Audi TTS Roadster põe estigmas do conversível à prova
O Brasil não faz parte do primeiro mundo: pagamos mais caro por carros, arcamos com mais impostos agregados à posse do veículo e temos oferta menor e qualidade inferior de produtos. Mas o Brasil é o paraíso da indústria automotiva global: desde a eclosão da crise econômica mundial no biênio 2008-2009, garantimos o lucro das fabricantes de carros populares e evitamos o naufrágio do chamado segmento premium consumindo modelos exclusivos e de preços ostensivos com voracidade. Ainda assim, podemos ser também o inferno para alguns nichos: conversível por aqui não tem vez.
Popular no hemisfério norte, onde a luz do sol é coisa rara e deve ser aproveitada a qualquer custo, um conversível é sinônimo de momentos de felicidade para seus ocupantes e quase toda família de modelos, sobretudo na Europa, tem seu representante com teto removível. No Brasil, ter um conversível beira a loucura, seja pelo alto custo (ainda que hipotético) com manutenção, pela dificuldade de revenda (variável ainda fundamental para o brasileiro comprador de carros) ou pelo temor da violência (iminente, mas nem sempre materializada).
O CÉU POR TESTEMUNHA
Acima e abaixo, dois "momentos conversíveis" de UOL Carros: o R8 azul na Sé e o solitário Eos.
UOL Carros já mostrou ou avaliou conversíveis que servem de exemplo "vivo" dessa relação quase fatal: andamos no Volkswagen Eos (relembre aqui), que de tão discreto acabou sendo aposentado do catálogo nacional da marca; mas mostramos também o quão popular um modelo pode ser, mesmo custando o preço de um bilhete de loteria premiado, ao submeter o Audi R8 V10 Spyder ao crivo do "povão" na Praça da Sé, no centro de São Paulo (se não viu, clique aqui).
Desta vez, como você já percebeu ao ler o título e ver a foto de abertura da reportagem, abordamos novamente o assunto ao assumir o volante do Audi TTS Roadster, versão do TT conversível que fica furiosa ao adotar compressão por turbo e novo mapeamento para levar o conhecido motor de 2,0 litros da fabricante alemã aos 276 cavalos de potência; câmbio S-tronic de seis marchas, com trocas manuais permitidas nas borboletas atrás do volante; tração integral quattro; controle Magnetic Ride, que modifica a densidade do fluido do sistema hidráulico para enrijecer a suspensão ao toque de um botão; Launch Control (sistema eletrônico que simula arrancadas de carros de corrida), adereços em alumínio, couro Alcantara, fibra de carbono e mudanças pontuais na carroceria. O preço do pacote, claro, não é baixo: R$ 296.930. São R$ 3 mil a menos em relação ao valor cobrado por ocasião do lançamento no país, em dezembro de 2009 -- até aquele momento, o TTS era o auge da ousadia descapotável da Audi no Brasil, posto agora ocupado pelo R8 V10 Spyder. E aí, vale a pena pagar tanto?
PÉ NA ESTRADA
A definição automotiva para roadster (carro de dois lugares, sem teto fixo e com ênfase na direção esportiva) não especifica, mas teste deste tipo de carro tem de ser feito em trecho rodoviário, não tem jeito. É a melhor forma de se experimentar a sensação de liberdade proporcionada pela carroceria justa, a direção direta (com o motorista sentado bem baixo, quase ao centro do veículo, com todos os comandos ao alcance da mão, controle preciso do volante e dos pedais) e a sensação de que o céu azul nos olhos, o vento no rosto e o sibilar do vento nos ouvidos são características do carro, tanto quanto o ronco grave do motor.
UOL Carros não deixou por menos e percorreu 1.050 quilômetros a bordo do TTS. Só dentro da cidade de São Paulo foram 160 km. Mas a maior perna desta "viagem" está delimitada no mapa da imagem abaixo, uma espécie de circuito entre as cidades de São Paulo e Piracicaba, passando por pistas de asfalto liso como um tapete, estradas esburacadas como queijo suíço, represas, florestas de eucaliptos e plantações de cana repletas de treminhões -- além de quilometragem, acumulamos fotos para o belíssimo ensaio fotográfico de Murilo Góes que ilustra a reportagem.
Trecho São Paulo-Piracicaba-São Paulo feito de forma tortuosa e propositadamente longa
No ambiente urbano eliminamos a premissa da violência: não enfrentamos uma abordagem suspeita sequer. Ninguém olhou feio ou se aproximou de modo fortuito, com ou sem a capota erguida. Tampouco fomos surpreendidos por atos indignos, como uma cusparada disparada de um ônibus qualquer (essa é uma das muitas lendas urbanas contra conversíveis). Nem fomos surpreendidos pela chuva, já que a capota de tecido com acionamento hidráulico leva apenas 12 segundos para cumprir seu ciclo, que pode ser feito em movimento (até os 50 km/h). E no trânsito... bem, a agilidade do TTS Roadster (5,4 s para acelerar da imobilidade aos 100 km por hora) garantiu que saíssemos de qualquer lugar muito à frente da massa, lenta como ela só. Se isso não bastar, erga a capota, levante os vidros e curta o som gerado pelo sistema de áudio premium e esqueça o mundo lá fora.
Mas o melhor não é esquecer, e sim aproveitar o mundo lá fora, de preferência com as quatro rodas aro 18 de alumínio na estrada. O habitáculo que por vezes se mostra justo demais -- você praticamente veste o carro, que tem apenas dois assentos espremidos entre 1,80 m de largura e 2,46 m de entre-eixos -- se agiganta quando há fartura de asfalto à frente. Não fossem placas de velocidade e radares, o TTS dominaria a paisagem facilmente com seu 4-cilindros reforçado por quase 36 kgfm de torque, 276 cv e 1,2 bar de pressão no turbo. Tudo acontece muito rápido: ao pisar no pedal direito, seu peito afunda em direção às costas e antes que você volte a respirar corretamente, o aerofólio já se levantou automaticamente, mostrando que o carro chegou aos 120 km/h e que é hora de aliviar o motor para não levar uma multa. Nada disso assusta, porém, já que além dos enormes discos de freios (o dianteiro, de 17 polegadas, mede quase o diâmetro da roda) há ainda a tração integral, que mantém movimentação e distribuição da aceleração sob controle o tempo todo.
Embalados, atropelamos outro mito: claro, nosso asfalto continua péssimo, mas não o bastante para impedir a diversão a bordo de uma máquina como o TTS. Embora seja concebida para compensar a diferença de inclinação em pistas bem projetadas e assim manter a carroceria alinhada mesmo em altas velocidades, a suspensão Magnetic Ride (acionada, cria um fluxo elétrico que atua como um imã, alinhando partículas metálicas presentes no fluido do sistema hidráulico da suspensão determinando maior ou menor resistência) também nos ajudou a superar as imperfeições malucas encontradas em alguns pontos da estrada. E quanto mais acertado for o rodar, menos danos estruturais o sistema sofre e mais simples e barata passa a ser a manutenção.
Por falar em custo, ao fim da jornada nos restou encostar num restaurante à beira do caminho, pedir a calculadora emprestada e fazer a conta mais dolorosa, a do consumo. Enquanto a fábrica fala em média de 12 km/l, nós gastamos pouco mais de dois tanques de gasolina premium (sendo que em um dos abastecimentos o frentista confundiu nosso Audi de formas curtas e arredondadas com um Porsche) e chegamos à média de 8 km/l (o tanque do TTS comporta 60 litros de combustível). A diferença deve ter ficado por conta das 16 sessões de arrancadas que fizemos usando o Launch Control, um mimo furioso disponível em alguns modelos esportivos da Audi, que permite sair do zero já com giros máximos e toda a tração disponível -- certamente foi um abuso, mas como não contamos com um devorador de asfalto sempre à disposição, valeu a pena.
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