Peugeot, Citroën e Renault topam desafio de criar carros que fazem 50 km/l
Após fracassos nos anos 1990 e 2000, a indústria automotiva finalmente conseguiu estabelecer um cronograma para o desenvolvimento de modelos com propulsão alternativa, os chamados "carros verdes", na última década. Até pouco tempo atrás, porém, acreditava-se que a estrada para atender a demanda crescente da sociedade por modelos sustentáveis (ou menos poluentes e beberrões), bem como as pesadas exigências governamentais, passaria por carros híbridos (motor a combustão + motor elétrico) para chegar, finalmente, aos elétricos e à sonhada "emissão zero".
Pois o futuro parece ter mudado. As marcas francesas, anfitriãs do Salão de Paris, estão provando que podem chegar ao mesmo objetivo usando apenas motores a gasolina/diesel mais inteligentes que os atuais -- e compressores de ar.
E qual seria a vantagem de trocar o rumo dos modelos elétricos pelo de modelos híbridos tocados a combustível e ar? A mais elementar de todas: sairia mais barato para todo mundo -- governo, fabricantes e consumidores.
Executivos de Peugeot e Citroën explicaram a UOL Carros que o desenvolvimento de modelos híbridos que apresentem o baixíssimo consumo de 50 km/l (2 litros por 100 km, no padrão europeu) foi proposto pelo governo francês. Os primeiros modelos devem estar prontos até 2018, e o mercado deve recebê-los a partir de 2020.
Na verdade, a França quer mostrar ao mundo que pode ser o país mais limpo e inovador da Europa quando o assunto é o transporte rodoviário. Em discurso recente, o primeiro-ministro francês Jean-Marc Ayrault afirmou que é preciso que os modelos do futuro cuidem bem do meio ambiente, com emissões de gases poluentes e agentes do efeito estufa reduzidas quase pela metade em relação ao nível proposto para os demais países (de 95 g para 50 g de CO2/km).
Além disso, deveriam ser benéficos ao consumidor, com "número mágico" de consumo reduzindo a conta do posto de gasolina de modo muito mais efetivo que o proposto para o resto do continente (carros eficientes atuais, com motores a diesel ou a gasolina reforçados por turbo e injeção direta, não fazem mais de 25 km/l, mas chegariam a algo perto dos 30 a 35 km/l). Por fim, deveriam ser conectados: com gerenciamento online, que permite saber onde os carros estão e quais rotas estão livres ou congestionadas, fica mais fácil evitar que veículos fiquem parados, queimando combustível sem sair do lugar.
A vantagem de todos estes projetos sobre os elétricos estaria na enorme autonomia (modelos dependentes de baterias ainda são limitados a percursos que não ultrapassem os 150 km de distância, de preferência em locais planos) e no preço menor na hora da compra. Elétricos costumam usar como "propaganda" o fato de terem custo de recarga menor, em relação ao litro de diesel (aqui na Europa) ou gasolina.
E aí entra o fator decisivo dos carros híbridos movidos também a ar comprimido: primeiramente, existe posto de combustível em todo canto, enquanto postos de recarga elétrica ainda são raros em algumas regiões; depois, aparece o fato quase incontestável de que nada é mais abundante e barato que o ar.
GÁS TOTAL ATÉ NO BRASIL
A alternativa serviria até para a atual realidade brasileira. Com escassez de pontos de recarga e temor de pico de demanda maior que a produção, o governo liberou incentivos apenas a modelos que não dependam de tomadas para recarregar a energia da parte elétrica e que custem até R$ 150 mil. Assim, o Toyota Prius (que tem venda restrita e custa pouco mais de R$ 120 mil) se beneficia, mas o plug-in BMW i3 (liberado a quem pode pagar cerca de R$ 230 mil) não. Como não têm baterias elétricas que precisem ser recarregadas, carros a ar poderiam entrar na lista do benefício.
"Ainda não há planos de ter este tipo de modelo no Brasil, eles não são realidade mesmo por aqui, só em 2018, mas é correto pensar que seriam beneficiados pela isenção do imposto de importação caso chegassem ao país", afirmou uma fonte ligada à Citroën. "Além disso, seriam perfeitos para a realidade brasileira: ar tem em todo lugar e o motor a combustão poderia muito bem ser flex", completou.
UOL Carros lista abaixo os conceitos mais promissores mostrados no Salão de Paris 2014:
1. Peugeot 208 Hybrid Air 2L
Este conceito para ser o mais interessante por ser derivado de um carro compacto (ou seja, com preço inicial menor) e que existe também no Brasil.
A dieta restrita fez o conceito perder 100 kg em relação ao 208 que você tem na garagem: substituição do aço por materiais mais resistentes e leves como alumínio, compósitos de carbono e plástico e reestruturação do processo de produção convencional. "Mudamos até composição dos dutos de fluidos, do cano de escape e de plásticos no interior da cabine, ou mesmo o número de grampos para sustentar um painel, sem que isso implique num produto de menor qualidade, pelo contrário", disse um executivo da marca. As rodas também são diferentes: fechadas e com baixíssima resistência ao rodar.
O motor a gasolina tem 1,2 litros, três cilindros (família PureTech), 82 cv de potência e é construído com componentes de baixo atrito. Acoplados, estão dois cilindros (um de ar comprimido, sob a cabine, outro de baixa pressão, junto ao eixo traseiro, unidos por bomba e sistema hidráulico), que se enchem e esvaziam em questão de 10 segundos e permitem rodar na cidade sem qualquer custo ou emissão (não são, porém, ideais para rodovias ou situações que exigem mais força). Tudo é gerenciado por câmbio manual de cinco marchas. Promete rodar, como o nome diz, 100 quilômetros usando 2 litros de gasolina, ou seja, consumo de 50 km/l.
O ponto negativo é que as soluções apresentadas ainda encarecem bastante esta versão. A expectativa é que o custo caia conforme produção e demanda subam.
2. Citroën C4 Cactus Airflow 2L
Este misto de hatch médio e monovolume usa as mesmas soluções do 208 Hybrid Air 2L, mas com mais conforto na cabine e visual futurista, pois é derivado do C4 Cactus, uma espécie de C4 Picasso aventureiro que já é vendido pela Citroën na Europa.
Enquanto o conceito do 208 é um compacto de duas portas, aqui temos um modelo de quatro portas, 4,15 m de comprimento, espaço interno de 2,59 m e porta-malas com 358 litros. Apesar disso, pesa cerca de 100 kg a menos que o C4 Cactus comum e quase 300 kg a menos que o C4 hatch europeu, pelo uso ainda mais extensivo de materiais nobres, substituindo parte de seus painéis de ar (que formam a proteção de portas e para-choques) por células de fibra de carbono, alumínio e policarbonato: a marca afirma que o peso total é de 865 kg, similar a de hatches populares brasileiros como os novos Ford Ka e Fiat Uno ou o Toyota Etios. E isso com quatro estrelas de segurança no Euro NCAP (nota do C4 Cactus, que teoricamente seria menos resistente que o Airflow).
Além disso, o Airflow promete desempenho mais interessante que o 208 2L por ter soluções mais arrojadas de aerodinâmica, como saias laterais, spoilers e defletores móveis. Os freios também são mais eficientes, por serem de alumínio revestidos de carbono (solução que, segundos especialistas, é a mais eficiente e leve da indústria, mas ainda é caríssima, tendendo a baratear em poucos anos).
O problema para o Brasil estaria na inexistência de planos atuais para o C4 Cactus, que usa a plataforma EMP2, modular, ainda ausente nas fábricas da PSA na América Latina (Porto Real/RJ e El Palomar/Argentina).
3. Renault Eolab
Aqui, uma ressalva: dona de um dos maiores planos de produção de elétricos do mundo, ao lado da parceira Nissan, a Renault não iria cometer a incoerência de se desfazer da tecnologia ao atender o plano do governo francês. Assim, como espécie de "compensação", apresentou um protótipo que promete fazer não 50, mas 100 km/l, algo que perto dos modelos atuais parece soar como rodar infinitamente sem reabastecer...
Isso sem dizer o quanto é bonito o conceito Eolab, com carroceria que emula uma bolha de metal líquido em forma de carro, incluindo a estonteante frente de onde brotam prolongamentos que confundem o observador: o que ali é grade frontal e o que é conjunto óptico? A resposta vem só no momento em que alguns elementos se acendem, e outros não.
O lado ruim da história está no preço. Mesmo tendo mesmo tamanho e porte de um Clio IV europeu, um Eolab de produção não sairia por menos de 37 mil euros, segundo especulação da imprensa local. O Clio 1.2 pode ser comprado por cerca de 13 mil (salto de R$ 40 mil para R$ 115 mil, em conversão direta).
A Renault rebate afirmando que o objetivo não é ter o Eolab nas ruas, mas sim fornecer até 100 soluções que poderão ser usadas em diversos carros da marca até 2020. Parabrisas até 2,6 kg mais leve, rodas mais aerodinâmicas, pneus com menor atrito e freios mais leves, eficientes e duráveis se juntam a soluções de revestimento (plásticos com bolhas de ar formam bancos ultrafinos, resistentes e confortáveis), acabamento (superfícies mais leves e que sujam menos), iluminação (luzes fluidas) e design.
Em termos de trem-de-força, temos um motor 3-cilindros a gasolina de 1 litro e 75 cv, um novíssimo câmbio automático de três marchas para pequenas aplicações (extremamente leve em relação ao modelos atuais), e um sistema elétrico que permite condução sem emissões por até 66 km.
Se o futuro é sempre uma incógnita, os planos de Renault e do Grupo PSA e do governo mostram que a França está pelo menos disposta a fazer uma nova revolução na eficiência automotiva.
Viagem a convite da Anfavea
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