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Pacote oferecido à Anfavea esconde presente para o México

Nissan anuncia March como "japonês", mas carro virá ao Brasil do México e deve mudar o paradigma das importações oriundas daquele país; Chevrolet Sonic é o próximo - Murilo Góes/UOL
Nissan anuncia March como "japonês", mas carro virá ao Brasil do México e deve mudar o paradigma das importações oriundas daquele país; Chevrolet Sonic é o próximo Imagem: Murilo Góes/UOL

JORGE MEDITSCH

Especial para UOL Carros

17/09/2011 16h04

Quarta-feira à noite, entrei num supermercado e me surpreendi com uma gôndola cheia de panetones. O Natal está chegando cada vez mais cedo. Prova disto é o presente que as grandes fábricas de automóveis brasileiras receberiam no dia seguinte: num pacote com fita vermelha, cuidadosamente embalado, ganharam do governo a tão sonhada competitividade para resistirem a concorrentes que podem ameaçar sua posição no mercado.

Sem resolver nenhum dos problemas estruturais e fiscais que impedem as fábricas aqui instaladas de competir fora do Brasil, o governo deu a elas o virtual monopólio das importações. Carros importados, daqui para frente, só serão viáveis se vierem das filiais que as grandes marcas têm nos países do Mercosul ou no México, de onde vêm com taxa zero.

Quanto ao Mercosul, tudo bem. Há muito tempo há um intercâmbio real entre Argentina e Brasil, envolvendo produtos complementares de diversas marcas. Um processo que otimiza a utilização das fábricas, reduz custos e viabiliza a diversificação das gamas oferecidas aos consumidores dos dois países.

Parece, entretanto, que ninguém está reparando no México, um país cuja indústria automobilística é voltada, majoritariamente, para atender ao mercado americano mas que, cada vez mais, começa a se tornar um importante fornecedor de carros prontos para o Brasil.

Já este ano, a importação de automóveis feitos no México irá crescer de forma considerável com o lançamento de novos modelos lá fabricados, muitos deles especificamente adaptados para o Brasil. A Fiat já está trazendo de lá o crossover Freemont e o icônico Cinquecento. A Volkswagen importa o Jetta. A GM, o Captiva. A Ford, o Fusion. A Honda, o CR-V. A Nissan, o Sentra e o Tiida.

DO MÉXICO PARA BAIXO
Trazer do México modelos feitos para os americanos, cujas vendas no Brasil não justificam que sejam produzidos localmente, não é uma ameaça à indústria nacional. Mas as coisas tendem a mudar, com a entrada de modelos em quantidades consideráveis. A Nissan lança este mês seu primeiro modelo popular no Brasil, o March. Apesar de a publicidade apresentar o modelo como japonês, ele é feito no México. A expectativa da Nissan, informada por sua assessoria de imprensa, é vender pelo menos 3.000 unidades do March por mês a partir de março do ano que vem.

A Nissan tem fábrica no Brasil, onde faz a picape Frontier e a minivan Livina. Até agosto deste ano, a marca japonesa havia vendido no Brasil 13.502 carros mexicanos, contra 10.463 minivans e 8.179 picapes (um total de 18.642) feitas no Paraná. Ou seja: em meados do ano que vem será uma marca "importante", trazendo de fora dois veículos para cada um que fizer no Brasil.

A General Motors ainda não anunciou oficialmente, mas no ano que vem começará a trazer do México o Sonic, que substituirá o Astra. O modelo veterano ainda é competitivo e vende em torno de 3.000 unidades por mês apesar de ter saído de moda. Não há porque achar que o Sonic vá vender menos: mais 3.000 carros por mês das terras de Montezuma.

Para não esticar demais o assunto, até a metade do ano que vem o espaço tirado de quem importa carros chineses, coreanos e outros estará solidamente ocupado por mexicanos, trazidos pelas fabricantes "protegidas" pelo governo.  A importação de carros não apenas não cairá, como poderá crescer. É mais barato produzir no exterior do que aqui -- um especialista em produção de uma grande montadora calcula que, por exemplo, se o Fiat Cinquecento fosse feito no Brasil, custaria pelo menos 20% mais.

ADEUS, LUXO
O presente do governo terá respingos no quintal de algumas marcas aqui instaladas, que terão suas importações praticamente inviabilizadas. Caso da Mercedes-Benz, por exemplo, cujos automóveis voltarão a ser privilégio dos muito ricos. A Audi, que apesar de independente faz parte do Grupo Volkswagen, também será vitimada.

Mais pesado será o efeito na rede de revendedores das marcas importadas. Não há como evitar que, dentro de dois ou três meses, a queda nas vendas leve ao fechamento um número considerável de concessionárias. Além do prejuízo dos donos, quem comprou carros importados poderá ficar sem assistência técnica e, mesmo que os importadores consigam honrar a garantia de seus produtos, a manutenção será mais difícil, pela escassez de oficinas autorizadas. Num prazo mais longo, poderão faltar peças.

Até o final do ano, se a situação se mantiver, as concessionárias que não fecharem serão obrigadas a reduzir o número de funcionários. Serão alguns milhares de pessoas desempregadas, pulverizadas pelo país e, por isso, sem respaldo sindical significativo para defendê-las e pedir mudanças na atitude do governo.

Elas vão pagar o presente recebido pelas grandes marcas. Não terão um Natal feliz.

Jorge Meditsch, jornalista, é editor do site AutoEstrada