Volkswagen Passat vive contradição de ser premium sem ter aura divinal
O Volkswagen Passat tem uma vida cheia de contradições e sofre com isso. O carro, claro, é o topo da escala evolutiva dos sedãs da marca -- a linha começa humilde com o Voyage, ganha algum requinte com o Polo Sedan, encorpa com o Jetta de entrada e fica interessante com o Jetta turbo. Ao Passat, cabe a função de "premiar" o consumidor bem-sucedido que se manteve na casa. Este público, quase sempre com idade entre 45 e 50 anos e de perfil conservador, deseja não apenas um carro com conteúdo, mas principalmente uma bandeira social: mais do que meio de transporte, o carro tem de ser um símbolo elevado de status.
Começa aí a atribulação do Passat: o carro foi o que mais perdeu com a nova identidade visual da VW, que deixou os modelos mais ou menos com a mesma cara. A adaptação do traço retilíneo de Walter de'Silva ao sedã grande está longe de ser feia ou pouco classuda, mas convenhamos que é mais jogo para o Jetta ser parecido com o Passat do que o inverso.
Outro trecho da via-crúcis do modelo está em seu posicionamento de mercado, sobretudo no Brasil. Dificilmente o consumidor vai escolher seu carro baseado no segmento ou no uso que fará do carro -- quase sempre é o preço (e o quanto o carro entrega por este valor) que determina a compra. O resultado é que o Passat acaba concorrendo com rivais de mundo totalmente diferentes:
- Sedãs grandes emergentes: turma do Ford Fusion e do Hyundai Sonata;
- Sedãs grandes com credibilidade: inclui os quase "míticos" Azera e Honda Accord;
- Segmento premium: o Olimpo conta as divindades Audi A4, BMW Série 3 e Mercedes-Benz Classe C, que até entregam menos espaço (são carros de porte médio), mas com certeza colocam prazer e ego nas alturas.
A Volkswagen dos Estados Unidos detectou o problema e mexeu na receita do Passat vendido por lá -- o carro ianque cresceu e ganhou conteúdo, ficando mais bem ajustado que o modelo alemão.
Este último, porém, é o carro vendido aqui no Brasil em sua sétima geração desde maio de 2011: custando R$ 122.450 iniciais, tem preço alinhado com A4, Classe C e BMW Série 3, mas sem ostentar uma estrela de três pontas, quatro argolas entrelaçadas ou um escudo azul e branco em sua grade dificilmente vai fisgar o consumidor com mais "bala na agulha". Ao mesmo tempo, parece caro e careta demais para servir como opção ao comprador que ainda se prepara para entrar neste patamar -- e que vai acabar optando por Fusion ou Sonata. Assim, resta ao Passat o limbo.
CONTEÚDO ELE TEM
Nenhum Passat é pelado, pelo contrário. Entre os itens de conforto, destacam-se o ar-condicionado digital de duas zonas; bancos em couro com ajustes de assento, encosto e lombar; aquecimento dos assentos dianteiros; sistema multimídia com tela sensível ao toque, oito alto-falantes e conexão para iPod; piloto automático; espelho retrovisor interno eletrocrômico; freio de estacionamento eletrônico com função Auto Hold; sensores de chuva e de estacionamento; detector de fadiga do motorista (típico dos alemães premium); e sistema de monitoramento da pressão dos pneus. O pacote de segurança pode ser considerado básico para o segmento: freios com ABS; bloqueio eletrônico de diferencial (EDS); controle de tração (ASR); controle eletrônico de estabilidade (ESP); seis airbags.
Quem quiser e puder ter mais, pode fazer o jogo de montar da Volks e incluir equipamentos mais divertidos pagando à parte. São eles: acabamento perfurado nos bancos, além da refrigeração para os dianteiros (R$ 1.905); ajustes elétricos (R$ 5.245); faróis de xenônio com luz de curva (R$ 8.770); piloto automático adaptativo (ACC) e sistema Front Assist, que aceleram ou freiam o carro automaticamente de acordo com os obstáculos (R$ 5.925); navegador integrado (R$ 2.870); e teto corrediço com célula solar elétrica que controla automaticamente a difusão de ar no interior da cabine (R$ 5.050). Completaço, o Passat chega a custar R$ 152.215.
ACOLHE E ANDA BEM
O modelo avaliado por UOL Carros por quase 800 quilômetros era quase completo (apenas a função de navegação ficou de fora) e mostrou seu valor. Do arsenal de itens, a dupla Front Assist e ACC é, de longe, a mais útil. Ambos reforçam brutalmente a segurança, embora acabem se convertendo em incômodo nas situações de tráfego pesado.
Alarmes visual e sonoro surgem sempre que um carro mais lento entra na trajetória direta do Passat. Caso o motorista não freie ou mude de faixa, o acionamento autônomo do sistema de freios entra em ação. Na estrada tudo funciona muito bem e diminui o estresse do motorista, que pode até curtir a viagem. Na cidade, porém, esse sistema se mostra tão insistente em seus pitacos quanto a mãe de uma pessoa recém-habilitada -- o excesso de zelo maternal no meio de um congestionamento, por exemplo, acaba levando o motorista mais experiente a deixar tudo desligado.
O nível de acabamento é bom e não deixa a desejar para os sedãs concorrentes de Audi, BMW e Mercedes. A mescla de materiais é boa e agrada, sobretudo, a quem prefere sobriedade -- apesar da afetação simbolizada pelo relógio analógico no centro do painel, a mistura de aço escovado e couro não faz o Passat passar qualquer tipo de vergonha mesmo entre quem busca mais esportividade.
O ponto realmente alto do carro está em seu conjunto motriz. A dupla formada por motor 2.0 TSI (turbo com injeção direta de gasolina) e câmbio automatizado DSG (com dupla embreagem) dão conta de sobra dos 1.474 kg do carro.
Enquanto o propulsor de 211 cavalos e 28,5 kgfm de torque é elástico, a caixa de marchas faz trocas a uma velocidade impressionante. O carro está sempre na mão do motorista, que ainda pode comandar o uso de uma pegada mais dinâmica com a posição esportiva (S) do câmbio. Em alguns momentos, tem-se a impressão de que o sedã encolheu, ou ficou mais leve, tamanha a facilidade da condução.
Tamanho desempenho, entretanto, não se refletiu em economia. Em uso "severo”, sob trânsito pesado e distâncias curtas, situação típica do uso executivo que o carro vai ter quase que constantemente, o consumo de 6,6 km/l. A média subiu para 9 km/l em momentos de maior tranquilidade e pista livre. Na estrada, onde rodamos um terço do tempo, o computador de bordo indicou 11 km/l.
Plástica não fez bem ao bumbum do Passat, que mesmo com LEDs, ficou pouco atraente
VALE A PENA?
Tábua de consumo posta de lado, uma coisa fez falta: o Passat é um bom carro, tem equipamentos interessantes e é gostoso de dirigir, mas falta a sensação de que se pode esbanjar e ir além dos limites, algo encontrado em modelos premium que contam com a opção de um motorzão V-alguma coisa. Na reformulação, o Passat perdeu o bloco V6. Este deve, muito provavelmente, ficar restrito ao novo CC, ajudando a desassociar o cupê de quatro portas (mais esportivo) do sedã clássico.
O consumidor do Passat ainda é assolado por um pensamento aterrador, o de que alguém com um Jetta 2.0 TSI pode se divertir muito mais: com o mesmo trem-de-força, mas de porte mais compacto e preço mais em conta, o sedã menor anda mais, é (ainda) mais estável e (bem) mais barato.
Sem essa "diferença", fica difícil defender a presença do VW no rol de carros dos sonhos do emergente comprador brasileiro.
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