Como Volkswagen quer limpar imagem e eliminar carros a combustão até 2050
No Salão de Frankfurt de 2019 a Volkswagen apresentou seu primeiro modelo totalmente elétrico. O primeiro de uma família de elétricos em um espaço inteiramente dedicado a mostrar um fabricante focado em zerar a emissão de poluentes. Uma diferença gritante do espaço tímido da última edição, em 2017, ainda na esteira do escândalo do dieselgate.
Em setembro de 2015, curiosamente logo depois das apresentações o salão daquele ano, foi revelado que a Volkswagen fraudou testes de emissões de poluentes em seus motores a diesel, o que levou a prisões de executivos do grupo, multas e enormes prejuízos financeiros e à imagem da marca.
Jürgen Stackmann, membro do conselho administrativo da Volkswagen para Vendas e Marketing, contou à UOL Carros como essa mudança foi conduzida dentro da empresa. Em uma entrevista aberta e franca sobre os erros do passado, algo impensável nos tempos mais rígidos e centralizados que levaram a VW ao dieselgate, uma das vozes mais ativas no conselho da gigante alemã da indústria automobilística também revelou os planos para o futuro, onde o Brasil tem papel de destaque.
"No meio de outubro de 2015, o novo conselho de administração se reuniu para discutir o futuro da marca e as direções estratégicas e como resolver os problemas operacionais", conta Stackmann. "Um grupo simples não muito maior que este aqui", lembra o executivo, referindo-se ao cerca de dez jornalistas recebidos para a entrevista, "decidiu por por duas direções: parar com isso, à frente com aquilo".
O "isso" era o diesel e "aquilo" era a eletrificação. O novo conselho decidiu interromper uma série de projetos em andamento, incluindo todos envolvendo propulsão a diesel.
A medida atingiu tanto projetos de longo prazo quanto produtos que já estavam para sair. A avaliação era de que eles não faziam parte do novo futuro da VW, não estavam em linha com a nova direção. A interrupção destes projetos permitiu, mesmo em meio a crise da empresa, poupar uma qualidade de dinheiro e a direção da empresa decidiu colocar esse valor na eletrificação.
"Não havia, na época, nenhuma solução técnica para veículos elétricos. Naquele momento, nós dissemos 'nós encontraremos uma' e dedicamos um bilhão de euros para essa plataforma", conta Stackmann. "Nós chamavamos de plataforma modular elétrica, mas não existia uma plataforma modular elétrica naquele tempo. No entanto, nós entendemos a ideia: tem que ser modular, tem que ser uma plataforma para muitos mercados, para muitas regiões, e tem que ser totalmente elétrica", completa.
A MEB, sigla em inglês para plataforma modular de elétricos, é a base do ID.3, estrela da marca no salão. O próximo veículo a utilizá-la é um SUV, que surgiu camuflado na mostra. Também estão previstos um sedã e um veículo comercial, sempre seguindo os protótipos já apresentados da família ID.
"O que começou como uma ideia, compartilhada em um pedaço de papel em outubro de 2015, se tornou um plano de investimento de 9 bilhões de euros só para a marca Volkswagem, com tecnologias para modelos elétricos, fábricas só para elétricos e adaptação dos fornecedores a essa realidade", afirma Stackmann.
"As direções foram tomadas e foram três anos e meio de trabalho. O que vocês estão vendo aqui no Salão deste ano é, basicamente, o resultado do trabalho realizado desde aquela data", resume.
Marca venderá apenas elétricos
Dentro dessa mudança de rumo, a Volkswagen anunciou, no começo do ano, um compromisso com o Acordo de Paris, que estabelece metas para conter as mudanças no clima. A atitude é incomum entre fabricantes de veículos.
"Não podemos assinar o acordo, porque não somos um país. Nós assinamos as metas. É um compromisso da companhia com o mundo exterior, que é o mais rígido que você pode ter porque vocês vão julgar se nós estamos no curso ou não. Há hoje uma preocupação na empresa sobre qual o caminho que deixaremos para a próxima geração seguir", explica Jürgen Stackmann.
Dentro deste compromisso, a Volkswagen decidiu eliminar toda a emissão de CO2 de seus veículos até 2050, nas ruas e na produção. Até está data, a montadora planeja vender apenas modelos elétricos e alterar os processos de produção nas suas fábricas e em seus fornecedores parceiros.
"É drástico. Todos os carros rodando com o logotipo Volkswagen pelo mundo, 50 milhões, esses carros emitem, incluindo produção, entorno de 1% do CO2 produzido pelo homem", avalia o executivo.
O ID.3 inicia a descarbonização da VW. A fábrica do modelo, a produção das baterias, os fornecedores adotam processo sem emissão de CO2 e energia elétrica gerada de forma limpa. A fabricante promete que o ID.3 será o primeiro veículo efetivamente com uma pegada de carbono zero, sem emissões da produção até a rodagem.
A rede de recarga instalada no país, em parceria com outras empresas, também adota a chamada "green energy". O objetivo é que o cliente compre o ID.3 feito sem poluição e continue dirigindo com zero emissões. Segundo Stackmann, essas alterações serão adotadas gradativamente em todas as fábricas e fornecedores VW quando possível, incluindo no Brasil.
"Não somos um país, não somos uma nação, mas temos responsabilidade para tomar e o plano é mover esse 1% de CO2 produzido pelo homem para 0 até 2050. Não vamos salvar o mundo. Não podemos salvar o mundo como empresa. Mas podemos fazer nossa parte para fazer o futuro sustentável. Esse é nosso plano", conta.
Brasil é peça chave na estratégia
Junto com a mudança do diesel para o elétrico, a Volkswagen também optou por descentralizar a tomada de decisão, concedendo maior autonomia ao times locais.
"A VW era muito muito central. Neste modelo de administração, algumas vezes você acerta, algumas vezes você está terrivelmente enganado. Hoje, ainda temos debates estratégicos, mas as principais decisões são feitas localmente. Confiamos nas equipes e em fortes lideranças nas regiões", explica Stackmann.
Este novo processo tem ampliado o espaço do Brasil na estratégia da empresa. Conforme antecipado pelo UOL Carros, um SUV cupê desenvolvido pelo time brasileiro que chega em maio de 2021, também será fabricado na Espanha para venda na Europa (). No total, três modelos criados pela VW Brasil serão globais, incluindo um SUV de porte médio "ousado".
"Nós simplesmente amamos a energia que está vindo da América do Sul. É a primeira vez que o design brasileiro efetivamente chega até a Europa. E mesmo o modelo que virá depois desse, que eu pessoalmente adoro mais ainda, é 100% puro espírito sul-americano", revela.
A descentralização das decisões também levou a uma interlocução mais constante entre a direção e os times locais, facilitando a apresentação de propostas. De acordo com Stackmann, há três anos e meio, uma visita do conselho durava o tempo do voo de ida, cinco horas, jantar e o voo de volta no dia seguinte. Agora, são frequentes as visitas na área de design e desenvolvimento, onde três ou quatro modelos em andamento são apresentados pelo próprio time do Brasil.
"Isso tem propagado a nossa energia. As pessoas estão animadas com ideias, força e criatividade que vem da América do Sul. Essa energia para a marca, você não consegue fazer a partir da Alemanha. É impossível. Você precisa de times locais fortes que fazem o trabalho por você", diz.
Além de elogiar o recente crescimento nas vendas dos times locais, o executivo também destacou a capacidade dos times sul-americanos em se adaptar e enfrentar dificuldades. Os mercados da região são vistos pela matriz como uma montanha russa, que alterna momentos de crescimento com crises repentinas, movimentos que ocorreram no Brasil e, atualmente, se aprofundam na Argentina.
"Me ensina, pessoalmente, após 30 anos na indústria automobilística como as pessoas podem lidar com esses desafios. Europeus desabariam imediatamente. A pressão que eu vejo no time [argentino] agora, a maioria dos europeus desabaria. O espírito de lidar com desafios é muito diferente e eu, pessoalmente, tenho aprendido muito com os times", avalia.
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