Como carta enviada aos 12 anos ajudou brasileiros a desenhar carros para VW
Resumo da notícia
- Irmãos Pavone deixaram futebol de lado aos 12 anos após carta designer da VW
- Marco e JC trabalharam juntos no Brasil e na Alemanha
- Designers desenvolveram vários produtos de sucesso da marca
Era um sábado qualquer de 1991 quando os jovens José Carlos e Marco Pavone se encantaram com uma reportagem no jornal. Lá estava Luiz Alberto Veiga, então gerente de design da Volkswagen do Brasil, contando como desenhar o carro dos sonhos.
Fanáticos por carros, os irmãos que passavam horas desenhando enviaram uma carta ao designer com alguns esboços e pedindo dicas de como entrar na área. Veiga não só respondeu a correspondência como elogiou o trabalho dos garotos e deu até dicas para ser um bom profissional. Foi a partir daí que uma antiga paixão ficou de lado em nome dos carros.
"A gente jogava futebol, fizemos peneiras no Palmeiras e jogamos lá por muito tempo. O Marco era goleiro e eu jogava na linha. Eu levava o futebol muito a sério e nosso pai ficava apavorado porque ele queria que a gente tivesse uma profissão 'séria'. Aí a gente falou que queria ser designer de carro (risos)!", conta José, mais conhecido na indústria como JC.
"Meu pai apostou todas as fichas dele na gente. Ele é biólogo e professor, e via muita gente nas salas com dúvida de que carreira seguir. A carta que o Veiga nos mandou serviu como uma confirmação de que a gente tinha talento para trabalhar naquela área. Aí ele decidiu investir no nosso futuro, nos levou para conhecer as universidades e fez até uma assinatura de uma revista que vinha da Itália chamada Auto&Design e era como se fosse a nossa bíblia", completa Marco.
Horas de prática
Se os jovens de hoje desfrutam das facilidades como tutoriais no YouTube ou acesso a artigos de todas as partes do mundo, Marco e JC precisaram suar a camisa sem a comodidade da internet.
"O Veiga mandou dois desenhos pra gente, um pra cada um. E a gente ficou anos copiando aqueles desenhos pra entender as charadas do desenho. Demoramos um tempão para perceber que a reflexão, por exemplo, era o branco do papel de uma área que não tinha sido pintada, e isso dava o brilho no desenho", relembra JC.
Os irmãos decidiram estudar na Universidade Mackenzie e logo Marco foi chamado pela VW.
"Quando eu tinha 19 anos recebi um telegrama convidando para participar de um processo seletivo para futuros estagiários que começariam em 1998. Só que quando cheguei lá o pessoal já tinha uma pilha de desenhos meus e eles só queriam me conhecer porque a vaga já era minha. Naquela época era muito difícil uma montadora abrir uma vaga de designer, então aquela chance era a chance do milênio para cada um de nós".
Enquanto isso, JC entrou na divisão de caminhões da Mercedes-Benz, a poucos quilômetros de onde seu irmão trabalhava. Aproveitou todos os dias de suas férias para fazer um novo portfólio e bateu na porta da Volkswagen, onde começou a trabalhar em 2002.
Libertadores e Champions League
Marco teve sua primeira experiência na Alemanha em 2000, onde ficou por três meses para trabalhar no projeto do Fox. As visitas à Wolfsburg foram ficando cada vez mais frequentes e longas até que ele se mudou definitivamente para lá em 2005 juntamente com seu irmão.
"Sempre gostei da Alemanha por causa dos desafios que me traziam. Eu via muitos projetos acontecendo ao mesmo tempo e tinha contato com pessoas de várias nacionalidades. Aprendi a falar inglês direito e gostava de ver a dinâmica de como as coisas aconteciam".
Marco faz uma comparação bem-humorada para mostrar as virtudes de fazer carreira na Europa.
"Sabe quando você vê Champions League e Libertadores? É a mesma coisa (risos). Quando um jogador como o Neymar foi para a Europa ele evoluiu e se desenvolveu por causa dos treinos e da rotina. É um desenvolvimento por conta da melhor estrutura e das oportunidades.".
JC tinha uma visão parecida e um objetivo estabelecido desde a primeira vez em que pisou em solo alemão.
"Eu já tinha certeza que precisava cravar minha permanência lá para aprender mais. Muita gente nos elogia e diz que temos talento natural, mas eu nunca acreditei nisso. Você vai ficando bom à medida que pratica e no empenho que emprega naquilo tudo. É um ciclo que nunca para, e lá as coisas são exponencialmente maiores do que na América do Sul. Não me sentia um profissional completo e precisava estar na Alemanha para me completar", afirma.
Estilo brasileiro em alta
Atualmente a VW conta com aproximadamente 430 funcionários trabalhando na área de design em Wolfsburg de 35 nacionalidades diferentes. Mesmo em meio a tanta gente com formação em universidades renomadas da Europa, os brasileiros se destacam pela criatividade e principalmente pela dedicação no ambiente de trabalho.
"Nossa vantagem é começar a estudar antes. Aqui na Europa eles tiram ano sabático porque tem condições financeiras. No Brasil a gente começa a estudar cedo e precisa procurar emprego antes deles para ajudar a família. Os europeus começam a estudar depois dos 20 anos, e a gente já está se formando com 21 anos. Neste sentido, o Brasil nos forçar a correr atrás das oportunidades antes e nisso a gente leva vantagem", diz Marco.
Os irmãos trabalharam juntos em Wolfsburg de 2005 a 2010, quando JC foi convidado a ir para os Estados Unidos. Lá ele assumiu o comando do centro de design da VW na Califórnia e desenhou vários modelos, inclusive alguns vendidos no Brasil, como a sexta geração do Jetta. Para ele, porém, um projeto feito exclusivamente para os Estados Unidos tem lugar especial em seu coração.
"Gosto muito do Passat americano pelo contexto envolvido no projeto. Foi criada uma fábrica (em Chattanooga, no Tennessee) só para produzir o carro lá, então houve um impacto social muito grande por conta dos incentivos do governo e da presença local da Volkswagen", afirma.
Algum outro projeto em especial vem à sua mente? "O outro está por vir (risos), também por conta das circunstâncias e da política implantada pelo Dr. (Herbert) Diess de regionalização, de dar mais voz para identificarmos fraquezas, potencialidades e necessidades de cada região", diz JC, em referência ao Nivus, o SUV cupê que a fabricante lançará no Brasil em 2020.
Já Marco possui dois xodós. Um deles é o ID.3, compacto elétrico recém-lançado na Europa.
"Vejo esse carro como uma nova 'pedra existencial' para a VW. O Fusca foi importante porque era o carro do povo, mas sua relação espaço interno-motor não era a mais interessante. Aí o motor foi para frente nos projetos seguintes e isso melhorou. Agora esse carro (ID.3) traz uma nova dimensão e isso faz dele muito importante".
Seu segundo "queridinho" é outro velho conhecido dos brasileiros.
"O Up! foi um carro tão mágico para mim. Acho que ele foi o projeto que tem a maior 'porcentagem de Marco Pavone' nele. É claro que todo projeto tem vários processos envolvidos que acabam mudando o design durante o desenvolvimento. Mas o Up ficou realmente muito parecido com a ideia inicial".
Batalhas diárias
Em agosto de 2016, JC aceitou um dos maiores desafios de sua carreira profissional e voltou ao Brasil para liderar o departamento de design da Volkswagen. Ironicamente, ele substituiu justamente Luiz Alberto Veiga, que se aposentou após 40 anos de serviços bem prestados para a montadora alemã.
Já seu irmão Marco ocupa o cargo de chefe de design exterior da Volkswagen na Alemanha e é um dos grandes nomes do departamento de design da matriz.
Hoje os irmãos Pavone só se encontram em alguns eventos da Volkswagen - ou em reuniões familiares, claro. Mesmo distantes, eles se comunicam diariamente pela internet e enfrentam o mesmo desafio: entender as necessidades de outras áreas da empresa sem desvirtuar o projeto original.
"Toda montadora pensa no lado do visual e no financeiro. Nosso papel é mostrar que, caso queiram economizar X, uma roda menor vai deixar o carro assim. A briga com a engenharia é mais técnica, mas existe também um debate com a área financeira. É por isso também que trabalhar na América do Sul é muito mais desafiador. Costumo brincar que a gente opera em um 'modo de sobrevivência' porque sempre precisa inventar um projeto novo, convencer a matriz de sua viabilidade, realizar cortes, mudanças no projeto?", diz JC.
"É por isso que evito criticar os competidores. Claro que a gente analisa algumas coisas, mas foram tantas batalhas lutadas...", completa Marco.
"Todo mundo está correndo atrás do seu objetivo. O produto precisa ser viável, bonito e ainda dar lucro para a empresa. Nosso papel é fazer um carro bonito, mas atrás de todo carro feio tem uma boa intenção (risos)", brinca JC.
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