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Análise: "Madrinha" da festa do automóvel, Dilma não deu as caras no Salão

Claudio Luís de Souza

Do UOL, em São Paulo (SP)

10/11/2014 02h15Atualizada em 11/11/2014 18h39

Na edição que acaba de fechar as portas, o Salão do Automóvel de São Paulo ficou sem receber uma visitante ilustre: a presidente Dilma Rousseff (PT). Ela era esperada em 30 de outubro, quatro dias depois do segundo turno e algumas horas antes da abertura do Anhembi ao público em geral.

Nos bastidores do Salão e das montadoras, sempre se temeu que Dilma esnobaria o evento em caso de derrota. Ela ganhou, e não apareceu mesmo assim.

Dilma Rousseff no Salão de 2012 - Reuters - Reuters
No Salão de 2012, Dilma posou ao lado de um Classe B, da Mercedes-Benz, marca que terá nova fábrica no Brasil
Imagem: Reuters
A presidente reeleita deixou de verificar pessoalmente o resultado de uma obra bem-sucedida de seu primeiro governo: a radical correção dos rumos da indústria automotiva, a mais importante do Brasil.

O programa Inovar-Auto, regime implementado em 2012 e com vigência até 2017 em sua primeira etapa, foi elaborado pelo governo federal em conjunto com representantes da Anfavea (associação das fabricantes), cuja influência no processo ainda precisa ser esclarecida.

O homem-forte da gestão Dilma na interlocução com o setor foi o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel (PT), amigo pessoal da presidente e governador eleito de Minas Gerais. 

Num primeiro momento, as regras impostas pelo Inovar-Auto (aumento de tributação sobre carros feitos fora do Mercosul/México, cotas de importação, exigência de maior grau de nacionalização) pareciam sob medida para enfraquecer, ou até mesmo quebrar, importadoras chinesas e coreanas ambiciosas demais para o gosto de marcas veteranas.

Mas, dois anos depois, o resultado parcial do regime é muito maior do que isso.

Para resumir uma história que ainda será estudada pela academia, o relativo fechamento do mercado automotivo imposto pelo governo Dilma fez brotarem novas fábricas de carros e/ou motores no Brasil, seja para iniciar uma operação local inédita, seja para robustecer uma já existente.

É o caso de Audi, BMW, Fiat-Chrysler, Mercedes-Benz, Jaguar Land Rover, Nissan, Chery, JAC, Toyota, Honda, Hyundai e Mitsubishi. São bilhões de reais investidos, milhares de empregos criados.   

Outras tendências do mercado automotivo brasileiro foram aceleradas com o Inovar-Auto. Uma delas é o abandono quase total da estratégia de fabricar carros medíocres, baseada na indiferença do governo e na desinformação do consumidor. Plataformas antigas, materiais vagabundos, descaso com a segurança, design preguiçoso, defasagem de anos em relação aos mercados maduros -- tudo isso foi, ou está indo, à lata de lixo da história de nossa indústria.

Outra, é a transformação do Brasil numa usina de criatividade automotiva. Carros globais são desenvolvidos por equipes multinacionais em centros tecnológicos no país; apostas ousadas, como as futuras picapes compacto-médias de cabine dupla de Renault e Fiat, tornam-se mais frequentes.

Salvo engano, o Inovar-Auto e as futuras fábricas nacionais de carros não foram mencionados pela própria Dilma nos debates eleitorais. Pouco, ou mesmo nada, se falou disso na campanha presidencial do PT. Culpa exclusivamente dela e do seu marqueteiro.

(Não acompanhei, mas duvido que Pimentel tenha tocado no assunto na campanha mineira, até porque nenhuma das plantas será em MG.) 

Já as fabricantes se estapearam para ficar com os melhores e maiores estandes do Anhembi (os mais caros, estima-se, custaram R$ 20 milhões) por saberem que, a partir de 2016, o mercado automotivo voltará a crescer, desta vez com players oferecendo carros nacionais de qualidade inédita.

Será ano de um novo Salão -- se aparecesse no que passou, logo depois de ganhar a eleição no país apesar da fragorosa derrota em São Paulo, a presidente Dilma corria o risco de ser hostilizada.

Daqui dois anos, quem sabe, o passo dado pelo Inovar-Auto já terá virado (ou já será percebido como) um grande salto.