Sobre cadeirinha, especialistas veem retrocesso e "redação ruim" em projeto
Resumo da notícia
- ONG avalia que proposta mantém infração gravíssima para transporte irregular
- Das crianças que morrem hoje no trânsito, 40% são ocupantes de veículos
- Qualquer flexibilização está "totalmente equivocada", diz estudioso
A proposta apresentada pelo governo federal de não mais aplicar multa a motoristas que transportarem crianças sem os dispositivos de retenção adequados ou fora do banco traseiro está "totalmente equivocada" e representa um retrocesso, de acordo com especialistas consultados por UOL Carros.
Além disso, há a avaliação de que o projeto de lei com essas e outras mudanças no CTB (Código de Trânsito Brasileiro), apresentado na última terça (4) à Câmara dos Deputados pelo presidente Jair Bolsonaro, tem redação "ruim". Especialmente no que se refere ao uso das "cadeirinhas", dando margem a interpretações quanto às punições previstas no projeto -- que precisa ser aprovado pelos deputados federais e senadores.
A parte do texto relativa ao transporte de crianças em veículos se limita a dizer que "a violação do disposto no Artigo 64 [do CTB, que trata do tema] será punida apenas com advertência por escrito" -- no entanto, Bolsonaro afirmou em entrevista veiculada anteontem (5) no "Jornal Nacional" que "continua valendo a infração para pontuação, apenas tirei o dinheiro. Vamos ver se o pessoal vai começar a multar como multa. Ou é apenas a multa pela multa?".
Margem para interpretações
Para o Observatório Nacional de Segurança Viária, a questão da cadeirinha é "um dos pontos que necessita ser amplamente debatido, diante da redação ruim", avalia Renato Campestrini, gerente técnico da ONG.
Na interpretação do especialista, o projeto de lei não revoga o Artigo 168 do CTB, outro que aborda o assunto -- portanto, o transporte irregular de crianças continuaria uma infração gravíssima, que hoje impõe multa de R$ 293,47 e sete pontos no prontuário da CNH (Carteira Nacional de Habilitação).
Campestrini diz, ainda, que a refererida advertência por escrito descrita no projeto seria aplicável apenas para infrações de natureza leve ou média, algo previsto no CTB, como uso de equipamento de retenção inadequado. "A advertência por escrito se aplicaria, por exemplo, quando uma criança que deveria estar na cadeirinha e está em um assento de elevação. Certo é que qualquer proposta que flexibilize o transporte de crianças no interior do veículo está totalmente equivocada".
De acordo com o Observatório, das crianças que morrem hoje no trânsito do Brasil, 40% são ocupantes de veículos. "Essa é a principal causa de morte desse público", complementa.
Os incisos 1 e 2 do novo Artigo 64 proposto pela gestão Bolsonaro preveem, respectivamente: que as crianças "com idade até sete anos e meio serão transportadas nos bancos traseiros e utilizarão dispositivos de retenção adaptados ao peso e à idade; com idade superior a sete anos e meio e inferior a 10 anos serão transportadas nos bancos traseiros e utilizarão cinto de segurança".
"Fiscalizar equipamento é inviável, mas pior é não multar"
Para Eduardo Biavati, pesquisador especializado em segurança e educação no trânsito, fiscalizar o tipo de equipamento de retenção e se ele está de acordo com a idade da criança hoje é algo "inviável", mas pior é não aplicar multa nenhuma.
"A fiscalização dessa questão crucial das cadeirinhas, que é um dos mecanismos de segurança mais eficientes que existem, é quase impossível. Porque é muito difícil, os próprios pais não sabem, é muito difícil escolher o tipo de cadeirinha, as crianças são diferentes. Ninguém vai fiscalizar se a idade está correta para o tipo de aparelho que está sendo usado. Nunca foi viável, mas é perfeitamente viável penalizar aquele pai ou mãe motoristas quando não há cadeirinha nenhuma", opina.
"Pergunto: em que essa medida promoverá a proteção das vidas das crianças?", prossegue. Biavati destaca que hoje o Brasil é o quarto país no mundo, dentre 178 nações, que mais mata gente no trânsito, com cerca de 40 mil vítimas fatais por ano. "Uma situação vergonhosa".
Ele aponta que o Brasil vai chegar a maio de 2020, segundo projeções do Ministério da Saúde, com uma redução de 10%, 11% no total de mortos registrado em 2011.
"Essa mudança na legislação afrouxa os avanços que nós obtivemos muito demoradamente. Basta pontuar a questão da cadeirinha. Na prática, tornou-se figurativo, trouxe uma opção para pais e mães usarem a cadeirinha. Na pior das hipóteses, você vai receber um papel escrito, que não leva a nada, nem sequer uma multa, uma penalidade financeira", finaliza.
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