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Aceleramos o novo Porsche Cayman GTS na pista da primeira vitória de Senna

Divulgação/Porsche
Imagem: Divulgação/Porsche

Ricardo Ribeiro

Colaboração para o UOL, de Estoril (Portugal)*

02/03/2020 04h00

"Estoril? Eu vi o Senna correr lá. Um piloto brutal, sem comparação", reage um homem na estação de trem, ao ouvir o destino final da reportagem. Em Portugal, brutal é uma forma coloquial de dizer que algo ou alguém é fantástico, extraordinário ou fora do comum.

Ayrton marcou a F-1 e é aclamado também pelos portugueses, com uma ponta de saudade dos dias de glória do circuito a cerca de 25 quilômetros de Lisboa. É nele que UOL Carros tem a missão de testar as novas variantes GTS dos Porsche 718 Cayman e Boxster.

A principal mudança está nos motores. A Porsche desistiu do turbinado 2.5 quatro cilindros de 365 cv, adotado nos idos de 2016. Tanto o cupê 718 Cayman GTS como o conversível 718 Boxster GTS retornam a um naturalmente aspirado seis cilindros. O motor é derivado do 4.0 de GT4 e Spyder, mas retrabalhado para entregar 20 cv a menos: "apenas" 400 cv. O torque é de 42,8 kgfm.

"A empresa decidiu rever a estratégia. Entendemos que as respostas de um motor naturalmente aspirado são mais adequadas para as características que queremos entregar neste modelo. Ele oferece respostas mais instantâneas, um comportamento mais arisco e mais torque em baixa", explica Markus Baumann, gerente de desenvolvimento de motores da Porsche.

A versões mais básicas da gama 718, como Cayman e Cayman S, devem permanecer com os quatro cilindros turbo, hoje nas opções 2.0 de 300 cv e 2.5 de 350 cv.

O downsizing é fundamental para reduzir emissões, principalmente em modelos maiores, como SUVs. No entanto, nos esportivos, os motores menores costumam não entregar a mesma emoção. E até o melhor dos turbinados tende a apresentar alguma espera para "encher".

Para completar, Cayman e Boxster GTS também chegam com câmbio manual de seis marchas. Um conjunto definitivamente para quem gosta de dirigir e de ter o carro "mais na mão".

A Porsche ouviu mais os entusiastas nas pesquisas de desenvolvimento ou alguém na engenharia resolveu chutar o balde enquanto ainda é possível, diante de um inevitável futuro elétrico na empresa. Enquanto as razões precisas ficam por esclarecer, trabalhemos com as emoções.

No circuito de Estoril com o Cayman GTS

Porsche 718 Cayman GTS - Divulgação/Porsche - Divulgação/Porsche
Imagem: Divulgação/Porsche

Parece apropriado estar no traçado em que Senna demonstrou a sua mágica no momento em que a marca alemã resolve recuperar um pouco da sua no 718. Ayrton conquistou a sua primeira vitória na F-1 em Estoril, há 35 anos. Na chuva, claro.

Enquanto a reportagem de UOL Carros espera nos boxes a sua vez de entrar na pista, uma garoa vai e volta, como se o "chefe" estivesse dando sinal verde. Verde como o Cayman GTS 4.0, que acaba de encostar.

Ajuste de altura e profundidade no volante. Bancos esportivos que seguram da ponta do estômago até a alma. O encaixe é perfeito. Nada de botões, é preciso encaixar e girar a chave, do lado esquerdo (por óbvio, diriam os portugueses).

O motor acorda e logo se percebe a feliz mudança. Aquele barulho meio Fusca a ar meio máquina de costura velha, do quatro cilindros tentando ficar cheio, se foi. Agora o que temos é uma vibração mecânica completa e contagiante.

Quanto mais se dá pedal, mais o motorista é hipnotizado por um viciante "zing" do seis cilindros aspirado. Os arrepios na espinha se completam com os estouros clássicos, amplificados por quatro saídas de escape, enquanto se persegue os 7.800 rpm.

Na pista, o novo Cayman GTS é intenso, mas não é assustador. As aceleradas e retomadas ficam, como esperado, atrás do irmão maior, o 911, ou mesmo do atual Cayman GT4, de 420 cv. O GTS, contudo, parece desenhado para emocionar nas curvas. E Estoril tem 12 delas.

O modelo é mais tolerante aos malabarismos e reage bem à sobrecarga de inputs de motoristas aspirantes a pilotos. Cada curva é um convite a frear com tudo e, logo em seguida, sair acelerando forte — especialmente a que vai para reta principal, batizada de Senna.

A embreagem é bem modulada e o câmbio é curtíssimo, como deve ser em um modelo deste tipo. Basta acertar nas trocas e nas reduções para obter mais força e não sentir falta de uma dupla embreagem ou do paternalismo aborrecido de uma caixa automática.

Claro, até pegar o traçado, acumulamos a nossa justa cota de passagens no giro incorreto. A direção é ágil e precisa, com bom esterço.

Embora deixe bom espaço para emoções, a eletrônica entre em campo quando necessário para evitar bobagens e, na pista, reduz a distância entre mortais e pilotos.

O Cayman GTS tem o gerenciamento eletrônico de suspensão referência da Porsche e o chassi baixou 20 mm. O sistema de vetorização de torque ajuda a corrigir o traçado nas curvas, freando um pouco a roda interna, e o diferencial autoblocante distribui mais força para as rodas que estiverem com melhor aderência.

O motor é central traseiro e boxster significa ter os cilindros deitados. Isso permite apenas a dianteira curta e desenho tão esportivo quanto charmoso, mas também colabora com a estabilidade. A altura de 1,27 m ajuda, sem causar desconforto no embarque e desembarque, como em outros esportivos de graduação mais elevada.

Também é de série o tradicional sistema de modos de condução, com uma redução da suspensão nos mais esportivos. Segundo a Porsche, o Cayman GTS 4.0 faz de 0 a 100 km/h em louváveis 4,5 segundos e tem máxima de 293 km/h.

Brasil no segundo semestre?

Porsche 718 Boxter GTS - Divulgação/Porsche - Divulgação/Porsche
Imagem: Divulgação/Porsche

UOL Carros também testou a novidade nas ruas. Rodamos cerca de 150 km, desta vez com o conversível 718 Boxster GTS, que tem o mesmo conjunto de motor e câmbio.

Na bela região de Cascais, o novo motor foi tão bom quanto na pista. Há entrosamento entre motor e câmbio e o conjunto responde tão rápido que parece adivinhar o que o motorista pretende.

Em baixas velocidades, o 4.0 seis cilindros foi suave, tratável e silencioso, o contrário de outros esportivos do tipo. Quando colocado para o trabalho duro na estrada, fica mais rude e agressivo, como se espera de um modelo de sua linhagem.

Em pisos irregulares, a suspensão encontra mais dificuldade que a do Cayman de entrada e aproxima-se do GT4, mas consegue preservar os ocupantes. Na realidade, enquanto o GT4 é um animal de pistas e o 718 básico é para o uso diário, o GTS equilibra bem condução dinâmica e conforto para o cotidiano.

Não há previsão de importação para o Brasil. A Porsche certamente está esperando a chegada do câmbio PDK dupla embreagem e sete marchas para as configurações, o que está previsto para o segundo semestre.

Afinal, no capitalismo, não se vive só de magia e a maior fatia de mercado não está nos entusiastas.

*Viagem a convite da Porsche