Especialistas avaliam simulador: "Lei Seca ajuda mais; game dos anos 90"
Resumo da notícia
- Governo determinou que equipamento será facultativo
- Especialistas divergem sobre relevância do simulador
- ONG defende uso como parte da formação do motorista
- Blogueiro avalia que não há comprovação da sua eficácia
A decisão do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) de acabar dentro de 90 dias com a obrigatoriedade do simulador para a formação de condutores divide a opinião de especialistas ouvidos pela reportagem.
Para Fernando Calmon, blogueiro de UOL Carros, a eficácia do equipamento não é comprovada e a decisão do Contran, vinculado ao governo federal, é benéfica por reduzir a burocracia e os custos para tirar a CNH. "[Simulador] pode até ajudar, mas não há estudos conclusivos. A redução nas mortes no trânsito no Brasil está muito mais relacionada à Lei Seca".
Já Eduardo Biavati, especializado em educação e segurança no trânsito, diz que o simulador não contribui de "maneira tão importante para uma formação melhor" e é "nada convincente". "É tipo um videogame dos anos 90".
A decisão do Contran foi comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais:
Por sua vez, o ONSV (Observatório Nacional de Segurança Viária), ONG especializada em estudos relacionados ao tema, avalia que tornar facultativo o uso do equipamento não garante redução nos preços aos futuros condutores.
Além disso, destaca que o simulador de condução é um elemento complementar importante para formação de novos motoristas e que a decisão do Contran deveria ser feita de "forma franca e embasada, livre de ideologias".
Confira o que cada especialista diz a respeito do tema.
Fernando Calmon, blogueiro de UOL Carros
"Ficou razoavelmente equilibrado do jeito que está proposto, com eliminação de burocracia e custos. Dizem que o jovem não quer mais dirigir, mas muitos não podem pagar para ter a CNH. É importante a pessoa poder optar pelo que cabe no bolso dela", avalia.
Para o jornalista do setor automotivo, "é difícil provar até onde o uso de simuladores reduz a quantidade de acidentes. Não há resultados conclusivos nem relação de causa e efeito no curto prazo. Pode até ajudar, mas não dá para saber", analisa.
Para Calmon, a redução de pouco mais de 20% no número de mortes no país registrada em 2017, na comparação com 2011, com base em dados do Ministério da Saúde, é motivada sobretudo às blitze de Lei Seca -- e não ao uso dos simuladores. Naquele ano, o país teve pouco mais de 34 mil vítimas fatais.
Em 2011, o governo brasileiro aderiu à Década de Ação pela Segurança no Trânsito, proposta pela ONU, na qual se comprometeu a cortar pela metade os óbitos relacionados ao tráfego.
Observatório Nacional de Segurança Viária
Para a ONG, retirar o uso dos simuladores a fim de cortar custos terá o mesmo efeito que a medida que permite apenas uma bagagem de mão por passageiro de voo, medida cuja promessa era diminuir o custo das passagens aéreas, "o que não aconteceu".
"O governo estima que a retirada das aulas no simulador vai reduzir em 15% os custos para o cidadão, porém não há como fiscalizar que essa redução será realmente aplicada nos valores hoje cobrados, já que cada CFC (Centro de Formação de Condutores) cobra preços de acordo com seus custos. Há variações entre 20% e 30%", critica José Aurélio Ramalho, diretor-presidente da ONG.
Segundo o dirigente, o uso do simulador, dentro de um programa didático pedagógico, foi desenvolvido por mais de três anos com a participação de todos os entes interessados no tema e após "dezenas" de reuniões de câmaras temáticas do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e audiências públicas. "O simulador é parte integrante de uma engrenagem, e não uma ferramenta isolada", salienta.
"Pedimos ao governo federal que o debate seja feito de forma franca e embasada, livre de ideologias e, principalmente, desprendido de ressentimento, onde não há um vencedor", conclui.
Eduardo Biavati, especialista em segurança no trânsito
"Com o simulador, a intenção é complementar a formação com situações mais realistas de perigo, se elas fossem realistas. Não sou partidário [do simulador], a não ser que fosse bem feito. Mas é nada convincente, é tipo um videogame dos anos 90. É ruim, especialmente para a primeira habilitação, porque são pessoas jovens. Francamente, qualquer um desses jogos eletrônicos de carro atuais é muito melhor, mais realista, mais convincente", diz Biavati
Para ele, não dá para dizer que o equipamento foi "uma adição inútil", mas também "não dá para falar que tenha contribuído de uma maneira tão importante para uma formação melhor".
"Não é bem o número de horas, não é bem o simulador que vão fazer a diferença por uma boa formação de condutores. O problema vem de antes. Os instrutores dos CFCs sabem que não dá para corrigir ali uma falta de um aprendizado que vem de anos. Jovens hoje vão aprender a dirigir e nem sabem a regra. Noção de cidadania tem de aprender na pré-escola e não na autoescola".
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