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Fabricantes querem fim do "reinado" de GM, VW, Fiat e Ford na Anfavea

Reunião da Anfavea já aconteceu em Brasília com participação do Presidente da República, Michel Temer - Marcos Corrêa/PR
Reunião da Anfavea já aconteceu em Brasília com participação do Presidente da República, Michel Temer
Imagem: Marcos Corrêa/PR

Cleide Silva

Estadão Conteúdo

08/04/2018 08h00

Grupo de fabricantes estuda criar a primeira chapa de oposição na história das eleições para presidente da entidade

A um ano da troca do comando da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), um grupo de montadoras se organiza para lançar uma chapa de oposição.

Se conseguir, será a primeira vez que haverá disputa pela presidência da entidade. Criada em meados dos anos 50, quando a indústria automobilística começava a se instalar no país, a associação hoje representa 27 fabricantes que respondem por 22% do PIB (Produto Interno Bruto) industrial brasileiro.

Nos últimos anos a Anfavea perdeu parte de seu poder de influência, mas comandar a associação é um desejo de quase todas as empresas. O acesso a governantes facilita a defesa de vantagens para o setor ou mesmo para a montadora individualmente, admitem, sob reserva, executivos das empresas.

Há mais de 30 anos a presidência fica nas mãos de quatro maiores fabricantes de automóveis do Brasil, GM, Fiat, Volkswagen e Ford. Além delas a única outra a ter tido representante ocupando o principal cargo da indústria automotiva nacional foi a Mercedes-Benz, maior no ramo de caminhões e ônibus.

Por um acordo informal, as cinco se revezam na indicação do presidente, que permanece no cargo por três anos. Existe até um processo eleitoral, mas apenas protocolar, pois já está definido que o primeiro vice-presidente irá ocupar o cargo. Nesse esquema, o próximo a assumir o posto hoje ocupado por Antonio Megale, da Volkswagen, seria Rogelio Golfarb, da Ford.

O grupo contrário ao rodízio é liderado principalmente pelas asiáticas Hyundai, Toyota e Honda, e com possível apoio de francesas como a Renault e até de fabricantes de tratores, segundo executivos envolvidos nas discussões.

Um provável cabeça de chapa do grupo da oposição é o diretor de relações governamentais da coreana Hyundai, Ricardo Augusto Martins, um dos 32 vice-presidentes da entidade. Também há apoio ao nome de Ricardo Bastos, da Toyota.

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Elas querem participar

Os principais argumentos do grupo contrário ao rodízio restrito no comando da Anfavea é o de que as "quatro grandes" montadoras de automóveis vêm perdendo participação no mercado e o ranking apresenta variações.

Em 2016 a Hyundai ficou em quarto lugar em vendas, desbancando a Ford, que ficou em sexto. No ano passado, a marca coreana que abriu fábrica em Piracicaba (SP) em 2012 foi a quinta da lista, com a Ford recuperando o quarto lugar. Estas posições estão mantidas nos três primeiros meses deste ano.

"Antes, as quatro grandes detinham quase 70% do mercado de automóveis, mas hoje essa participação não é tão expressiva", diz um executivo do setor. A fatia atual delas é de 54%.

Outro argumento é que Rogelio Golfarb, da Ford, ocupou o cargo entre 2004 e 2007. "Muita gente não quer, pois ele já teve sua chance e agora é a vez de outros", diz outra fonte. Nenhuma montadora quis falar oficialmente sobre o tema. A Anfavea apenas afirma que "o processo eleitoral oficialmente ainda não começou".

Brincadeira cara

Em 2012, às vésperas da eleição que levou à presidência Luiz Moan, da GM, já houve um movimento de descontentamento. Dois anos depois, algumas montadoras que chegaram ao país mais recentemente relutaram em entrar na Anfavea porque discordavam do alto valor cobrado em "luva" para a filiação, na casa de US$ 1 milhão (cerca de R$ 3,3 milhões).

Tais fabricantes ameaçaram permanecer na entidade representativa dos importadores, a antiga Abeiva, que trocou sua razão social para Abeifa para poder incluir também fabricantes. O preço da "luva" então caiu e foi parcelado.

Depois de Moan, o atual presidente, Antonio Megale, da Volkswagen, assumiu o cargo com aprovação geral das filiadas. Já para a próxima eleição, em março de 2019, os debates de bastidores foram antecipados, na tentativa de angariar apoios em ambos os lados.

Os candidatos novatos podem conseguir votos das empresas que simplesmente querem o fim do rodízio, independentemente de quem será presidente. Há nove associados que, teoricamente, apoiam o rodízio: as cinco grandes em automóveis e caminhões e suas coligadas Audi, MAN, Scania e CNH. A oposição tentará conquistar parte das outras filiadas.

A ambição dos opositores pode ser barrada no quesito curricular. "O eleito precisa ter relações com o alto escalão do governo, saber lidar com as diferentes demandas das empresas e estar bem preparado para o processo de transformação que toda a indústria automobilística mundial está passando", lista um dirigente, para quem os novatos ainda não têm esse perfil.

Desgastes

Embora pareçam unidas, há diversas desavenças entre as marcas representadas pela Anfavea, pois cada uma tem suas peculiaridades. A nova direção , por exemplo, terá de discutir com o governo a renovação do regime que estabelece benefícios especiais a montadoras instaladas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que vence em 2020. 

Estão nessas regiões a Ford e a FCA Fiat Chrysler (ambas da lista de rodízio), a Caoa Hyundai e a HPE (representante oficial de Mitsubishi e Suzuki). O presidente Michel Temer prometeu recentemente prorrogar o programa, mas não há decisão oficial.

Outro tema que estará na pauta nos próximos anos é a aplicação do Rota 2030, nova política industrial do setor que deveria ter entrado em vigor em janeiro, mas está parada nas mãos do governo e deve assim seguir pelo menos até 12 de abril.

Um dos itens do programa é o incentivo à produção de veículos híbridos e elétricos. A Toyota já desenvolve uma motorização híbrida flex, que roda com etanol e gasolina. A marca é forte defensora da redução de impostos para este tipo de veículo.

Desde o ano passado, a Anfavea se desgastou por não ter conseguido aprovar o Rota 2030. O programa foi barrado pelo Ministério da Fazenda, contrário a incentivos ao setor.

A decisão pode ficar para o novo governo que assumirá em 2019. As empresas, contudo, esperam que seja anunciado por Temer na próxima quinta-feira, quando está previsto (mas não confirmado) encontro com presidentes de todas as montadoras.

A gestão atual também teve de lidar com a maior crise da história do setor. O próximo presidente vai encontrar o mercado em rota de crescimento.

Além das próprias empresas, há questões pessoais entre os que querem assumir a entidade. "Existe uma certa ambição pelo cargo pois ele dá status (por liderar um grupo de multinacionais com peso importante na economia do País), por aparecer na mídia, tornar-se conhecido", diz uma fonte do setor.