Andar de carro elétrico em SP ainda é temer apagão a cada curva
UOL Carros recebeu convite raro há uma semana: avaliar um carro elétrico durante 48 horas sem exigência de rodar em circuito fechado. Emplacado normalmente, um Renault Zoe (modelo importado da França) poderia circular sem restrições por qualquer rua do país, permitindo um teste em condições mais realistas.
Como o ambiente brasileiro não é propício a carros elétricos, o modelo não é vendido por aqui e há poucas unidades circulando em regime de concessão a frotas de empresas de energia e alguns órgãos públicos. Não há incentivo que reduza o preço ao cliente e o IPI cobrado é o mesmo de um modelo com motor grande a gasolina. A Prefeitura de São Paulo quebra um pouco o preconceito ao isentar, desde maio, elétricos e híbridos do rodízio de placas (que é ambiental), bem como a devolver 50% do IPVA pago (limitado a R$ 10 mil, por cinco anos, para carros de até R$ 150 mil). Na França, onde é fabricado, o Zoe custa cerca de R$ 73 mil, mas há bônus de R$ 25 mil do governo.
Maior fabricante de elétricos do mundo, a Renault divide plano de 4 bilhões de euros para bombar este tipo de carro no mundo até 2016 junto à associada Nissan (que tem o hatch médio Leaf também circulando em testes no Brasil). As duas marcas e outras montadoras acreditam que o governo vá começar a se pronunciar em 2015, mas tudo ainda cheira a especulação. Assim, resta ficar de olho em oportunidades como esta. Ou pagar impossíveis R$ 230 mil por um i3, outro elétrico vendido pela BMW como se fosse a máxima invenção da humanidade.
TARDE DE SEGUNDA-FEIRA (8)
Está ligado? Rodar com um elétrico é um desafio que requer mudança de hábitos por conta do motorista desde o princípio. E não há demagogia aqui. Dou a partida e nada ocorre, nada mesmo, nenhum som. Com atenção, é possível notar a indicação "Ready" (pronto, em inglês) piscando no painel, avisando que o carro está ligado e funcionando. Para quebrar o silêncio ao rodar -- e dar segurança a pedestres -- o Zoe simula um pequeno ruido de turbina, mais nada. Com uma única marcha à frente (além de ré e posição de neutro e estacionamento), o hatch anda gostoso, sem tranco, mas a suspensão europeia sofre em buracos, valetas e entradas altas de garagens.
Antes de darmos a partida, um consultor da marca nos explicou como era o processo de recarga, mas avisou: "Só há um ponto que realmente recomendamos na cidade, fique de olho". Parece exagero, já que a autonomia de 100 quilômetros com bateria completa parece suficiente para realizar qualquer trajeto urbano, mesmo com as longas distâncias da cidade. Só parece, já que TUDO vai drenar sua carga: é verão, começou a chover forte, o trânsito engarrafou e os sistemas automáticos do Zoe ligaram faróis, limpador de para-brisa e intensidade maior para o ar-condicionado. Neste momento, o indicador do painel nos mostrou que se continuássemos nesse ritmo apenas 50 km seriam percorridos, metade do esperado a princípio. Como a noite caia, o melhor foi voltar para casa. O medo de ficar no escuro (e parado) é constante com um carro elétrico sem oferta de pontos de recarga.
MANHÃ DE TERÇA (9)
Com este comportamento em mente, é preciso fugir de trânsito a qualquer custo. Planejar a rota antes de sair se torna fundamental e aplicativos como o Waze se tornam seu melhor amigo. Na Europa ou em locais preparados para elétricos, basta plugar o carro ao chegar em casa ou no escritório, como se fosse aquele seu iPhone gastão. E o próprio GPS do carro mostra o ponto de recarga mais próximo. Por aqui, nada feito. E tem mais: como fugir do calor e do clima temperamental? Percebi que, conforme a temperatura subia, o jeito seria abrir mão do ar-condicionado. Descer ladeiras sem encostar no acelerador ou embalar em vias planas ajuda a recuperar energia (graças aos freios regenerativos), mas ficar preso no anda-e-para do tráfego é desperdício de tempo, paciência e bateria.
À tarde, apesar do esforço, me vi obrigado a "abastecer" o carro com menos de 24h de uso. Segui para o local indicado pela Renault, o estacionamento de um shopping center nos arredores da avenida Paulista. Lá, não se cobra pela energia, mas sim pelo período estacionado: o Zoe demanda 1h30 para recarga (em tomada do tipo rápida; em rede normal, seriam quase 9h), o que nos deu uma conta de R$ 12 de estacionamento e a indicação "99%" piscando no painel. Antes, havia rodado mais um pouco procurando em garagens de grandes centros empresariais da Zona Oeste e Centro da cidade: colecionei "nãos" e caras de espanto. Há pelo menos outros dois shoppings com o serviço de recarga (que não foram recomendados pela montadora), bem como iniciativas de teste, fechadas ao público comum. Ainda assim, as opções se contam nos dedos de uma mão.
Aproveitei também para circular por algumas ruas do chamado centro expandido de São Paulo, entre 17h e 20h, "desrespeitando" o rodízio de carros com placas de final 3 (lembre-se, elétricos e híbridos estão liberados desde maio): nenhum agente da CET pareceu se importar com "meu" Zoe, mas certamente devo ter sido vigiado por diversos radares. Resta esperar para saber se alguma multa chegará nas próximas semanas. Hora de poupar energia para o último dia.
QUARTA-FEIRA (10), 8H30
O indicador de autonomia registrava carga suficiente para 88 km e o último dia pedia um desafio maior. A decisão foi passar em frente aos estádios dos grandes times de futebol da cidade: Morumbi (do São Paulo, na Zona Oeste), Arena Itaquera (do Corinthians, na Zona Leste) e Allianz Parque (o antigo Palestra Itália, do Palmeiras, de volta à Zona Oeste). No trajeto direto, cerca de 54 km por grandes avenidas, que acabou se ampliando para pouco mais de 70 km por intervenções do Waze e fugas de engarrafamento.
Ao longo do roteiro, o compacto silencioso chamou a atenção de pedestres e outros motoristas. "Já está à venda?" e "onde se abastece?" se repetiram como perguntas mais feitas. No caminho de ida, alguma tranquilidade e a temperatura amena permitiram deixar o carro rodar embalado, de modo a recuperar carga. Na volta da Zona Leste, após sessão de fotos e já na hora do almoço, o calor e tráfego mais travado reacenderam o medo de ficar sem energia. Na chegada à nova arena palmeirense, alívio por terminar a empreitada com cerca de 30 quilômetros de autonomia de saldo (sim, o sistema de regeneração funciona).
É possível usar um carro elétrico em São Paulo? Após rodar um total de 188 km em 48 horas sem ficar a pé e sem emitir qualquer poluição, percebo que sim. Mas o que se gasta de energia (mental) com a preocupação de se ficar sem eletricidade ainda não compensa a experiência. Espero que isso mude logo.
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