Brasil é referência em testes de resistência que ajudam a desenvolver carro
"Especial - Como nasce o carro, capítulo 2": como testes são fundamentais para o desenvolvimento
Agora que você já sabe quanta grana, tempo e planejamento são necessários para desenvolver carros, no mundo e aqui no Brasil, UOL Carros explica quais são as diferentes ferramentas e tecnologias envolvidas, nesta segunda reportagem do especial "Como nasce um carro". É hora de falar sobre "laboratórios de testes" e de explicar o que é um "campo de provas", instalações sobre as quais você que gosta de carro já deve ter ouvido falar: é nelas que um carro se desenvolve.
Para desenvolver um projeto é necessário contar com modernos laboratórios de motor e túneis de vento. Mas isso é algo que nenhuma fabricante brasileira tem, por ora, ainda que já existam bons centros de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) por aqui. O que temos, então?
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+ Parte 5: da "mula" ao carro que você compra
Dentre todas as fabricantes instaladas aqui, General Motors e Fiat são as que contam com maior estrutura: pistas de testes, túnel de vento em escala reduzida (no caso da GM), câmara de temperatura, simulação computacional com impressão 3D e laboratórios diversos. UOL Carros conheceu o Campo de Provas da Cruz Alta, que a GM mantém em Indaiatuba (SP), e mostra um pouco da instalação no vídeo que abre a reportagem e que também está aqui neste link.
Se poucos têm essa estrutura, o potencial do país é enorme e há até uma "excelência": por sua condição "trivial", o Brasil é especialista em processos de validação de suspensões e resistência de materiais. "Por causa de nossas condições mais extremas de calor e malha rodoviária, o Brasil se tornou referência para avaliação de comportamento em temperaturas mais quentes e condições severas de uso", afirma Sidney Nascimento, engenheiro de validação da GM no Brasil.
Soa inacreditável para alguns, mas nossa engenharia realiza trabalhos exemplares: o Brasil é referência em calibração de suspensões (sim, graças à baixa qualidade de piso) e testes sob condições mais extremas de umidade e calor. É por isso que, recentemente, ajudamos outros países a desenvolver carros como o Hummer H3 (o SUV bruto foi homologado pela GM em Cruz Alta, mas nunca vendido por aqui) e uma série de modelos do grupo Fiat-Chrysler (como o novo Tipo).
Além dos campos, existem outros muitos processos, quase todos realizados de forma simultânea por diferentes áreas da empresa, por grupos de diferentes países. Isso rende longas e exaustivas reuniões -- muitas vezes feitas por videoconferência -- além de sincronização de mecanismos. Há de se respeitar essa cronologia perfeita:
1. Proposta, dimensões e visual
A primeira etapa, obviamente, é definir "o que" será o automóvel: quais serão suas dimensões e sua proposta de uso, e que plataforma vai usar. Por mais que a ideia parta de divisões regionais (caso do Ford EcoSport ou do Honda WR-V, produtos nascidos no Brasil), são sempre as áreas globais de direção executiva e financeira que darão o aval.
Exemplo recente dessa hierarquia centralizadora é a picape compacta-média Santa Cruz, exibida como conceito pela Hyundai no Salão de Detroit de 2015. Há quase três anos, os executivos norte-americanos da marca aguardavam o aval da matriz sul-coreana para desenvolver a versão definitiva, o que só ocorreu em meados deste ano. Não precisa ser brasileiro para se deparar com burocracia lenta na área automotiva.
É também nesta fase que se decide qual será o orçamento do projeto, bem como o que ele terá de componentes novos (motor, transmissão, assistências eletrônicas etc) e o quanto receberá de carryover (aproveitamento de itens já existentes em outros modelos). Quanto maior a inovação, maior o gasto.
Uma das partes mais delicadas é a do trem-de-força. Fazer motores e sistemas de transmissão próprios custa muito dinheiro, o que leva muitas marcas a estabelecerem parcerias ou apelarem a fornecedores para tal.
Por que você acha, por exemplo, que a Fiat-Chrysler insiste em usar o conhecidíssimo câmbio automatizado GSR (antigo Dualogic) em diversos modelos e não faz a troca definitiva para o automático de seis marchas que equipa Toro, Renegade e Argo 1.8 flex? Porque tal caixa é da Aisin, não da Fiat, o que encarece sua utilização em toda a gama, mas, por outro lado, reduz os custos quando o uso se dá em modelo específicos.
Por outro lado, a General Motors é detentora da tecnologia de sua caixa automática de seis marchas e, no cálculo de uso aplicado à escala de venda, tem liberdade e prevê mais lucro equipando praticamente toda sua gama com ela, do Onix ao Cruze.
Obviamente, as escolhas vão depender do mercado ao qual o carro será destinado. O Brasil entra no chamado grupo de países emergentes, para os quais são criados os tais "carros de baixo custo". Mas não deixa, também, de receber projetos globais como o novo Volkswagen Polo, por ser referência para toda a América Latina.
2. Da mecânica computacional à impressão 3D
É o processo pelo qual se reproduz todas as características do veículo em computador, a partir de programas como o CFD (sigla em inglês para fluidodinâmica computacional). Com ele, é possível simular virtualmente qual será o comportamento do automóvel como um todo e também a dinâmica de cada uma de suas partes individualmente, seja em relação a desempenho de condução, espaço interno, ergonomia e até segurança.
O CFD permite antecipar muito daquilo que será comprovado nos testes empíricos. "Essa tecnologia vem se tornando cada vez mais importante, pois acelera todo o processo", analisa Ricardo Abe, gerente de engenharia da Nissan no Brasil.
Outra solução recente, e que está ligada à mecânica computacional, é a impressão 3D. O vídeo abaixo, divulgado mundialmente pela Ford, resume sua utilização.
3. Testes em laboratório (ou quando bancos são mais caros que o trem-de-força)
Antes de irem para as ruas, os primeiros protótipos do carro -- primeiro em escala reduzida, posteriormente em tamanho real -- passam milhares de horas sendo avaliados e aprimorados em laboratório. Ali, as especificações do veículo (dimensões, dados de desempenho, consumo e coeficiente aerodinâmico) são definidas.
Nesta fase também são realizados os famosos testes aerodinâmicos em gigantescos túneis de vento. Lá os engenheiros podem detectar necessidades de mudanças em elementos como para-choques, colunas, para-brisa e para-lamas. Tudo, porém, precisa ser feito com muito cuidado, pois mexer nesses parâmetros altera o padrão estético do veículo e gera o risco de torná-lo se tornar menos atraente.
Outra curiosidade: cada centímetro acrescido ao entre-eixos ou à largura de um veículo acarretará alguns milhões de dólares em investimento, por conta de novos testes e adequações de desempenho, consumo e uso de componentes.
Escolher os materiais de acabamento dá um bocado de trabalho, sendo que os bancos (vejam só!) mordem um percentual considerável do orçamento. Empresas como a japonesa Nissan e a chinesa JAC apontam que, em alguns projetos, o custo dos bancos podem ser mais altos que os de motor e câmbio.
Na fase final de desenvolvimento também se usa o laboratório para testar, por exemplo, durabilidade de componentes como portas, fechaduras, porta-luvas, dobradiças e qualquer outra peça que atue com movimentos repetitivos gerados pelo usuário. É onde entram em ação os campos de prova vistos na abertura.
Também é neste período que se realiza testes de resistência em câmaras de temperatura (com variações de -40 a 90 graus Celsius) e se define índices como os de rigidez da carroceria (a partir dos graus de resistência dos metais utilizados no chassi) e segurança.
4. Testes na rua
Com o carro praticamente pronto em laboratório, chega a hora de colocá-lo para rodar em circuitos privados de testes e também, claro, nas ruas. Afinal, a inteligência artificial ainda não foi capaz de dar todas as respostas sobre como um carro vai se comportar na prática.
Quando um protótipo, mesmo em fase de "mula" (explicaremos tais etapas mais adiante em nosso especial) é flagrado andando numa via pública, pode estar certo de que ele já se encontra na fase final de desenvolvimento. Este é o momento em que os engenheiros comprovam se todas as capacidades mostradas em laboratório serão sentidas pelo consumidor.
Testes de homologação (para que se autorize o uso de determinado componente), durabilidade (suspensões estão funcionando e resistindo como o esperado?), conforto (o nível de ruídos feito pelo veículo é adequado à proposta? As peças estão bem encaixadas?) são fundamentais.
Mulas e protótipos chegam a rodar, juntos, entre 500 e 600 mil quilômetros. Essa quilometragem já foi maior: atualmente, a maior parte dos testes é reduzido por conta da "multiplicação" da rodagem artificial em laboratórios, permitindo custo menor para teste de durabilidade de motores ou suspensões, por exemplo. "É possível simular seis meses de uso do carro em condições normais em apenas um mês de testes", afirma Sidney Nascimento, da GM.
Dados coletados são usados para fazer o "ajuste fino" do modelo, mas jamais culminarão em algum tipo de troca de trem-de-força ou mudança de arquitetura de suspensões. A essa altura, o "quebra-cabeças" do carro já está definido, com todas as suas qualidades e defeitos. Aos engenheiros cabe tentar deixar o produto o mais acertado (ou menos ruim) possível para o consumidor.
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