Clássico ou mico? Kombi Last Edition coleciona polêmicas e aguarda redenção
A obrigatoriedade de freios antiblocantes (ABS) e dos airbags frontais para todos os automóveis produzidos a partir de 1 de janeiro de 2014 interrompeu a entrada da Kombi na terceira idade. Então com 56 anos de produção nacional -- fora os sete de importação --, acabou descontinuada pela Volkswagen. Veio a aposentadoria e, com ela, uma história que deveria entrar para a galeria de clássicos mas que, anos depois, se vê marcada pela polêmica.
Ícones não se aposentam sem uma celebração, claro: em 14 de agosto de 2013, a Volkswagen lançou a Kombi Last Edition. Tratava-se de uma Kombi Standard pintada ao esquema "saia e blusa": azul da cintura para baixo, com pneus de faixa branca e adesivos nas laterais e na tampa traseira remetendo à série. Na cabine, cortinas decorativas e bancos também em azul claro. Limitada a 600 unidades, era embalada por uma comovente campanha de "deslançamento".
É a última ou não é?
Apesar do exorbitante preço de R$ 85 mil, a Last Editon atiçou fãs e colecionadores. Alguns proprietários da Série Prata (200 unidades, as últimas com motor refrigerado a ar, de 2005) e da Kombi 50 anos (de 2007, limitada a 50 unidades) teriam na garagem uma espécie de tríplice coroa. Teriam, mas não.
UOL Carros pesquisava arquivos e entrevistava colecionadores para o Especial dos 60 anos de produção da Kombi, publicado na última semana, quando se deparou com relatos de donos sobre a Last Editon não ter sido assim tão... "last".
Assim, o azul que dá o tom à Last Edition começou a desbotar pouco tempo depois. No mês seguinte ao lançamento da Last Edition, a marca avisou que faria mais 600 unidades, totalizando 1.200 exemplares. E começou a reclamação por parte de quem comprou o primeiro lote.
Um dos clientes não apenas reclamou, como processou a Volkswagen alegando "propaganda enganosa". Processou e ganhou a ação: a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) condenou a empresa a devolver o valor pago pelo veículo, concluindo que "o posterior aumento da produção inicial e limitada do produto reduziu drasticamente o caráter diferencial do bem".
"A Volkswagen cometeu alguns erros. O primeiro foi dobrar a produção de 600 para 1.200 exemplares. E o mais grave: depois de 1.200, como o mercado pediu, fizeram mais cerca de 2000 unidades, na configuração Standard", afirmou Fábio Pagotto, colecionador e co-autor do livro "Clássicos do Brasil: Kombi".
Para Eduardo Gedrait, presidente do Sampa Kombi Clube, foi um acerto ter uma versão especial, mas os números que envolvem preço e quantidade foram equivocados.
"Com certeza, a Last Edition fechou a produção com chave de ouro. A Volks surpreendeu com a campanha de deslançamento. Mas houve um erro de estratégia na quantidade. Talvez 56 unidades fossem suficientes para agradar aos fãs", disse à reportagem.
Outro grande erro na visão dos entusiastas foi não confeccionar a Last Edition internamente -- a produção foi terceirizada. "Na época, pouco antes do lançamento, conversei com pessoas que participavam do projeto. A ideia inicial era equipá-la com roda de liga-leve, incrementar a tapeçaria, entre outras coisas. Mas, no fim, optaram por terceirizar", explicou.
"Para ganhar concorrência, fez um trabalho ruim. O banco é uma simples capa, e a pintura azul foi feita sobre a branca", criticou Pagotto.
A missão de montar a Last Edition foi dada à Rontan, empresa especializada em preparar veículos especiais, como ambulâncias e viaturas de polícia -- a empresa, aliás, acabou abrindo falência pouco tempo depois. A reportagem procurou antigos representantes da empresa, mas não encontrou contatos ativos.
Procurada por UOL Carros, a Volkswagen emitiu um comunicado afirmando que um fornecedor interno substituiu a Rontan na missão de manter o legado da Kombi junto aos colecionadores: "Com o objetivo de atender às demandas dos clientes e colecionadores, a empresa disponibiliza um e-mail dedicado aos proprietários de veículos especiais da Volkswagen (seriesespeciais@volkswagen.com.br), além do canal de atendimento pela Central de Relacionamento com os Clientes (0800 019 5775)".
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Item de colecionador em baixa
No fim das contas, a história mostra que foi excessivo fazer 1.200 unidades, de fato. Logo em janeiro de 2014, foi possível encontrar concessionárias ofertando a Last com até R$ 5.000 de desconto. E quem negociasse podia pagar ainda menos.
"Sinceramente, me senti lesado. Comprei uma unidade no primeiro lote e depois cansaram de me oferecer outra a R$ 65 mil, para eu ficar com mais uma", disse o advogado Alexandre Arruda, outro colecionador.
Como resultado, a Kombi Last Edition virou um exemplar com contexto histórico -- e valor -- muito instáveis. Pesquisas em sites de classificados reúnem poucas unidades de segunda mão à venda, com preços que variam de R$ 50 mil a R$ 105 mil, a depender da quilometragem e do estado do carro. Algo justo.
Mas há relatos de unidades ainda novas -- zero-quilômetro -- ofertadas a R$ 65 mil, no Rio Grande do Sul.
Para quem busca uma ainda hoje, é preciso ter muita atenção. Luiz Carlos Rodrigues desembolsou R$ 48 mil por uma com 40 mil km rodados. Destinada não à coleção, mas sim à labuta, tem cicatrizes do trabalho.
"As cortinas perderam as braçadeiras e tive que mandar refazê-las, assim como o banco, que estava rasgado, e a pintura, que levei a um laboratório. Tenho outras Kombi, como uma cabine dupla e uma de seis portas. Delas, se acha tudo. Da Last Edition, nada", afirma Rodrigues.
De fato, UOL Carros percorreu concessionárias da VW e confirmou: os elementos decorativos da Last Edition não estão no catálogo da marca. "Se você precisar do adesivo '56 Kombi', tem que fazer o pedido aqui, daí segue para a fábrica, que encaminha à Rontan. É um processo demorado", afirmou um atendente do balcão de peças, que acabou se esquecendo que a empresa faliu. Como afirmamos acima, a missão de recuperar o adesivo agora é de outros fornecedores da Volkswagen.
Rodrigues e Arruda também reclamam da falta do certificado de autenticidade que acompanhava o modelo. Um "troféu" para colecionadores, o certificado é o tipo de coisa que todo mundo sabe que existe, mas ninguém viu. "Sequer me falaram dele quando comprei o carro", disse Arruda.
Apesar da desvalorização e dos elementos decorativos em falta, proprietários creem na melhora do valor da Kombi como clássico. "Acredito que seu reconhecimento como tal virá no futuro, assim como a valorização", disse Maurício*, que tem na garagem a Last Edition, além de uma 50 Anos e uma Série Prata.
Fãs da Kombi e de carros clássicos brasileiros também torcem para isso.
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