Guerra de Trump a carro importado pode prejudicar os EUA... e ajudar Brasil
Presidente dos EUA ameaça sobretaxar carros e peças importados, sobretudo da Europa, em 25%; indústria reclama
Donald Trump mira principalmente a Alemanha, mas acerta em cheio no seu próprio mercado de carros. Esta é a leitura de grandes analistas e até mesmo da indústria automotiva nos Estados Unidos a respeito da ameaça do presidente daquele país em impor um "tarifaço" de 25% sobre carros e componentes importados -- já existe uma tarifa semelhante para veículos comerciais importados, mas com impacto menor à economia.
A poderosa Toyota, Volvo, Hyundai e a Fiat-Chrysler (FCA) reclamaram publicamente da ameaça de Trump. Não apenas eles: a americaníssima Harley-Davidson está em situação delicada. E até a associação de fabricantes entrou avisou: mesmo Ford e General Motors não fazem carros "puros", com 100% de peças feitos nos EUA. Também estão em situação complicada as marcas que têm sede em países como Alemanha, Reino Unido, Itália e Coreia do Sul -- os quatro maiores exportadores de carros para o mercado norte-americano.
Segundo todos eles, o presidente não percebeu que no mundo globalizado os carros também são... globais. E frear a importação com sobretaxa vai acabar deixando os carros mais caros, derrubando vendas, mexendo com a produção local e, no fim das contas, provocando prejuízo aos fabricantes e desemprego no setor automotivo. E defender empregos foi justamente a justificativa usada por Trump ao propor sobretaxas aos carros e peças importados, sobretudo da Europa (e, principalmente, da Alemanha).
Mas será que o Brasil, que também já se valeu de sobretaxação de importados (35 pontos extras sobre o Imposto de Importação para marcas que não tinha fabricação local), pode se beneficiar da possível taxação americana?
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Quem brinca com fogo pode se queimar
Segundo a agência "Automotive News", a aliança que reúne os fabricantes de automóveis dos EUA (AMA, na sigla local) criticou o disparo de Trump contra as importações de carros pode significar um aumento real de quase US$ 6 mil (quase R$ 24 mil) sobre o valor médio dos veículos.
Segundo outra entidade, a Association of Global Automakers (que reúne fabricantes de automóveis e fornecedores de peças com sede fora dos EUA e fala em nome de 130 mil trabalhadores), o governo Trump esquece de considerar que todas as 14 marcas que possuem fábricas de automóveis nos EUA também importam carros para compor suas linhas de produtos. E não são poucas as unidades importadas: 44% das vendas são de modelos feitos fora dos EUA.
A Volvo Cars, fabricante sueca que agora é propriedade da chinesa Geely, é um exemplo claro da instabilidade que a taxa sobre importação pode causar.
Até o começo do ano, o sedã Volvo S60 vendido nos EUA era feito na China, por exemplo. A marca acabou de inaugurar a fábrica da Carolina do Sul e vai inverter o sentido: o novíssimo S60 fabricado por lá vai abastecer os EUA e também o resto do mundo.
Li Shufu, dono da Geely e da Volvo, afirmou que não só a marca sueca, mas todas as fabricantes multinacionais seriam atingidas se as tensões comerciais aumentarem. "Será ruim para as montadoras chinesas se os EUA impuserem imposto de importação sobre a China", afirmou. "Simultaneamente, o aumento do imposto da China prejudicará a Volvo quando importar seus carros fabricados nos EUA para a China".
Metade dos modelos importados é feita dentro do Nafta (a região comercial que inclui EUA, México e Canadá), que contam não só com regras comerciais comuns, mas também com muitos componentes feitos por empresas dos EUA.
De toda forma, o presidente da Global Automakers, John Bozzella, foi duro: "Os Estados Unidos não vão a guerra usando um Ford Fiesta. Não há qualquer justificativa dentro do argumento de segurança nacional para taxar a importação de automóveis e peças, nem para discriminar multinacionais por terem sede aqui ou em países aliados". Segundo Bozzella, se as ações do governo levarem à sobretaxação, será inevitável que outros países também imponham impostos adicionais a carros e peças que são enviados ao EUA.
No ano, a conta de impostos poderia acabar sendo de US$ 45 bilhões (R$ 174 bilhões), suficiente para incendiar e derrubar o mercado de carros norte-americano, o segundo maior do mundo.
Nem a Toyota escapa
Apesar da origem japonesa, atualmente muito da força da Toyota está nos EUA. São 10 fábricas no país, além da liderança no mercado de carros de passeio, com o Camry e um bom posicionamento com o Corolla. Em 2017, a marca chegou a pintar seus carros nas cores da bandeira norte-americana durante o Salão de Detroit, num aceno ao novo governo de Trump.
Ainda assim, a atua proposta de taxação de 25% para veículos e peças importados seria algo pesado demais para manter a lucratividade da Toyota. Ao todo, 45% das peças do Camry comum e 55% das peças do Camry Hybrid são importadas e repassar um aumento de até US$ 2 mil ao consumidor seria inviável.
"Uma tarifa de 25% sobre as importações automotivas, que é apenas um imposto sobre os consumidores, aumentaria o custo de todos os veículos vendidos no país", afirmou a Toyota à imprensa americana.
Brasil é a saída?
Com estratégia global para os próximos cinco anos anunciada recentemente, a FCA é uma das empresas que tem muito a perder nesta situação. Para o futuro, a fabricante quer se consolidar apostando pesado em SUVs e picapes das marcas Fiat, Jeep e Ram, restringindo o número de carros de passeio de Alfa-Romeo, Maserati e Chrysler.
Apenas Jeep Wrangler e Cherokee, bem como os trucks da Ram são produzidos nos EUA. Do México vem o Compass. Renegade e Fiat 500X (Itália), 500 L (Sérvia), 124 Spider (Japão) e Ram Promaster City (Turquia) são todos importados de fora do Nafta.
Sozinho, o Renegade representa 2/3 das importações feitas pela FCA nos EUA em 2017 (mais de 103 mil unidades). Sozinho, o SUV vendido nos EUA corresponde a 58% da fabricação da unidade italiana de Amalfi. Com a sobretaxa de 25%, o preço do modelo de entrada saltaria de US$ 18.400 (R$ 70.800) para mais de US$ 21 mil (R$ 81 mil), ficando mais caro que o Compass.
Ou seja, uma mudança de preços como essa tornaria a venda de Renegade nos EUA inviável, reduzindo o faturamento da FCA americana. Mas, ao mesmo tempo, derrubaria a produção de toda uma fábrica da FCA Itália. No fim das contas, os dois efeitos formariam um baque gigantesco nas contas da FCA global. A aliança ítalo-americana importa 9% dos carros que vende nos EUA, enquanto GM conta com 6% de importados e Ford, 4%, aponta a "Bloomberg".
Como escapar dessa? A FCA pode focar em Compass e Cherokee (algo que não resolve o problema) ou mudar a origem do Renegade. É possível fabricá-lo no México, mas mudanças de linha são demoradas. Resta a alternativa de importá-lo não mais da Itália, mas do Brasil.
No começo da semana, o presidente da FCA América Latina, Antonio Filosa, foi questionado sobre a delicada questão norte-americana, mas deu respostas evasivas. As preocupações para a FCA local podem ser duas: primeiro, ainda não está claro se nosso país poderia ser incluído na lista de locais possivelmente taxados por Trump; por fim, abastecer um mercado como o norte-americano e ainda manter a liderança de vendas do segmento de SUVs aqui no Brasil pode ser algo complicado para a fábrica de Goiana (PE).
É uma situação semelhante àquela vivida pela Harley-Davidson (HD). Apesar de ser sinônimo de moto americana, a HD precisou diversificar sua produção para sobreviver: abriu fábricas na Austrália, Índia e Tailândia -- nos dois últimos, aponta o jornal "The New York Times", justamente para fugir de sobretaxas de importação. Tem também uma fábrica no Brasil. Seria uma chance para escapar da sobretaxa?
Complicado, uma vez que é a Europa o maior mercado da empresa fora dos EUA. No último ano, foram 40 mil motos vendidas por lá. Com isso, acabou enxugando a operação americana. Se a sobretaxa americana passar e se houver contrapartida dos outros países, a empresa pode perder dos dois lados e entrar no vermelho.
De acordo com a "Bloomberg", o Departamento de Comércio Norte-Americano está analisando as "implicações de segurança nacional" de veículos e componentes importados, o mesmo tipo de investigação que o governo Trump usou para justificar as sobretaxas de aço e alumínio. Fica o recado da Global Automakers: "a sobretaxa é maior ameaça à indústria automotiva dos EUA neste momento".
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