Expostos, mas sem parar: caminhoneiros relatam rotina em tempos de pandemia
Banheiros públicos muitas vezes precários, restaurantes à beira da estrada sem qualquer tipo de preocupação com a pandemia e locais compartilhados para tomar banho. O UOL Carros conversou com dois motoristas de caminhão que costumam rodar o país transportando mercadorias. E, pelos relatos, fica claro que, apesar do álcool gel e de várias precauções, estes profissionais estão extremamente expostos ao risco de contágio do coronavírus.
"Rodando sem nenhuma proteção, como todos os caminhoneiros", desabafa Fábio Zambelli, que tem feito entregas apenas no estado de São Paulo nos últimos dias. Em épocas normais, roda o Brasil. Preocupado com a renda da família, ele diz que não pode parar. No dia em que conversou com o UOL Carros, estava em José Bonifácio transportando tambor de freio para Araçatuba e retornaria com sapatos e placas solares.
O álcool gel que passa para se proteger não faz frente ao cenário que encontra nas estradas. "A gente usa banheiro público e come quando acha um restaurante. Nem sei como vou tomar banho hoje. Acho que nem vou, porque não sei quem usou o banheiro".
Entre a preocupação com o coronavírus e necessidade de trabalhar, ele se diz favorável à liberação do retorno à rotina. "Até agora não achei sequer um infectado. O presidente está certo. O Brasil não pode parar. Quem tem que parar são os idosos, quem tem problema de saúde. O restante tem que continuar. Você vai no mercado e está lotado. Será que é só lá que não pega o vírus?", questiona Zambelli.
Nilvan Gomes afirma que não pode parar. Em um caminhão-baú, ele trabalha em regiões centrais de cidades da região metropolitana de Campinas. Visita até 14 estabelecimentos por dia e já notou uma mudança drástica nos hábitos dos comerciantes. "A gente percebe que eles estão meio receosos. A maioria atende de porta fechada e deixa a mercadoria em local separado".
Luva, máscara e álcool gel o acompanham, mas ele diz que proteger o rosto e as mãos o tempo todo, suando, atrapalha o trabalho. Nos postos de combustíveis, têm visto os frentistas tomando as precauções. Sem sair do caminhão, digita a senha do cartão também com a mão protegida.
Com pouco contato com clientes, não aperta mais a mão de ninguém. Ao chegar no depósito, em Campinas, é recebido por funcionário todo protegido e tem a temperatura do corpo medida. Para entrar, usa macacão e bota. No interior do estabelecimento, toda a entrega e o procedimento é à distância.
Ao voltar para casa, mais regras. Dessa vez, da esposa. "Minha mulher não deixa entrar se não fizer a higiene com álcool na frente de casa".
O caminhoneiro afirma que não pode reclamar, pois não parou de trabalhar. "Estou trabalhando todos os dias, graças a Deus. Mas uma boa parte dos meus amigos de profissão não está trabalhando, muito preocupados. Eu também estou. Há prevenção e não precisa parar o país".
Especialistas alertam sobre 'vai e vem' pelo país
A infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emilio Ribas, alerta sobre os perigos que a circulação de caminhoneiros pode trazer para o aumento de casos de coronavírus.
"Quanto mais caminhões estiverem rodando país afora, menor vai ser o nosso controle da disseminação desse vírus. Esse vírus já demonstrou ser extremamente infectante", disse a médica.
Ela explica que, ao sair de um grande centro como São Paulo, onde há uma grande preocupação com a quarentena, e viajar para pequenas cidades do interior com menor circulação de pessoas, o motorista pode levar junto o vírus a uma região de pouca estrutura de saúde.
"O ideal é manter o isolamento social. A pessoa que sai de uma cidade como São Paulo, onde há o isolamento, e vai pro interior, onde as pessoas possam não estar preocupadas com isso, essa pessoa que está sendo introduzida nesse local deveria ter o isolamento social. Eu vejo isso como um problema porque, se a gente continuar rodando, não vai conseguir parar com essa disseminação do vírus. Precisamos parar e pensar no risco que isso pode acarretar".
Também preocupam as caronas, algo comum na rotina dos caminhoneiros. "É melhor evitar", afirma Aline Almeida, professora de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. "E o ideal é que as pessoas tenham álcool gel, e sempre que tocarem em alguma superfície que possa estar contaminada, como gôndolas de supermercados, máquina de cartão, contato com banheiro do posto de gasolina, possam lavar as mãos. Mas, se não for possível, pelo menos passem o álcool gel".
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