Ford sabia de problemas de câmbio Powershift de Fiesta e Focus, diz jornal
Resumo da notícia
- "Detroit Free Press" diz que engenheiros alertaram sobre problemas, mas foram ignorados
- Marca teria orientado revendas a informar clientes que não havia problema no câmbio
- Ford afirma que clientes "não estavam acostumados" com transmissão
A Ford tinha consciência dos problemas do câmbio automatizado Powershift, mas decidiu lançá-lo mesmo assim. É o que afirma uma reportagem publicada pelo jornal "The Detroit Free Press".
A publicação aponta que vários engenheiros da marca alertaram que o desenvolvimento da transmissão ainda não estava concluído e alertaram sobre problemas na embreagem dupla da caixa que equipava Focus e Fiesta (dois modelos que, curiosamente, saíram de linha no Brasil neste ano). Mesmo assim, eles teriam sido ignorados pela alta cúpula da fabricante, que resolveu lançá-la em 2011.
Avisos inúteis
Documentos obtidos pelo jornal apontam que engenheiros da marca identificaram falhas de funcionamento. Em 31 de agosto de 2010 (ou seja, seis meses antes do Focus 2012 chegar às ruas), o engenheiro de desenvolvimento de produto, Tom Langeland, informou a colegas e supervisores a existência de "vibrações intensas após o arranque" que "não desapareciam mesmo após muitos quilômetros rodados".
"Não conseguimos entregar uma calibragem adequada para condução que possa ser aplicada na produção em série. A entrega de torque da embreagem PRECISA SER MELHORADA", escreveu Tom, em letras maiúsculas para ressaltar o problema.
Em fevereiro do ano seguinte, um mês antes da estreia do Focus, Craig Renneker, então diretor de engenharia de motores e transmissões, procurou Richard Bonifas, gerente de serviço ao consumidor na fábrica de Wayne, em Michigan - onde os carros estavam sendo produzidos.
"O Focus 2012 equipado com a transmissão DPS6 (código para identificar a caixa Powershift) pode apresentar vibrações e trepidações após a partida do motor ou quando o veículo está desacelerando para parar completamente. Entregue os veículos do jeito que eles estão e continue nossos esforços para arranjar uma solução permanente assim que possível", escreveu.
Enxurrada de queixas
Reclamações não demoraram a surgir. O NHTSA, órgão responsável por regulamentar a segurança viária dos Estados Unidos, recebeu milhares de queixas logo após os lançamentos dos hatches. De acordo com o "Detroit Free Press", cerca de 4.300 reclamações foram registradas, sendo a maioria delas relacionadas a um problema no qual o câmbio mudava para ponto morto repentinamente.
Há ainda vários relatos de problemas de aceleração, seja por falta de resposta ao pisar no pedal ou até aceleração repentina - a ponto de fazer o carro avançar em um cruzamento e causar um acidente grave.
O jornal afirma que, durante os cinco anos seguintes, a Ford alegou que estava tentando encontrar uma solução. Ao mesmo tempo, a empresa orientava concessionárias a dizer aos clientes que não havia qualquer tipo de problema com o câmbio Powershift. Tudo isso enquanto vários documentos circulavam pelos corredores da empresa alertando sobre os riscos à segurança dos passageiros.
Em 24 de março de 2017, um processo foi aberto contra a Ford, com base em queixas de 1,9 milhões de antigos ou atuais proprietários dos modelos Focus de 2012 a 2016 e Fiesta de 2011 a 2016, todos equipados com a transmissão de dupla embreagem. A fabricante propôs um acordo de US$ 35 milhões, rejeitado dois meses depois por ter sido considerado "favorável demais" à Ford.
Ford classifica falhas como "desafios", mas assume erro
Procurada pelo jornal, a marca afirmou que as conversas durante o desenvolvimento do câmbio foram "normais" e giravam em torno de "desafios recorrentes em tecnologias inéditas e inovadoras". A fabricante também disse que muitos clientes não estavam acostumados com a sensação de dirigir um veículo com transmissão de dupla embreagem.
A Ford, porém, admitiu a existência de problemas no funcionamento do câmbio e ressaltou que "outros problemas foram desenvolvidos após a transmissão estar nas ruas", garantindo que agiu de forma "rápida e determinada" para investigá-los. A montadora afirmou ainda que "embora tenha resolvido problemas de qualidade, as soluções foram mais complexas e levaram mais tempo do que esperávamos".
E no Brasil?
Donos de Fiesta e Focus vivem uma relação de amor e ódio com o câmbio Powershift. De toda maneira, várias reclamações já foram feitas ao Procon contra a Ford. Em comunicado emitido em 2016, a entidade afirma que "centenas de reclamações em redes sociais, matérias na imprensa e registradas no próprio Procon" foram recebidas nos últimos meses.
As queixas giravam em torno de mau funcionamento do câmbio, causando trepidações excessivas, ruídos e, em casos extremos, até superaquecimento. De acordo com os relatos, os veículos sofriam perda de torque em aclives e até travamento das marchas. Desgaste prematuro da embreagem era outra queixa recorrente.
Em resposta protocolada junto ao Procon, a Ford informou que um vazamento de fluidos da transmissão (que precisa ser umedecida) para a embreagem (que trabalha a seco) é a causa do problema em veículos das linhas 2013 e 2014 e que, por isso, fez alterações que levaram à nova geração do câmbio Powershift.
Entretanto, a empresa descartou a necessidade de realizar um recall, alegando que a falha "não gera riscos à segurança dos usuários, tanto que nenhum acidente com vítimas por conta do problema foi constatado". A montadora ainda desmentiu alguns clientes afirmando que "não há perda de força motriz".
Na ocasião, a fabricante disse ter resolvido os problemas a partir da linha 2015, ao acoplar um novo vedador de fluorcarbono ao sistema. Para os carros que apresentaram defeito, a marca informou que estenderia a garantia do câmbio de três para cinco anos - ou 160.000 quilômetros rodados. Caso um automóvel dentro da atual garantia tivesse alcançado tal quilometragem, ele teria direito à troca da embreagem sem custos.
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