Anfavea: fabricar carro no Brasil custa 20% a mais que no México
Resumo da notícia
- Novo presidente da associação das montadoras defende reformas fiscal e tributária
- Anfavea divulga no dia 7 estudo sobre "custo Brasil"
- Executivo quer menos dependência da Argentina nas exportações
- Moraes: mesmo com menos imposto, preço ao consumidor só cai com mais produção
O economista Luiz Carlos Moraes, diretor de comunicação e relações institucionais da Mercedes-Benz, assumiu mês passado a presidência da Anfavea, a associação nacional das montadoras. O executivo tomou posse no momento em que a indústria automotiva brasileira passa por lenta recuperação, com grande capacidade ociosa nas fábricas e exportações em baixa.
Moraes aposta na reforma da Previdência para resolver o déficit fiscal e garantir a vinda de novos investimentos ao país. Ele também revela, em entrevista concedida a UOL Carros, que a Anfavea mantém conversas com o governo federal para ajudar a formatar a reforma tributária -- que poderá ser aprovada já neste ano, acredita.
"Nós vamos opinar e sugerir para que o setor não fique tão dependente de um sistema tributário caótico", avalia Moraes. Ele defende que o primeiro passo seja simplificar o que considera complexo demais e oneroso, para em seguida efetivamente reduzir a carga de impostos sobre os veículos fabricados aqui.
Essa seria uma das medidas cruciais para combater o que chama de "custo Brasil" e aumentar a competitividade frente a países como o México, que recentemente ganhou direito de exportar para cá sem limites por cotas, além de estar isento de tributação.
Custo Brasil x México
No próximo dia 7, inclusive, a Anfavea irá apresentar um estudo encomendado à consultoria PwC para comparar o custo de produção de um veículo no Brasil com modelo semelhante ou idêntico no México.
O executivo já nos adiantou uma das conclusões: fazer carro aqui é pouco menos de 20% mais caro que no país norte-americano, que tem acordo comercial com quase 50 países, contra 13 do Brasil -- e cujo maior parceiro automotivo são os poderosos Estados Unidos. Esse percentual não inclui impostos e outros custos.
Luiz Carlos Moraes também cita outros entraves à competitividade, como a retenção de créditos de ICMS de parte dos governos estaduais e a necessidade de buscar novos mercados para exportações, rompendo com a dependência da Argentina -- hoje nossa principal parceira comercial no setor automotivo. A grave crise econômica no país vizinho derrubou as vendas externas de veículos brasileiros, após recorde histórico registrado em 2017.
"O Brasil já está discutindo com Canadá, Coreia do Sul, Europa, África e Oriente Médio", afirma, salientando que as vendas externas tornam o país menos sujeito a "volatilidades" do mercado interno.
Mesmo cortando impostos, salienta, os preços ao consumidor final só cairão com aumento na produção. A base fabril de veículos hoje tem ociosidade de 40%, contra capacidade instalada de até 5 milhões de unidades/ano.
"O que vai trazer mais benefícios ao consumidor em termos de competitividade é o volume. Quanto maior for o volume, mais condições você tem de transferir o ganho de escala ao preço".
Confira a íntegra da entrevista, concedida à reportagem durante a 26ª edição da Agrishow, em Ribeirão Preto, que vai até esta sexta-feira (3) na cidade do interior paulista.
UOL Carros - Como você avalia a situação da indústria automobilística no Brasil no momento atual, em que você assume a Anfavea?
Luiz Carlos Moraes - Nos últimos anos, o Brasil passou por um momento muito difícil, o PIB caiu quase 7% e isso afetou diretamente a indústria automobilística. A taxa de juros subiu, a inflação subiu. A confiança do consumidor e a confiança do investidor caíram sensivelmente. A partir de 2017, nós estamos vendo uma pequena recuperação. Ainda não temos os 3,8 milhões de carros que vendemos em 2012, mas começamos a falar de crescimento.
Aparentemente, vamos ter crescimento constante. Dependendo ainda de alguns elementos importantes: as reformas que também defendemos, dentre elas a da Previdência, um tema difícil. Mas entendemos que, resolvendo o problema do déficit fiscal, que afeta o futuro do país, novos investimentos virão para o Brasil. Com uma boa comunicação, com uma boa explicação para a sociedade e para quem vai votar, a gente acha que terá um impacto muito importante para o país, e a indústria vem na carona.
UOL Carros - Nesse cenário, é factível a projeção da Anfavea feita no início do ano de alta de cerca de 12% nos licenciamentos de automóveis em 2019?
Luiz Carlos Moraes - Ainda é muito cedo para falar, mas sinalização é de crescimento nessa ordem de grandeza. Mais para o segundo semestre, se aprovar a reforma da Previdência, a gente pode ter uma reavaliação. Mas hoje a gente acha que é um número razoável. Lógico que é diferente por segmento: caminhões vão ter um crescimento maior, ônibus também, e carros, na média, devem subir cerca de 12%.
UOL Carros - E a reforma tributária?
Luiz Carlos Moraes - Na sequência, também queremos defender a reforma tributária. Achamos que hoje o sistema tributário, que foi construído nos últimos 50 anos, inibe de certa forma o crescimento do país. Isso vale para todos os setores, inclusive pessoa física. É muito complexo, muito burocrático, a carga tributária é muito alta. Tudo está errado na questão tributária. Além de apoiar as reformas da Previdência e tributária, mais do que isso a Anfavea quer sentar e colaborar com sugestões. Começando pela simplificação, paulatinamente. Esses são os principais desafios e nós queremos participar.
UOL Carros - Vamos falar de competitividade. Sabemos que a Anfavea encomendou um estudo à consultoria PwC Brasil em relação ao custo de manufatura de veículos no Brasil na comparação com o México, país com o qual temos acordo de livre comércio. O Brasil tem condições de ser competitivo frente ao México, que pode exportar veículos leves sem tarifas nem cotas para cá e já está acostumado a abastecer um mercado como o norte-americano?
Luiz Carlos Moraes - O que a Anfavea fez nesse estudo foi o seguinte: pegamos cinco empresas que produzem veículos no Brasil e fazem os mesmos modelos ou muito similares no México e entregamos os dados para a PwC, que os consolidou. Esse estudo, muito bem estruturado, que nós vamos apresentar na próxima semana, compara quanto custa produzir um veículo no Brasil e o mesmo veículo no México.
Como você mencionou, o México tem um parceiro comercial, os Estados Unidos, com volume de 17 milhões de carros por ano, e com certeza é o maior fornecedor para esse mercado. Além disso, tem cerca de 50 acordos comerciais com outros países e isso dá aos mexicanos muita oportunidade de compras mais atrativas e mais baratas. Nós temos 13, como Argentina, Paraguai e Colômbia, enquanto o México exporta para Europa e Estados Unidos. Eles têm fontes de fornecimento muito mais atrativas economicamente do que nós e mais escala. As condições de competitividade e negociação são muito diferenciadas.
No estudo, também analisamos custos tributários, mão de obra incluindo encargos sociais, logística e burocracia. Um exemplo: no Brasil, para você importar airbag precisa ter autorização de um órgão do governo, paga taxa. Então, você não tem só o custo da logística tradicional, que é liberar no porto, tem outras burocracias. É taxa aqui, taxa lá. Além do imposto de importação, você soma outros custos, fora o tempo, risco de parada de produção. A diferença no custo de produção é de quase 20% comparando com o México. Sem contar os impostos, o que vamos detalhar no próximo dia 7.
Hoje, para calcularem e pagarem imposto as empresas gastam uma energia muito grande que, no final do dia, significa recursos. Como temos um sistema tributário muito complexo e muitos impostos, diretos e indiretos, você tem uma estrutura enorme nas empresas para isso, incluindo profissionais e TI para calcular. É um investimento enorme em TI. E, ainda, você sempre tem questões interpretativas, como o ICMS, cada Estado tem seu regulamento.
A gente acha que esse dinheiro poderia ser mais bem gasto, em termos de pesquisa e desenvolvimento e nas novas tecnologias que nós temos pela frente.
UOL Carros - A redução nos impostos e na burocracia, por exemplo, tornaria os veículos mais acessíveis ao consumidor final?
Luiz Carlos Moraes - Acho que tecnologia vem por conta de segurança, mais conforto e mais conectividade. O que vai trazer mais benefícios ao consumidor em termos de competitividade acho que é o volume. Quanto maior for o volume, mais condições você tem de transferir o ganho de escala ao preço. Esse é um custo que nós brasileiros estamos pagando. Essa ineficiência tributária todos os setores têm.
UOL Carros - Com a concorrência de outros países, incluindo o livre comércio com o México, você vê risco de retirada de investimentos na indústria automotiva brasileira, de desaceleração na produção local?
Luiz Carlos Moraes - Nós, como Anfavea, queremos jogar o campeonato regional e a Champions League. Nós entendemos que, com os investimentos que temos aqui, precisamos ter mais volume sim, para uma indústria do nosso porte.
UOL Carros - Qual patamar de volume de produção seria necessário para a indústria automobilística local ser autossustentável?
Luiz Carlos Moraes - Nós já chegamos a 3,8 milhões e temos uma capacidade de mais de 5 milhões. Então a gente tem de buscar cobrir essa ociosidade, que é importante.
UOL Carros - Para ocupar essa ociosidade, a própria Anfavea já disse que o papel das exportações é essencial.
Luiz Carlos Moraes - Eu acredito particularmente que uma indústria do nosso porte precisa ter um mix entre mercado interno e exportação mais saudável. Tem empresas que acham que ter pelo menos algo entre 30% e 40% da sua produção destinada ao mercado de exportação é um número razoável. Tem gente que pode ter até mais. Porque se acontece uma volatilidade no mercado interno, isso faz parte, você tem outros mercados para compensar. Se a Argentina não está bem, você tem como compensar.
Então esse equilíbrio ajuda a indústria a ter uma produção menos sujeita às volatilidades. Você usa a variação de outros mercados para compensar. Esse é o objetivo.
UOL Carros - Como atingir esse objetivo?
Luiz Carlos Moraes - Não é só exportação de veículos. Nós podemos exportar também componentes, motores e agregados. Algumas montadoras já estão fazendo. Você pode também participar do planejamento global das montadoras. Às vezes você não vai produzir todos os modelos no Brasil, vai se especializar em um nicho ou um componente e exportar para outras fábricas.
Esse dinamismo da indústria automobilística é interessante. Você ter uma visão de plataforma global. Quanto mais produtos específicos você fizer, só para o Brasil, menos chances você tem de participar desse jogo global. É por isso que muitas estão procurando plataformas globais, justamente para você ter essa facilidade.
Nós temos praticamente todas as grandes montadoras de automóveis instaladas no Brasil, competimos entre nós aqui e é uma competição interessante. Toda a semana você tem feirão, taxas diferenciadas de financiamento. Então nós sabemos competir. O problema é que a gente compete aqui e na Argentina, que é um pequeno mercado, mas muito importante para nós. Queremos sair da "caixinha".
UOL Carros - No ano passado, a importante queda nas exportações, após recorde histórico em 2017, esteve diretamente ligada à crise econômica na Argentina, principal parceiro automotivo do Brasil. Como fugir dessa dependência?
Luiz Carlos Moraes - Você só tem dois jeitos: atacar o "custo Brasil", para ser competitivo, e fazer acordos bilaterais. Acertamos com a Colômbia, o Brasil já está discutindo com o Canadá, Coreia do Sul, comunidade europeia, África, Oriente Médio. Você tem que ter acordo comercial para facilitar.
UOL Carros - Por falar em exportações, como está a questão da retenção de créditos de ICMS? João Doria, o governador de São Paulo, anunciou recentemente que sua administração está trabalhando para acelerar a devolução desse dinheiro, que as montadoras pagam no processo de produção, mas não recuperam quando a venda é para outros mercados.
Luiz Carlos Moraes - Esse é outro exemplo de como o sistema tributário provoca essa falta de competitividade. Eu tenho uma indicação da Anfavea que acima de 30% de exportação você já começa a incorrer em saldo credor. O que é um caos.
Você está querendo exportar, gerar mais emprego, gerar mais negócio, cobrir essa ociosidade, porque o mercado interno ainda não está bom o suficiente. Aí você resolve um problema e cria outro, que é o saldo credor. Saldo credor é como você fazer seu imposto de renda, ter um valor a restituir e você não ter nenhuma noção de quando vai receber esse dinheiro de volta. Quando recebe, é sem correção. E continua pagando imposto.
Estimativa preliminar aponta que, dentre impostos federais e estaduais, a indústria tem cerca de R$ 13 bilhões para receber no Brasil. Somente em São Paulo, são aproximadamente R$ 7 bilhões. Como cidadão, reconheço que a situação fiscal dos estados está complicada, é uma coisa que os novos governadores herdaram, mas a gente tem de resolver. Vamos sentar, vamos conversar e negociar para tentar encontrar um mecanismo de recuperação o mais rápido possível desses créditos.
UOL Carros - Aqui em São Paulo a situação dos créditos de ICMS já avançou?
Luiz Carlos Moraes - Já estamos em conversas com o governo, mas tem de acontecer. Como você sabe, nós temos o Rota 2030, que definiu o volume de investimentos em eficiência energética, emissões e segurança. Nós temos um volume de investimentos para ser feito nos próximos dez, 15 anos enorme. E nós vamos fazer. O que nós não podemos é ter dinheiro parado e não remunerado e pedir dinheiro para a matriz. Não funciona assim.
Nossa função, como Anfavea, é provocar essa discussão e negociar com os estados e governo federal um sistema tributário que resolva. O que é possível resolver no curto prazo vamos resolver, mas nem tudo será resolvido este ano.
UOL Carros - Imagino que a reforma tributária esteja entre as coisas que não serão resolvidas este ano.
Luiz Carlos Moraes - Olha, a gente pode se surpreender. Passando a reforma da Previdência, o governo federal já tem proposta na mesa e nós já estamos participando, vendo as alternativas e propostas. Nós vamos opinar e sugerir para que o setor não fique tão dependente de um sistema tributário caótico. Primeiro começa pela simplificação e na sequência a redução na carga tributária, que é o objetivo do ministro Paulo Guedes (Economia). Entendemos que ele está na direção correta.
*Viagem a convite da Anfavea
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