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Maior mercado de carros do mundo, China ainda mostra peculiaridades a visitante

Picape 4R3, da JAC, espantou por "semelhança" com Ford F-150 e foi barrada - Reprodução
Picape 4R3, da JAC, espantou por "semelhança" com Ford F-150 e foi barrada Imagem: Reprodução

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

09/05/2012 15h37

Duas notícias deste começo de semana dão o panorama atual do mercado chinês. A primeira é sobre a divulgação dos números finais do Salão de Pequim, encerrado há uma semana e que teve cobertura in loco de UOL Carros. Em dez dias, segundo a organização da feira automotiva, cerca de 800 mil pessoas foram conferir as 1.125 atrações e 120 novidades do evento. Houve quebra de recorde -- em 2010, foram 785.600 visitantes --, mas o número ficou bem distante da meta inicial de receber 1 milhão de espectadores.

Apenas para situar, o Salão de Detroit, em janeiro, atraiu quase 771 mil pessoas; a feira alemã de Frankfurt, uma das maiores do mundo, em tamanho e em importância, contou com 928 mil visitantes em sua última edição, em setembro de 2011; já o Salão do Automóvel de São Paulo bateu recorde com cerca de 751 mil pessoas circulando pelo Anhembi em 2010 -- o evento paulistano volta a ocorrer este ano, entre outubro e novembro.

Descontada a empolgação inicial, fica claro que a China é um dos pilares do setor automotivo global, não apenas pelo volume de mercado, mas também em visibilidade e importância estratégica. Além da capital Pequim, Guangzhou e Xangai (com um evento menor que os dois primeiros) contam com salões automotivos de porte, que têm atraído cada vez mais fabricantes, visitantes e imprensa especializada de todas as partes do mundo. Afinal, todos querem saber para onde vai o gigante, que na última temporada emplacou 18 milhões de novos veículos (só de carros de passeio e comerciais novos, foram 13 milhões), deixando os Estados Unidos como mera visão no retrovisor. A expectativa para 2012, aliás, é de crescer em ritmo mais lento, mas ainda assim entregar mais de 18 milhões de novas unidades.

O grande obstáculo a tudo o que a China representa (e procura ser) atualmente, porém, é ela própria. Ou um de seus hábitos. Na segunda-feira (7), a Ford anunciou ter conseguido barrar apresentação e venda da picape chinesa JAC 4R3, clone da americana F-150 (leia mais aqui). A postura do governo chinês, que reconheceu a validade das patentes da Ford, ainda que a picape não seja vendida no país, foi o ponto surpreendente da história. Pegou mal, porém (a ponto de ser algo criticado até mesmo pela imprensa local chinesa), a constatação de que o processo de cópia segue como expediente válido na crescente indústria chinesa, mesmo entre as grandes fabricantes.

Segundo algumas fontes, a Ford não tinha e não tem planos de vender a F-150 na China, apesar do interesse dos chineses. Este potencial de venda pode ter bastado para que a JAC, uma estatal chinesa (com dirigentes ligados a altos escalões do Partido Comunista) e com metas públicas de crescimento, desse vida "paralela" ao projeto. A companhia tem, aliás, uma outra picape inspirada, vamos dizer, em modelo americano de sucesso: a P1 é cópia carbono da primeira geração da Chevrolet Colorado (este modelo, aliás, deve ser o carro mais clonado por marcas asiáticas na história). Nem ela, nem a 4R3, porém, correm o risco de desembarcarem no Brasil, não se preocupe.

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A segunda maior fabricante independente do país (ou seja, chinesa de origem, e sem qualquer aliança com uma marca estrangeira, como a GAC faz com a Fiat ou a Saic faz com GM, Volkswagen e com a inglesa MG, por exemplo) fará desembarcar no Brasil apenas o fino de sua produção, tudo apresentado antes e durante o Salão de Pequim com boa dose de pompa: novos motores, com tecnologia turbo, flex e de baixo consumo; câmbios de dupla embreagem; remodelações para as famílias J3 e J6; um SUV compacto inédito (o SII); estreias no segmento de vans de passageiro (Refine) e de furgões (Sunray); e até um caminhão leve (T140). Já a picape com focinho de Ford, que o representante brasileiro da JAC, Sérgio Habib, chama de "aquela coisa" e faz questão de deixar fora de qualquer conversa oficial, sequer foi citada.

O fato, porém, é que a "cópia xerox" de modelos ainda é uma solução para uma indústria nova e que busca crescer a qualquer custo. E por quê? A resposta parece ser simples, ainda que injustificada: porque o mercado precisa. Um passeio por ruas das principais cidades do país revela o apetite insaciável do chinês por novidades e, claro, por carros. Carros grandes, de preferência. O mercado chinês de veículos comerciais é antigo, está enraizado nos programas industriais do país desde os anos 1950 e 1960; o mercado de carros de passeio, por outro lado, tem menos de 20 anos de idade e ainda forma sua segunda geração de compradores (muitos ainda tentam adquirir o primeiro automóvel). Pessoas que ainda chegam às concessionárias de bicicleta e delas saem motorizadas. 

Quem desconhece esta realidade, estranha o tamanho dos carros em Xangai. Nas ruas, o que mais se vê são versões com entre-eixos maior de modelos conhecidos em todo o mundo. A explicação é única: sem saber guiar, os primeiros compradores de carros precisavam de motorista e andavam apenas no banco traseiro, que precisava proporcionar espaço para o dono, sua família (o chinês sempre pensa em si mesmo e na mulher, um ou dois filhos, irmão, pai e mãe) e a extensa bagagem. Já os modelos são variados: VW Passat (também chamado de Magotan), Audi A4, A5 e A8, Mercedes-Benz Classes E e S, BMW Série 5 e 6, Porsche Cayenne e Panamera e diversos Buick (marca da GM que ganhou peso descomunal localmente) com destaque para uma van com mais de 3 metros de entre-eixos, a GL8, onipresente na rota dos colossais prédios comerciais da cidade. Tem até o Santana (lembra dele?), devidamente esticado, e visto aos montes no serviço a frotas de táxi, repartições públicas e divisões policiais -- além da primeira e da segunda gerações vendidas aqui no Brasil, os chineses contam com o Santana 3000 e com o Santana Vista -- convivendo com o Phaeton, o sedã mais luxuoso da Volks e que só sobrevive no mundo graças ao apetite chinês.

Em Pequim, a gana por espaço cai, mas só um pouco. Táxis e carros oficiais são da Hyundai (uma fábrica na região entrega milhares de Elantra da geração anterior ao uso público) e os europeus já citados ganham a companhia dos gigantes da Land Rover, dos americanos da Ford (Focus e, principalmente, Mondeo) e dos japoneses da Mazda (sobretudo o 6). Aqui e ali, pipocam modelos da MG, que é controlada por chineses, mas mantém a fleuma inglesa. 

O leitor percebeu que em momento algum falamos de marcas chinesas puras ou de carros pequenos? Estes (chineses e/ou compactos) ficam restritos à periferia das grandes cidades ou ao interior do país, onde o poder aquisitivo é menor e onde carros da JAC (J6, sobretudo), Chery (quase sempre com o pequenino QQ, que é notadamente semelhante à geração anterior do Chevrolet Spark) e Lifan dividem espaço com utilitários das centenas de pequenas marcas locais. Tanto é assim que Chery e JAC, as duas maiores marcas independentes do país, escancararam durante o Salão de Pequim o desafio de fazer carros de maior porte e de qualidade similar àquela encontrada nos europeus -- única forma de agradar ao público chinês e ampliar vendas no mercado interno.

Viagem à China a convite da JAC Motors