Montadoras chinesas "perdoam" Dilma e sonham vender 10 vezes mais no Brasil
Chery e JAC são as montadoras chinesas com planos e ações mais consistentes no Brasil. A primeira inaugura fábrica no país nos próximos meses (Jacareí-SP), também terá produção local de motores e, até 2017, oferecerá gama com pelo menos seis modelos; a segunda fez menção de virar o mercado nacional do avesso ao estrear com o mote de carro "completão" a preço de "peladão" -- mas assimilou mal o baque do Inovar-Auto, que onerou os carros importados. O sócio brasileiro teve até de ceder participação aos chineses para capitalizar-se. Ainda assim, terá fábrica no Brasil (Camaçari-BA) e logo vai oferecer o primeiro SUV médio chinês do nosso mercado.
Luís Curi, diretor da operação local da Chery, com experiência em empresas de trading, na Suzuki e na SsangYong, e Sérgio Habib, presidente (e sócio) da JAC no Brasil, ex-presidente da Citroën e dono de dezenas de concessionárias (Grupo SHC), estiveram no Salão de Pequim 2014 e falaram a UOL Carros sobre a China e seu mercado automotivo, o Inovar-Auto e, até, o que sentem em relação à presidente Dilma Rousseff, cujo governo deu a paulada tributária (via IPI) nas marcas que operavam no Brasil exclusivamente por importação. (Os dois apertariam a mão dela antes da eleição de outubro.)
Otimistas, ambos veem suas respectivas montadoras com 3% de participação (cada uma) no mercado brasileiro, quando as fábricas estiverem a pleno vapor -- algo que só deve acontecer em 2017 ou mesmo depois.
É meta ambiciosa, porque a JAC é a 17ª no ranking de montadoras no Brasil, com 0,35% de participação no acumulado do ano até o final de março; e a Chery é a 18ª, com 0,32%. Suas vendas totais de carros em 2014 são de 2.716 e 2.445 unidades, respectivamente (dados da Fenabrave/Renavam). Se fosse para ter 3% hoje, cada uma precisaria multiplicar os emplacamentos por quase dez. Veja a seguir as repostas dos empresários a seis perguntas de UOL Carros:
UOL CARROS - Na China, quanto mais rica a cidade, menos carros chineses circulam pelas ruas. O consumidor local tem preconceito contra as montadoras de seu próprio país, ou é uma mera questão de dinheiro?
SÉRGIO HABIB - Não há preconceito algum, ao contrário. Os chineses são extremamente orgulhosos de seus produtos e suas marcas, principalmente daqueles que possuem relevância no mercado internacional, como é o caso da JAC Motors. O que você diz faz sentido. Ocorre que grandes cidades, como Pequim e Xangai, cobram altas taxas para novos emplacamentos, de cerca de US$ 5 mil. O temor é que o trânsito não comporte o aumento substancial de veículos, o que faz com que as autoridades tomem essa medida restritiva. Naturalmente, o consumidor que se dispõe a pagar um valor tão alto para ter direito de emplacar um carro novo não o fará com modelos mais acessíveis. Quem paga US$ 5 mil só na licença não vai comprar um carro de US$ 12 mil ou US$ 15 mil. Esse consumidor vai preferir um carro mais caro. Essa escolha não exclui os modelos chineses, e sim modelos compactos de todas as marcas. Não se vê Ford New Fiesta, Volkswagen Polo ou Citroën C3 nas ruas dessas cidades. É por isso que não se vê modelos como JAC J2 e J3.
LUIS CURI - Não é preconceito. Trata-se de um processo que mescla status e acesso ao primeiro automóvel. A maioria dos "emergentes" chineses está, basicamente, nas cidades mais ricas, e -- como no resto do mundo -- o automóvel também é utilizado como fator de diferenciação social na China. A preferência por marcas chamadas premium é visível em cidades como Xangai, Pequim e Shenzhen.
UOL CARROS - O Brasil tem um mercado automotivo quase seis vezes menor que o da China. Por que tantas montadoras chinesas entraram ou querem entrar no Brasil? Será que somos, juntamente com outros países da América Latina e da Ásia, uma espécie de "plano B" para as chinesas?
HABIB - Marcas que buscam relevância e expressão internacional, como as multinacionais europeias, japonesas e americanas não possuem apenas plano B: têm planos C, D e E. Por que as chinesas seriam diferentes? Se é natural que marcas como Toyota e Volkswagen estejam de olho em todos os mercados mundiais significativos em volume de vendas, por que os chineses, que estão iniciando suas investidas em outros países, não se interessariam pelo Brasil, quarto maior mercado do planeta? Os chineses vão crescer e chegarão, alguns deles, a frequentar a lista dos dez ou 15 maiores fabricantes mundiais de automóveis dentro de alguns anos. Não tenho dúvidas disso. Parece óbvio que essa expansão comece por mercados já competitivos e de grandes volumes, como o brasileiro.
CURI - As empresas chinesas em geral desenvolveram um "DNA" exportador. Toda empresa chinesa visa ao mercado externo. Não é diferente com as automotivas, mas muitas dessas veem o mercado externo como um negócio pontual. Essas vão se dar mal. A Chery é a maior exportadora de veículos chineses por oito anos consecutivos. E o Brasil tem peso importantíssimo por ser o quarto maior mercado do mundo.
UOL CARROS - Estar na China é muito diferente de ler ou ouvir sobre a China. Aqui, temos a nítida impressão de que tudo que é dito sobre o país lá no Brasil é, no mínimo, leviano ou desinformado. Qual sua opinião pessoal sobre a China, sobre o tipo de sociedade que está sendo criado aqui, e sobre o papel dela no século 21?
HABIB - Os chineses são extremamente competitivos e possuem grandes vantagens para continuar crescendo e se expandindo no mercado internacional. Estão capitalizados, possuem uma economia de escala invejável e uma política econômica que é desburocratizada e que favorece quem produz e quer vender. Os chineses já estão dando certo, não só no mercado automotivo como em diversos outros setores. O papel da China no cenário internacional será equivalente a tudo aquilo que eles compram e/ou vendem. Ou seja: muito grande. Eles possuem grandes desafios a cumprir, como a distribuição de renda -- mas creio que a força de trabalho dessa gente, e a aptidão incomum que ela tem para fazer negócios, transformará a China, em alguns anos, na maior potência econômica do mundo.
CURI - Talvez Marco Polo nem tenha estado na China, como dizem alguns historiadores, mas sem dúvida o mesmo impacto narrado nas suas histórias está ocorrendo agora. É preciso conhecer melhor este país que busca ser a grande potência do futuro. Estão se preparando de maneira exemplar. Os chineses são disciplinados na maneira de trabalhar e focados no resultado. Daqui sairão as novas gigantes de vários setores, inclusive do automotivo.
UOL CARROS - O Inovar-Auto (novo regime automotivo, que dificultou a importação de carros a partir de 2012) está consolidado. Qual sua avaliação dele, de um modo geral e, claro, especificamente em relação a sua montadora?
HABIB - O Inovar-Auto possui grandes avanços para a indústria brasileira, notadamente nas regras que impõe para incentivar a redução de consumo dos veículos produzidos no Brasil. Estamos muito confortáveis com essas regras, à medida que vamos trabalhar com motores de baixa cilindrada e altíssima eficiência energética. Quanto ao modelo trazido por essa legislação, que obriga as marcas estabelecidas no Brasil a cumprirem algumas etapas de produção para se consolidar como "fabricantes", eu diria que não houve qualquer alteração no modelo do nosso negócio. Antes mesmo do Inovar-Auto nós já prevíamos a configuração de nossa fábrica de Camaçari com centro de desenvolvimento tecnológico, além de montagem de agregados, estamparia, pintura, montagem final etc.
CURI - É um regime que foi implantado para salvaguardar a indústria local, a indústria de autopeças e os trabalhadores. Todo programa necessita de ajustes. Houve a compreensão de que os novos entrantes necessitariam de um tempo maior para se adequar às regras. Esperamos que continue a haver essa compreensão por parte de todos os envolvidos no regime.
UOL CARROS - Qual a participação de mercado que o senhor espera para sua empresa no Brasil a longo prazo?
HABIB - Quando atingirmos plena capacidade de produção, operando com capacidade de cerca de 100 mil carros/ano, além de algumas gamas de modelos importados, imaginamos poder alcançar 3% de share.
CURI - Após a conclusão da segunda fase da fábrica da Chery em Jacareí, em 2017/2018, a empresa espera ter 3% do mercado total, que estimamos que vai estar ao redor de 4,5 milhões de unidades.
UOL CARROS - Para a História, talvez fique que o presidente Lula foi um grande amigo de todas as montadoras -- inclusive das importadoras. Dilma Rousseff, nesse setor, mudou as regras com o jogo em andamento. O senhor apertaria a mão de Dilma antes da eleição de outubro?
HABIB - É verdade que não se via mudanças profundas e desnecessárias nas regras do jogo havia mais de uma década, o que, naturalmente, eu desaprovo. Mas atuo no mercado automotivo há 24 anos. Vivi diversos planos econômicos e as consequências de todos eles. Isso significa que eu apertaria, sim. Já apertei as mãos de todos os seus antecessores, com maiores ou menores acertos. Por que não apertaria a mão da presidente Dilma?
CURI - Apertaria. Considero que houve uma necessidade de estabelecer regras para salvaguardar a indústria local. O que ocorreu é de que essas regras foram implantadas abruptamente e com muitas indefinições, o que gerou incerteza, e a regulamentação demorou muito a ser divulgada. No caso da Chery, que já havia celebrado a cerimônia da construção da fábrica, as regras ajudaram a consolidar nosso compromisso com o Brasil.
Viagem a convite da Chery Automobile
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