Youtuber desafia Globo e polícia a 200 km/h e diz que velocidade é 'fake'
No domingo passado, o "Fantástico" (TV Globo) veiculou reportagem sobre jovens que postam vídeos nas redes sociais acelerando veículos acima da velocidade permitida.
O programa exibiu youtubers como Eduardo Razuk, do canal Backstage, e Luan Galasso, do PetrolHead, dirigindo a mais de 200 km/h em vias públicas.
Galasso, que em uma das gravações quase se acidenta a 220 km/h, foi o único dos "influenciadores digitais" citados que concedeu entrevista à emissora.
Embora admita que "algumas das velocidades dos vídeos são reais", ele afirma para a repórter que "90% das vezes são velocidades simplesmente editadas por software ou hardware para ter um conteúdo diferente".
Um perito, no entanto, analisou postagens do youtuber e avalia que, em algumas delas, é possível concluir que a velocidade exibida é verdadeira.
'Fui lá para zoar'
Em uma live que transmitiu no domingo, enquanto aparecia no "Fantástico", Galasso convoca a audiência a "queimar borracha" em frente à emissora: "Vamos dar um borrachão na frente da Globo? Ia ser uma boa ideia. Fritar, acabar com tudo na frente da Globo. Cobrir de fumaça".
Um dia após virar notícia em rede nacional, ele comentou no YouTube: "Eu fui lá para zoar, para dar a cara a tapa mesmo. Quem não aparece não é lembrado", disse ele, cujo canal ontem tinha mais de 170 mil inscritos.
Menos de 24 horas após a reportagem, Luan também publicou um vídeo no qual "pilota" um Volkswagen Up TSI preparado com o velocímetro a 220 km/h - a velocidade aparece nitidamente no painel e também pode ser vista em um aparelho GPS conectado ao celular, que um carona segura durante a acelerada.
Esse vídeo foi removido pelo YouTube, supostamente por violar os termos de uso da plataforma.
Porém, várias postagens com o youtuber acelerando permaneciam no ar até ontem. Inclusive dois vídeos publicados na semana passada, nos quais Galasso pisa fundo com um VW Gol 2.0 em disputas contra um Fiat Palio e um Chevrolet Onix Turbo.
Ele alega que os rachas aconteceram em pista fechada. No entanto, dá para visualizar pedestres, ciclistas e portões de acesso a residências na beira da estrada.
Segundo a PRF (Polícia Rodoviária Federal), Galasso poderia acelerar sem restrições somente em um autódromo ou pista fechada.
O CTB (Código de Trânsito Brasileiro) determina que todas as vias terrestres, inclusive em condomínios fechados e áreas rurais, estão sujeitas à legislação, incluindo o limite de velocidade - se não houver sinalização com placa, ele é de até 80 km/h, dependendo da característica da via.
Conversamos com Luan Galasso após ele aparecer no "Fantástico". Ele manteve a tese de que "manipula" a velocidade - mesmo usando GPS.
"Como eu disse na entrevista, eu não utilizo somente edição de vídeo para alterar a velocidade. Usa-se mais software do que outra coisa. O GPS mesmo, tudo simulado. Mas nem todo vídeo é editado. Tem vídeo feito em área isolada ou particular".
Além da alegada manipulação, ele diz que grava as aceleradas "no México" - expediente comum entre youtubers que produzem conteúdo semelhante. A intenção é descaracterizar seus vídeos como prova em eventual processo pela prática de crimes de trânsito.
Ele e Eduardo Razuk, que já foram citados em apurações anteriores de UOL Carros, respondem a inquérito da Polícia Civil em Campo Grande (MS), onde moram, pelo suposto contrabando de um Toyota Corolla com placas do Paraguai. Razuk chegou a ser preso em abril e foi solto no mesmo dia após pagar fiança de R$ 20 mil.
Perito diz que velocidade é real
A reportagem consultou um especialista, que analisou vídeos de Luan e outros youtubers.
"Em alguns vídeos divulgados nas redes sociais, é possível concluir que as velocidades informadas pelos condutores ou visíveis no velocímetro são realmente as empregadas pelos veículos".
Ele cita uma postagem de Galasso feita em abril, na qual o Chevrolet Astra que ele dirige chega à marcação de 200 km/h - a máxima disponível no painel.
O perito destaca um trecho específico, em que Luan diz estar entre 150 km/h e 154 km/h.
Com base em marcações visíveis na pista e na contagem de frames do vídeo, Silva calcula que o Astra estava a cerca de 152 km/h.
"Em relação a algum tipo de adulteração no veículo ou no GPS, essa é uma questão mais complexa, pois exigiria o recolhimento desses equipamentos para uma perícia", complementa.
Vídeo serve como prova?
Galasso não é o único a tentar desqualificar os próprios vídeos como prova.
O ex-ator mirim da Globo Guillermo Hundadze, do canal "GUI50", também posta acelerando veículos como Mercedes-AMG A45 e Yamaha MT-09 - em algumas gravações, o velocímetro da moto quase alcança 140 km/h em ruas estreitas do bairro Santana, na Zona Norte da capital paulista, onde reside.
É possível constatar facilmente a localização observando placas das vias por onde ele passa.
No entanto, Hundadze enfatiza que a gravação não aconteceu em vias brasileiras. Em outro post, o rapaz afirma que os vídeos não permitem identificar a placa do veículo, o local nem a data da gravação.
A reportagem já havia tentado contato com Hundadze pelas respectivas redes sociais e ele não respondeu. O jovem também foi mencionado pelo "Fantástico", que exibiu ele supostamente disputando um racha na Marginal Pinheiros, na capital, e quase se acidentando.
Eduardo Razuk, igualmente, diz que suas postagens com aceleradas não podem ser utilizadas pelas autoridades para a aplicação de multas e outras sanções.
Porém, na semana passada uma operação conjunta das polícias Rodoviária Federal e Civil do Rio de Janeiro apreendeu 23 carros por disputa de racha na BR-040, na Região Serrana do Estado. As apreensões tiveram como principal evidência justamente vídeos compartilhados pelos próprios condutores dos automóveis - a maioria de alta performance.
O promotor Renato Davanso, do Ministério Público de São Paulo, avalia que vídeos postados nas redes sociais podem, sim, ser usados como evidência.
"Vídeo serve como prova, não há dúvida. Se ele servirá como suporte para eventual condenação, isso dependerá das alegações da defesa", destaca, falando genericamente.
Ainda de acordo com Davanso, a marcação da velocidade é "irrelevante". "Basta provar que o veículo estava em uma velocidade excessiva, colocando em risco os demais usuários da via".
O promotor determinou a abertura de inquérito pela Polícia Civil de São Paulo para investigar a gravação de Guillermo na Marginal, aberto há cerca de três semanas - e avalia solicitar investigações envolvendo outras postagens do youtuber.
Caso Davanso ofereça denúncia ao término do inquérito, ele informa que Hundadze pode ser julgado por prática de racha e incitação a crime - o primeiro ilícito prevê pena de seis meses a três anos de detenção, mais multa e suspensão da CNH (Carteira Nacional de Habilitação). A incitação renderia, por sua vez, de três a seis meses de prisão ou multa.
"São penas baixas para o risco causado. Mas cada vídeo pode render um processo e a somatória das penas aí seria maior".
Vídeos deletados
O Projeto de Lei 130/2020, de autoria da deputada federal Christiane Yared (PL/PR), propõe que os vídeos postados nas redes sociais sirvam como prova, além de prever penas mais duras aos infratores, bem como a penalização das empresas que veiculam esse tipo de material.
Além disso, na semana passada, a FenaPRF (Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais), em conjunto com o programa SOS Estradas, lançou a campanha "Não Dê Like, Denuncie!", incentivando a população a denunciar postagens com "exibicionismo de crimes de trânsito em redes sociais".
A campanha traz até um passo a passo de como denunciar o conteúdo, na expectativa de retirá-lo do ar.
Aparentemente, a iniciativa tem dado os primeiros resultados.
Guillermo Hundadze está sem postar desde a quarta passada. Nos comentários do seu vídeo mais recente, no qual ele agora tapa o velocímetro da moto, ele diz que duas publicações do seu canal foram removidas pelo YouTube e vai "cumprir cinco dias sem postar" a partir daquele dia.
O PetrolHead também paralisou as postagens no mesmo dia, após o vídeo com o VW Up sair do ar. Um espectador questiona o motivo e é novamente Hundadze quem responde: "Temporariamente off. Semana que vem, tudo normalizado".
Procurado, o Google, dono do YouTube, esclarece que, quando um usuário tem vídeo deletado por conta de conteúdo contrário às diretrizes da comunidade, ele fica uma semana sem poder postar.
Se dentro de 90 dias houver reincidência, são mais duas semanas de bloqueio. Caso haja uma terceira infração dentro desse prazo, a conta e todo o seu conteúdo são removidos permanentemente.
O processo de identificação de vídeos que infrinjam os termos de uso é feito por meio de robôs, além de intervenção humana, que inclui denúncias de usuários.
"O YouTube é uma plataforma de vídeo aberta e qualquer pessoa pode compartilhar conteúdo, que está sujeito a revisão de acordo com as nossas diretrizes. Qualquer usuário que acredite ter encontrado uma violação de nossas políticas pode fazer uma denúncia e nossa equipe fará a análise do vídeo. Quando não há violação à política de uso do produto, a decisão final sobre a necessidade de remoção do conteúdo cabe ao Poder Judiciário, de acordo com o que estabelece o Marco Civil da Internet", diz nota enviada à reportagem.
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