'Caçadores de tesouros' garimpam Gol GTI e outras joias em estado de 0 km
Existem vendedores de automóveis especializados em garimpar carros antigos em estado de zero-quilômetro, originais e com baixa quilometragem.
Eles, que podem ser considerados verdadeiros caçadores de tesouros, buscam principalmente modelos nacionais das décadas de 80 e 90, cuja demanda por colecionadores e entusiastas é alta.
Vale de tudo um pouco para achar as raridades: rodar de moto em busca de carros com esse perfil, parados por décadas em uma garagem, é uma tática.
Outros se dispõem a voar até cidades distantes e ficar dias hospedado em um hotel até concluírem as negociações por um carro muito raro e bem conservado.
Neste mundo cada vez mais conectado, também é imprescindível fazer a caça em sites de classificados e em grupos de redes sociais. Porém, no caso de caçadores mais experientes e conhecidos, muitas vezes esses carros vão até eles.
Reginaldo Ricardo Gonçalves, o Reginaldo de Campinas, é um desses vendedores. Ele, que atua há 15 anos no ramo, conta que já passaram por suas mãos veículos como um Ford Escort XR3 Formula 1991 com apenas 110 km.
Ele também já encontrou, há sete anos, um caminhão Ford F11000 1988 zerado, que ficou literalmente emparedado por 25 anos em um galpão na cidade de Embu-Guaçu (SP).
Seus achados incluem, ainda, um Vokswagen Gol GTI 1993 localizado em Belo Horizonte (MG) com cerca de 2.500 km rodados há cerca de seis anos, que ele revendeu no mesmo dia a um colecionador da capital mineira. Os outros dois exemplos também já foram comercializados.
Para "não inflacionar o mercado", Reginaldo de Campinas prefere não falar em preços, mas temos notícia de pelo menos um Gol GTI vendido recentemente por cerca de R$ 150 mil.
Cliente compra um 'sonho'
"Meus clientes querem automóveis predominantemente do final dos anos 1970 até os anos 1990, originais e com baixa quilometragem. Mais velhos do que isso, 99% das unidades que você encontra foram restauradas", conta o caçador, cujos vídeos no respectivo canal no Youtube somam mais de 50 milhões de visualizações.
Gonçalves explica por que é mais comum achar veículos da década de 80 que pouco ou nunca rodaram.
"Por causa da hiperinflação da época, muita gente comprava carro e guardava como investimento. Alguns desses veículos até hoje estão por aí parados à espera de um novo dono, embora esteja cada mais difícil de encontrá-los", afirma.
Para Reginaldo de Campinas, que prioriza as versões mais caras e equipadas, quem busca veículos antigos em estado de zero quer comprar um "sonho".
"Quem compra um Gol GTI, por exemplo, é porque viveu essa época. São clientes que tiveram o carro quando ele foi lançado ou não tinham dinheiro para comprar, mas hoje têm condição de investir nesse sonho".
A Volkswagen, conta, é a marca mais buscada por colecionadores e, portanto, tem os carros mais valorizados no mercado. Ford e Chevrolet empatam na segunda posição, seguidas por modelos nacionais da Fiat.
'Nem todo antigo zerado é colecionável'
Robson Cimadon, o Alemão, é outro caçador de tesouros que prioriza veículos da mesma época e pelos mesmos motivos.
Proprietário da loja Século 20, em Santo André (SP), Alemão cita um Volkswagen Gol CL 1994 original, com somente 611 km, dentre as pérolas que já encontrou. Essa ele revendeu por R$ 25 mil.
Também já comprou e passou adiante, por R$ 20 mil, um Fiat Uno Mille 1992 original com 5.703 km rodados, além de um Chevrolet Chevette SL 1987 sem restauração com 12.446 km no painel - este, ele diz ter comercializado por R$ 25 mil.
A lista de achados traz, ainda, uma Ford Pampa 1996 com 4.237 km no marcador, pela qual um cliente pagou R$ 35 mil.
Confira abaixo o anúncio de um VW Gol GTS, que já foi vendido por Alemão.
Ele afirma não ter restrições a carros mais rodados e de versões básicas, desde que estejam em estado de zero-quilômetro ou bem perto disso - e, claro, têm de ser colecionáveis.
"Alguns acham que qualquer carro de quilometragem baixa é colecionável e não é. Não menosprezando, mas um Chevrolet Celta pouco rodado não vai ter valor agregado como um carro mais antigo, com 30 anos. Por que é um Celta, que não tem idade para ser colecionável e não é valorizado pelos colecionadores", pontua.
Para ilustrar, Alemão conta que vendeu há algum tempo uma picape Chevrolet Corsa ano/modelo 2000 com cerca de 4.000 km rodados.
"Foi um cliente que me segue no Instagram e no Facebook quem me ofereceu e fechei com ele. Aí sim, é uma picape Corsa, 90% delas já foram destruídas. Um carro assim é como achar agulha no palheiro. Essa já entra como carro de colecionador, mesmo não tendo muitos anos de fabricação".
O lojista também destaca que nem todos os seus clientes fazem questão de quilometragem muito baixa.
"Eu gosto de carro de qualidade. Por exemplo, já vendi um Chevrolet Vectra 1994 com 130 mil km e parecia que tinha acabado de sair da concessionária. Tem cliente que até prefere carro com quilometragem mais alta, porém bem cuidado. Pois, se for muito pouco rodado, quanto mais você andar, mais o carro vai perdendo o valor. Tem gente que pega para não andar e tem gente que pega para curtir, chamar a atenção na rua".
Vale tudo para garimpar tesouros
Tanto Alemão quanto Reginaldo de Campinas dizem que atualmente suas redes de contato, bem como a própria internet, são o meio principal por meio do qual encontram suas preciosidades.
Porém, isso não quer dizer que algumas vezes tenham de investir tempo e dinheiro para colocarem as mãos em clássicos originais e bem preservados.
Reginaldo, por exemplo, relata que, ao longo de 15 anos de profissão, já voou por várias localidades do Brasil para ver pessoalmente alguns carros. Houve negociações que exigiram uma boa dose de paciência.
"O Gol GTI 1993, por exemplo. Um mecânico de Belo Horizonte que conheço me telefonou em 2014, perguntando se eu tinha interesse. Disse que sim. Peguei um voo e fiquei quatro dias na cidade, hospedado em um hotel. O dono inicialmente estava decidido a vender, depois falou que ia pensar. Quando eu estava quase desistindo, fechamos negócio", lembra.
Segundo Reginaldo Gonçalves, o então proprietário tinha deixado de rodar com o cobiçado esportivo após ser assaltado dentro do veículo, que tinha toda a documentação original e não havia rodado o suficiente para fazer a primeira revisão em uma concessionária.
Quando adquire veículos de outras cidades, Reginaldo os leva para Campinas (SP), em um caminhão plataforma. Ele guarda seu estoque em um galpão na cidade do interior paulista e não mantém uma loja convencional, com showroom.
Já Alemão relata que costuma sair de moto para dar uma "espiada" em garagens em busca de clássicos. A tática, no entanto, nem sempre deu certo.
"Você sempre acha alguma coisa largada na garagem. Aí você vai lá e bate palma. Uns botam para correr. Já me botaram para correr de vassoura. Tinha um Chevrolet Opala que fui ver, chamei a mulher e ela falou que ia vender. Depois fui lá para acertar e ela veio com a vassoura. Ela falou que ia vender e depois desistiu".
Cuidado com o hodômetro
Para quem valoriza a baixa quilometragem, todo o cuidado é pouco em relação à adulteração do hodômetro. Os dois caçadores de tesouros também lembram que o marcador da maioria dos modelos mais antigos é zerado quando se atinge os 100 mil km rodados.
Portanto, um carro com 10 mil km pode, na verdade ter 110 km, 210 mil km ou até mais do que isso.
Aí entra em cena a experiência para não levar gato por lebre.
"Aí a gente averigua. A maioria dos carros tem lacre, mas em alguns ele quebrou ou for perdido. Você faz uma investigação aprofundada no carro para ver se ele aparenta mesmo esses 30 mil km. Muitos que oferecem não têm a quilometragem real", alerta Alemão.
Reginaldo de Campinas aponta alguns macetes para ter certeza de que determinado carro é original e realmente pouco rodado.
De acordo com o vendedor, a grande maioria dos veículos que ele garimpa teve apenas um proprietário.
Além disso, os pneus têm de ser os de fábrica, o que é fácil de verificar, pois trazem a data de fabricação. Os discos de freio, por outro lado, precisam exibir superfície oxidada, por conta do longo período parados. A inspeção inclui, ainda, detalhes de acabamento internos como tapeçaria, volante, bancos e pedais, que não podem exibir sinais de desgaste.
"O brilho da pintura, por exemplo, permite constatar se ela é original. O para-brisa, por sua vez, não tem o logotipo da montadora se já tiver sido trocado", ensina Reginaldo.
Como devolver o carro à vida
Como muitos sabem, automóveis foram feitos para rodar. Se ficaram muitos anos parados, são necessárias algumas intervenções para fazê-los voltarem à vida.
Reginaldo de Campinas pontua que "quanto menos mexer, melhor", considerando que seu foco são mesmo antigos em condição de zero.
"Só troco bateria e faço o necessário para o carro rodar, como troca de fluidos e filtros e correia, além de uma limpeza completa por dentro e por fora. Mantenho até os pneus originais, mesmo vencidos. Colecionador exigente quer pneu original. Quem compra esse tipo de automóvel não vai rodar com ele".
Reginaldo Gonçalves admite que há dez anos a disponibilidade dos tesouros que ele tanto busca era bem maior e chegou a ter 60 carros anunciados simultaneamente - hoje, o número caiu para algo entre 15 e 20 unidades para venda.
Ao mesmo tempo, e por esse mesmo motivo, a tendência é de os preços subirem nos próximos anos.
"Quando eu comecei, em 2005, o pessoal dizia que carro velho com alto valor de mercado tinha de ser norte-americano ou europeu. Hoje, porém, os preços de clássicos dos anos 50, 60 e 70 estacionaram. Um Dodge Charger R/T original, por exemplo, bateu nos R$ 250 mil e não sai disso. Por outro lado, acredito que o VW Gol GTI ainda vai chegar nesse valor", finaliza.
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