial (ELD) em suas versões Locker, além de charminhos como inclinômetros e bússola no painel. Mas nem por isso a vocação é verdadeiramente lameira. O que vale é a imagem.
E nesse ponto a Volkswagen acertou a mão com a Saveiro Cross. Se o CrossFox, um dos pontos de partida para o modelo (o outro, obviamente, é o Gol G5), acaba de passar por uma reformulação que finalmente o aliviou do excesso de nhenhenhéns emulatórios de SUV, a picapinha já nasceu elegantemente discreta, embora diferenciada.
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OS PREÇOS
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Vendas em janeiro/2010: Strada - 6.504 unidades (todas as versões) |
Os principais elementos "cross" da Saveiro, suficientes para que ela pareça mais "parruda" (como querem os executivos da Volks), são as partes de plástico preto que guarnecem os para-choques, faróis de neblina e caixas de roda; o rack de teto que desce da cabine e segue pela lateral da caçamba; o largo friso lateral na parte inferior das portas, "continuado" pelo degrau de acesso à carga, e estampado com o nome do modelo/versão; a repetição do nome na porta da caçamba (num adesivo facilmente retirável); e os pneus Pirelli Scorpion (de medida 205/60, em rodas de aro 15) com inscrição em branco. E é praticamente só isso. De resto, o desenho da Cross é o mesmo das demais versões da Saveiro: dianteira de Gol, o que é um acerto, e traseira contida, com lanternas retilíneas e funcionais (outro acerto). O caráter fluido e pontiagudo das linhas da Saveiro é acentuado pelo "mergulho" da carroceria -- consequência da suspensão traseira mais elevada que a dianteira, para suportar carga na caçamba. Assim, vista de lado, a picapinha parece uma flecha.
Reforçando a proposta de aventureira urbana, a Saveiro Cross é vendida apenas com cabine estendida, vale dizer, há espaço para bagagem atrás dos bancos de motorista e passageiro. A Volks sabe que boa parte dos proprietários do modelo jamais recolherá a capota marítima (item de série) para acomodar qualquer coisa na caçamba -- muito menos carga.
O interior da picape é agradável. Ele une peças do Gol (como o painel) com o feeling do CrossFox (os bancos com padrão diferenciado, que, no caso, lembram rastros de pneu). Se não olharem para trás, motorista e passageiro vão se sentir a bordo de qualquer um dos reformulados compactos da Volks. Mas falta requinte para se sentirem num Polo.
IMPRESSÕES AO DIRIGIR
UOL Carros experimentou a Saveiro Cross num itinerário de cerca de 160 km, em estradas do interior paulista, a maior parte delas com asfalto muito bom. A experiência na terra foi curta, e não houve trechos com lama e demais desafios off-road de verdade.
O comportamento da picape é muito semelhante ao de um carro de passeio comum -- no caso, os compactos e "primos" Gol e Voyage. Fatores que poderiam fazer muita diferença, como a distribuição desigual de peso nos eixos e os pneus mais altos e largos, não chegam a incomodar. A suspensão com molas progressivas na traseira mostrou eficiência para neutralizar a ausência de carga na caçamba, situação em que o test-drive foi realizado, e o ruído da rodagem dos pneus no asfalto não chegou a invadir a cabine.
No entanto, outros barulhos o fizeram: o do motor, mostrando que o isolamento acústico da picapinha não é dos mais esmerados, e o da capota marítima, que em velocidades mais altas (mas sempre até os regulamentares 120 km/h) fica chacoalhando com o vento -- e é um som bem irritante, por se repetir indefinidamente. Outros colegas, que dirigiram outros exemplares da Saveiro Cross, confirmaram a chateação.
O funcionamento amigável do trem de força é uma qualidade a mencionar. O casamento do motor VHT de 1,6 litro com a transmissão manual MQ200, usada em outros modelos da Volks, é um dos mais harmoniosos do mercado, garantindo ótima dirigibilidade -- incrementada também pelo volante preciso e firme. No entanto, a picape ficou devendo um desempenho convincente em aclives, mesmo nos mais suaves. Reduções para a quarta ou mesmo terceira marchas não foram raras, e isso em estradas de traçado retilíneo, como Anhanguera e Dom Pedro.
A Volkswagen fez muito bem em colocar sensores de estacionamento como item de série na Saveiro Cross: é um equipamento fundamental para evitar acidentes (bobos ou graves) nas manobras de ré, prejudicadas pela escassa visibilidade através da janela traseira e pelos pontos cegos dos retrovisores laterais (um problema que notamos já no lançamento do Gol G5, cujas peças são iguais).
O consumo foi um ponto fraco do modelo. Rodando apenas em estradas, com etanol no tanque, o computador de bordo cravou 7 km/l; depois de 160 km de test-drive com a Saveiro Cross, a autonomia restante era de apenas 180 km. É pouco.
No geral, a picapinha aventureira da Volks mostrou-se uma boa opção para o consumidor que deseja expressar juventude e dinamismo por meio do carro que usa, mas sem gastar uma fortuna com um SUV ou utilitário lameiro de verdade -- e sem dirigir um carro que parece um brinquedo de armar. Na cidade e na viagem a dois no final de semana, o dono da Saveiro Cross não vai ter muito do que reclamar. E, mesmo que não se dê conta disso, será mais um soldado da Volks na batalha contra a divisão Strada do exército da Fiat.
*Viagem a convite da Volkswagen do Brasil