A estranha história do mexicano que quer fazer Lamborghini no Paraguai
Resumo da notícia
- Joan Fercí é CEO da Lamborghini Latinoamérica e quer fazer superesportivo elétrico
- Empresário adquiriu direitos da marca Lamborghini em meados dos anos 90
- Atual dono da marca italiana, Grupo Volkswagen promete processar Fercí
Jorge Antonio Fernández García é um empresário que ganhou notoriedade na comunidade de fãs de superesportivos.
Mas sua fama não foi alcançada por conta do sucesso de suas empresas, e sim por um discurso surreal. Garcia quer fabricar uma Lamborghini (elétrica) no Paraguai.
Por trás do discurso está uma história nebulosa. Antigo fornecedor da Chrysler no México, o empresário (que é conhecido na indústria automotiva como Joan Fercí) procurou representantes da marca em 1996, dois anos após a venda da Lamborghini para um fundo de investidores da Indonésia.
A intenção de Fercí era virar importador oficial da marca no mercado mexicano. Mesmo sem atingir seu objetivo, ele saiu com algo maior em mãos.
"Foi assim que assinei um contrato com Robert Braner, que era presidente da Lamborghini nos EUA, e Michael Kimberley, presidente da Automobili Lamborghini, para montar o Diablo no México. Não foi muito difícil chegar a um acordo, pois eles não se interessavam muito por este mercado, e me cederam os direitos de uso da marca na América Latina por 99 anos. Naquele período montei 23 Diablos, dos quais 20 foram vendidos para os EUA e os três restantes foram para a Itália mesmo", contou, em entrevista ao site "Argentina Autoblog".
Autorização concedida
Em 24 de julho de 1998, a Lamborghini SpA foi adquirida pela Audi AG, reforçando o time de marcas de luxo do Grupo Volkswagen, atualmente composto também por Porsche, Bentley e Bugatti. Parecia o fim da linha para Fercí.
Mas a transação não intimidou o mexicano - muito pelo contrário. Em 1998, o empresário fez uso do artigo 13 do acordo firmado com os representantes da marca dois anos antes, no qual a Lamborghini Latinoamérica (nome da empresa fundada por Jorge) é autorizada "a fazer seus próprios redesenhos dentro do território de México e América Latina".
Na prática, isso significa que o mexicano poderia customizar veículos e vendê-los com a marca Lamborghini. Essa permissão faz dele um caso totalmente diferente das empresas que foram processadas por fazer réplicas (não autorizadas) dos superesportivos no Brasil.
Projetos que nunca vingaram
Assim surgiu o Eros, revelado na forma de um protótipo em 2000. Baseado no Diablo, ele teve o motor V12 retrabalhado para render 635 cv, atingindo a velocidade máxima de 385 km/h.
O estilo marcante do projeto original de Marcelo Gandini foi substituído por linhas rebuscadas, especialmente na traseira, onde há espaço para um esquisito extrator dividido em três partes - que deixa o carro parecido com um antigo Batmóvel.
O projeto, porém, foi um fiasco: apenas três unidades foram produzidas na Argentina, sendo que uma delas foi rebatizada como Coatl (palavra asteca para "serpente"), fugindo da tradição da Lamborghini de aproveitar nomes de touros em suas criações. Um dos carros teria sido enviado para a Bélgica, enquanto o outro foi para a Alemanha. E o terceiro exemplar fica guardado em uma garagem na capital portenha, de onde sai apenas para participar de eventos de carros antigos.
Anos depois, a Lamborghini Latinoamérica revelou o Alar 777. Novamente feito sobre a base do Diablo, ele trazia o mesmo V12, mas com cilindrada aumentada para 7,7 litros. A potência também foi incrementada para 777 cv. A empresa afirmava que o superesportivo acelerava de 0 a 100 km/h em 3,6 segundos e atingia a velocidade máxima de 410 km/h.
Assim como o Eros/Coatl, o Alar tinha design controverso, abusando de contornos exagerados. Uma unidade foi exibida em Buenos Aires (Argentina) e até ficha técnica foi divulgada, mas há notícias de que apenas uma unidade teria sido produzida.
Diante do insucesso, o designer do Alar, Ariel Casariego, deixou as pranchetas de lado e se aventurou em uma bizarra carreira de lutador de luta livre (!) em um programa de televisão, onde faz o papel de um lenhador russo.
Idas e vindas
Desde então, o empresário já anunciou que produziria carros no Uruguai e na Argentina, mas nada de concreto aconteceu além disso. E a história foi ficando cada vez mais esquisita.
Em 2014, a empresa se aproveitou da aprovação de uma lei argentina que autorizava a homologação de veículos artesanais (os populares fora-de-série) e anunciou que produziria superesportivos na Argentina. Em entrevista ao diário "Tiempo Argentino", Joan disse que a produção local poderia gerar de 5 a 8 mil empregos.
O mexicano também afirmou que estava trabalhando em conjunto com a Aciara, a Associação de Construtores Independentes de Automóveis. Os membros da entidade, porém, prontamente divulgaram uma nota na qual negam ter qualquer relação com a empresa de Fercí, revelando ainda que o empresário não faz parte da associação.
Em 2016, a Lamborghini Latinoamérica anunciou que exibiria um novo conceito chamado L.A Vision durante o Autoshow El Garage, realizado no pavilhão La Rural, em Buenos Aires. O projeto exibido exaustivamente nas redes sociais era assinado por um designer japonês chamado Daisuke Iguchi, e não lembrava em nada os modelos anteriores. Era um típico supercarro com linhas agressivas e bem equilibradas.
Os visitantes, porém, se depararam com o velho conhecido Alar, agora rebatizado como Centurión.
No começo de 2018, Fercí colocou à venda seu Diablo SE VT 1992, que por anos serviu como chamariz para sua empresa em eventos na Argentina e Bolívia. Equipada com um motor 5.7 V12 de 530 cv, ela foi anunciada por US$ 740 mil. O comprador, no entanto, precisaria arcar com os custos da documentação para rodar em solo argentino, elevando a conta para US$ 980 mil.
A útlima cartada do mexicano aconteceu em setembro deste ano, quando Fercí se reuniu com o presidente do Paraguai, Mario Abdó.
Na ocasião, o empresário disse que o governo paraguaio está disposto a "analisar a possibilidade de construir um centro de pesquisa e desenvolvimento com qualidade Lamborghini, no intuito de desenvolver novas tecnologias e exportá-las para várias partes do mundo". Terminou assegurando que o objetivo da Lamborghini Latinoamérica é trabalhar para o desenvolvimento "da indústria automotiva elétrica".
E a Volkswagen?
Atual dono da Lamborghini, o Grupo Volkswagen sabe da existência da Lamborghini Latinoamérica há alguns anos, mas pouco fez até agora contra Fercí.
"Participei de reuniões em Nova Iorque com os advogados da Lamborghini e eles foram muito amáveis comigo. Não tenho nada a ver com a Itália, mas tenho os direitos do nome e um contrato (de uso da marca) de 99 anos. Preciso focar nos meus projetos, até porque agora me restam pouco mais de 90 (anos)", ironizou o empresário.
Recentemente, a Lamborghini se pronunciou sobre as atividades de sua "filial" latino-americana após ser procurada pelo site "Autoblog Argentina".
"A Automobili Lamborghini S.p.A tomou conhecimento de que o senhor Jorge Antonio Fernandez Garcia, também conhecido como 'Joan Fercí', se reuniu com o presidente do Paraguai, Mario Abdó Benitez, para conversar sobre o desenvolvimento e produção de um veículo elétrico com a marca Lamborghini. A Lamborghini não tem conhecimento de nenhum tipo de negócio relacionado com entidades na América Latina ou com o senhor Garcia e não tem intenções de produzir automóveis no Paraguai. A Lamborghini, inclusive, está prosseguindo com um processo judicial nos Estados Unidos e na Itália contra o senhor Garcia por conta do uso indevido e sem autorização da marca Lamborghini e seus produtos registrados", diz a nota assinada por Gerald Kahlke, diretor de comunicação da fabricante de Sant'Agata Bolognese.
Enquanto isso, a Lamborghini Latinoamérica continua com seus negócios. O mais recente deles é uma criptomoeda supostamente criada para viabilizar o desenvolvimento do L.A. Vision - que agora tem até um SUV, nitidamente inspirado no Urus.
Resta saber qual será o desfecho desta história, e se um dia veremos algum Lamborghini fabricado na América Latina. Fercí realmente comprou os direitos da marca em meados dos anos 90. Mas, ao que tudo indica, tudo não passará de uma utopia do empresário mexicano
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