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Suzuki Jimny Sierra tira 20 anos de atraso, mas cobra (caro) por isso

João Anacleto

Colaboração para o UOL

23/10/2019 11h00

"Mais vale um jegue que me carregue que um camelo que me derrube". A frase, que serviu de refrão cantado em coro pela Imperatriz Leopoldinense no título do carnaval carioca de 1995, vale como prelúdio ao que o Jimny sempre foi. Rústico, simples e eficiente, ele cativou mais de 3 milhões de pessoas ao redor do planeta desde 1970.

A chegada ao Brasil em 1998 trouxe a opção mais barata possível para que um gerente de banco virasse jipeiro do dia para a noite, sem precisar se valer do cargo para contrair financiamentos obscenos para a sua renda. O tempo passou, e muitos foram felizes com o jipinho, que ganhou a alcunha de "SUV 4x4" nos últimos anos para entrar na moda.

Mas 20 anos é muito tempo. Nas clínicas com clientes a Suzuki identificou que, apesar das declarações de amor que o carro recebe de quem compra, havia uma relação, em alguns casos, abusiva. Absurdos do tipo "tenho um, mas o levo numa plataforma para viajar, não da pra ir guiando mais de 300 km", contou um fiel comprador.

Algo excêntrico demais para quem veio com a missão de ser o 4x4 mais acessível do mundo há 49 anos, no verão oriental de 1970. Isso até em um mercado de nicho, como o dele, e para quem competiu com o brutamontes Troller T4, levando vantagem nas vendas. O Jimny passou a vida fazendo quase tudo que o T4, de R$ 140.900, faz, mas ao preço de R$ 74.490. Só que cabine apertada, a suspensão dura demais e a falta de câmbio automático davam o tom de algumas desistências.

Classe G, Defender, Hummer

Jimny - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

O Sierra 2020 - nome dado no Brasil, por ainda ter de conviver com o Jimny de 1998 que é produzido aqui - agora dá um passo além. E não estou aqui para compará-lo com o Troller, mas sim para dizer que, hoje, ele é o filhote do camelo que cruzou com o jegue. Carrega carinhosamente, com segurança e sem derrubar ninguém.

Tal feito não começa na primeira impressão sensorial, de uso, mas sim na estética. E, claro, por abrir a porta e ver ali entre os bancos o novo câmbio automático de quatro marchas, com função Overdrive, pela primeira vez na história. Isso sem falar de bancos com 2,4 cm a mais no comprimento do apoio das pernas e com um trilho maior, que permite pessoas com 1,90m dirigí-lo sem se sentir em uma masmorra.

Por fora, o Sierra mistura elementos de várias gerações do carro, em especial a primeira (faróis) e a segunda (grade frontal) para cair na vala, nada comum, de parecer uma vitamina de Mercedes-Benz Classe G, Hummer H2 e Land Rover Defender, que foi batida num liquidificador, coada e servida em um copo americano de 200 ml.

Quem o vê de perto é conquistado com o mesmo imediatismo de um produto da Apple que ganha o i minúsculo na frente do nome. Na dianteira, ficou mais vertical, a coluna A perdeu a inclinação, a grade tem fendas retilíneas e o teto tem pontas curvadas por uma calha que evita com que a água entre no habitáculo.

Na traseira, as lanternas foram para os para-choques, e a deixaram mais limpa. Também aumentaram a tampa traseira, fazendo o estepe com as novas rodas de 15", com acabamento diamantado e pneus de uso misto 195/80 pareçam menores.

Aos puristas, um recado: apesar de parecer, não há uma gota de Nutella aqui. Em tempo; ele está mais bruto. Sim, esse tom lúdico quadradinho e amigável é proposital. Dizer que um Jimny ficou ainda mais robusto já fariam suas obturações tremerem só de verem uma fenda no asfalto. Mas, lembre-se, ele é um camelo misturado a um jegue.

O chassi ganhou três barras transversais, suas em "X" pouco depois do eixo dianteiro e mais uma perto do eixo traseiro. O resultado foi 50% de rigidez torcional extra, contudo, sem ganhar muito peso. Mantendo os 3,64 m de comprimento e 2,52 m de entre-eixos, ele está 2 cm mais alto e 2,5 cm mais largo.

O peso passou de 1.090 kg para 1.095 kg na versão equivalente com câmbio manual. A versão avaliada, 4Style, com câmbio automático, coloca 1.135 kg na balança.

Novo motor e traçao 4x4

Jimny - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Sob o capô trabalha um novo motor, o 1.5 aspirado de duplo comando variável de válvulas, gera 108 cv e 14,1 mkgf de torque - o 1.3 de 85 cv e 11,2 mkgf de torque fica restrito ao modelo nacional - que tem qualidades de sobra para encarar a tríade cidade-estrada-trilha. Sim, trilha!

Com tração majoritariamente traseira, e eixos rígidos na frente e atrás, ele já é divertido sem a eletrônica. Mas você pode acionar a tração integral por uma alavanca um pouco atrás da manopla de câmbio, e faz isso com velocidades sempre abaixo dos 100 km/h .

Daqui em diante é outro mundo. A direção de ótimo diâmetro de giro (9,8 m) fica mais pesada, ele cava o chão procurando aderência e nas curvas parece estar sendo puxado para baixo. Valentia, disposição, leveza. Todas as qualidade que... você já conhecia.

O que mudou de verdade foi a visibilidade dianteira, que agora permite ver o que acontece nas laterais do capô, e a muito bem-vinda aplicação de assentos confortáveis para as costas, da regulagem de altura do volante e do painel - com ponteiros bem esclarecedores - mais baixo deixando claro que o negócio aqui é olhar a paisagem. Ou nem tanto?

Além dessa aventura, que está na fórmula química em que o Jimny foi forjado, tive 22 km em trechos urbanos e 73 km de estrada onde, aí sim, entendi o recado. Nunca, em nenhuma geração nesses quase 50 anos o Jimny foi um carro "ok" para usar na cidade. E ele deixava isso claro.

Agora, ademais de tudo o que ele conquistou, pode ser, sim, o carro daquele que encheu o saco do asfalto castigado, ou de quem morre de medo das enchentes de verão (a capacidade de submersão, agora, é de 600 mm). Seja em solo esburacado ou em pista lisa, ele rodou como se estivesse apoiado sobre coxins, e ficou claro que nunca foi tão estável quanto hoje. Foi surreal vê-lo dobrar curvas a velocidade que me acostumei a fazer com SUVs compactos.

Não dá pra lembrar dos 37 graus de ângulo de entrada, nem dos 49 graus do ângulo de saída, ou dos 21 cm de altura do solo. Lá dentro você fica contente em ver uma central multimídia JBL com recursos como Android Auto e Apple Car Play - e uma sensibilidade decente, apesar da falta de botões, e de série em todas as versões - , ar-condicionado digital e até, veja só você, câmera de ré com uma definição de Vitara, não de Jimny.

Ficou caro

Jimny - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Outro fator que não é de Jimny está no canto direito da nota fiscal. A versão mais em conta, 4You com câmbio manual, mas esquece dos faróis de LED com lavadores e nivelação manual, o ar-condicionado digital, o volante revestido com couro e, claro, o câmbio automático e não sai por menos de R$ 103.990.

Caso você queira algumas das 7 cores com teto pintado na cor preta, paga mais R$ 1.350. A mesma versão com câmbio automático acresce R$ 8 mil na conta. Já a versão avaliada 4Style, completa, sai por R$ 122.990. Segundo a Suzuki, a intenção era vender 250 unidades por mês, contudo devido a problemas técnicos na fábrica de Shizuoka, no Japão, até maio de 2020 só serão importadas 110 unidades mensais.

É evidente que quem não é um amante do Jimny desdenhará desse calhamaço de novidades, evoluindo de maneira simples. Afinal, ele não tem quatro portas, não aumentou o volume do porta-malas (113 litros é mesmo irrisório), tampouco ofereceu uma métrica prática e real de aumento de conforto, como se carros fossem apartamentos.

"Os japoneses são bem decididos com o que é o Jimny. Se ele tivesse 4 portas e 2,70m de entre-eixos, seria outra coisa, não um Jimny", completou Reinalo Muratori, diretor de engenharia e planejamento da marca no Brasil.