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Nova lei de trânsito: especialistas apontam 5 acertos e 5 erros em projeto

Após votação no Senado, PL que altera CTB volta para Câmara e deverá ser encaminhado para sanção do presidente Jair Bolsonaro nas próximas semanas - Aloisio Mauricio / Estadão Conteúdo
Após votação no Senado, PL que altera CTB volta para Câmara e deverá ser encaminhado para sanção do presidente Jair Bolsonaro nas próximas semanas
Imagem: Aloisio Mauricio / Estadão Conteúdo

Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

05/09/2020 04h00

Apresentado em junho do ano passado ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro, o Projeto de Lei 3.267/2019, que flexibiliza leis de trânsito, está em fase final de tramitação.

Após o texto original receber modificações importantes na Câmara dos Deputados e depois no Senado, o PL agora retorna para nova apreciação dos deputados federais - caberá a eles ratificar ou não as alterações introduzidas no parecer do senador Ciro Nogueira (PP-PI) aprovado anteontem.

Somente após a nova votação, o texto será encaminhado para sanção do presidente da República.

Se Bolsonaro vetar um ou mais itens, os vetos serão analisados em conjunto pelos deputados e senadores - definindo como ficará, de fato, o projeto que altera o CTB (Código de Trânsito Brasileiro).

Propostas defendidas pelo Palácio do Planalto, como dobrar a pontuação para suspender o direito de dirigir e aumentar a validade da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) de cinco para dez anos, foram mantidas pelos parlamentares - que, no entanto, estabeleceram algumas condições para tal.

Os especialistas Julyver Modesto, mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, e Marco Fabrício Vieira, autor do livro "Gestão Municipal de Trânsito", analisaram o parecer do relator Nogueira - que é a versão mais recente do projeto de lei.

A pedido de UOL Carros, a dupla de advogados aponta cinco acertos e cinco erros do PL, conforme a sua avaliação.

Ambos são integrantes do Cetran-SP (Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo).

1 - Acerto: Exigência de 'cadeirinha' para transporte de crianças

Bebê na cadeirinha chorando - Dayna Smith/for the Washington Post/Via Getty - Dayna Smith/for the Washington Post/Via Getty
Projeto de lei previa apenas advertência por não utilização da 'cadeirinha', mas item foi alterado
Imagem: Dayna Smith/for the Washington Post/Via Getty

Os deputados federais aprovaram a inclusão da exigência de dispositivos de segurança para transporte de crianças no CTB. Atualmente, a obrigatoriedade de uso da "cadeirinha" está prevista somente em ato normativo, por meio de resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito).

O projeto de lei de Bolsonaro previa originalmente apenas uma advertência por escrito para motoristas que transportarem crianças fora do dispositivo adequado de retenção.

Com a decisão da Câmara, mantida pelo Senado, o condutor que for flagrado dirigindo com criança fora da "cadeirinha" incorrerá em infração gravíssima - como acontece atualmente, via resolução.

O PL estabelece que o dispositivo seja obrigatório para crianças com até dez anos de idade ou que tenham até um metro e 45 centímetros de altura. O peso também será considerado, por meio de regulamentação posterior.

"Além de manter a obrigatoriedade do uso do dispositivo e a respectiva penalidade pelo descumprimento desse comando, o Senado entendeu ser apropriado considerar também o peso e a altura da criança, tendo em vista que, para uma mesma idade, há variações significativas de compleição física. Certamente, é um avanço", destaca Marco Fabrício Vieira.

2 - Acerto: Limite para converter multas leve e média em advertência

Fiscal de trânsito da CET multa veículos no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP) - Rivaldo Gomes/Folhapress - Rivaldo Gomes/Folhapress
Para especialista, Senado corrigiu equívoco que permitia cometer mais de cem infrações sem multa
Imagem: Rivaldo Gomes/Folhapress

O substitutivo enviado pela Câmara prevê que motoristas autuados por infrações leves ou médias sejam dispensados de pagar a respectiva multa e receber pontos no prontuário.

Em vez disso, eles recebem advertência por escrito - a condição é de que não tenham cometido infração idêntica em 12 meses, contados a partir do recebimento da notificação.

A emenda 85, do senador Carlos Viana (PSD-MG), fez uma alteração importante: o benefício passa a ser concedido apenas se o condutor não tiver recebido nenhuma autuação de qualquer natureza no mesmo período.

A advertência também fica restrita à primeira primeira infração de natureza leve ou média cometida em doze meses, conforme a emenda 92, do senador Jean Paul Prates (PT-RN).

"A proposta original da Câmara obrigaria que todas as infrações de natureza leve ou média cometidas pela primeira vez em um mesmo ano, de um total de 111 infrações, fossem apenas alvo de advertência por escrito. Muitas pessoas deixariam de ser punidas, ainda que fossem infratores contumazes. O Senado ajustou essa distorção", diz Julyver Modesto.

3 - Acerto: Motorista bêbado que matar perde direito a pena alternativa

Lei seca maior - Stock - Stock
Emenda aprovada no Senado e referendada pela Câmara endurece punição a motorista alcoolizado
Imagem: Stock

Dentre as emendas aprovadas pelos senadores está a de número 22, apresentada pelo senador Fabiano Contarato (REDE/ES).

Ela prevê "impedir que haja a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito em caso de homicídio ou lesão corporal cometidos no trânsito por condutores alcoolizados ou sob a influência de substâncias psicoativas".

A intenção é impossibilitar que condutores alcoolizados cumpram penas alternativas em substituição à prisão, como prestação de serviços comunitários - independentemente da pena aplicada e da gravidade do crime.

Atualmente, a Lei 13.546/2017 prevê enquadrar por crime culposo condutores que cometerem homicídio e lesão corporal grave ou gravíssima sob influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa.

"Com a aprovação dessa emenda, essa distorção será corrigida, fazendo com que os condenados por esses crimes cumpram efetivamente pena restritiva de liberdade para as quais foram condenados", diz Vieira.

4 - Acerto: Multa por manter bebida alcoólica aberta no veículo

Roda de amigos em um bar bebendo cerveja - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Outra emenda incluída pelo Senado no projeto de lei é a de número 33, do senador Eduardo Girão (PODEMOS/CE).

Ela prevê penalizar quem transportar ou mantiver em veículo, mesmo estacionado, "embalagem não lacrada de bebida com teor alcoólico superior a 0,5 grau Gay Lussac (°GL)".

Caso a Câmara mantenha a proposta, essa prática será considerada infração grave, com multa de R$ 195,23 e cinco pontos no prontuário da CNH.

Segundo a emenda, a multa deixará de ser aplicada somente se a referida bebida alcoólica estiver no porta-malas ou no bagageiro. Assim, mesmo que o motorista não esteja alcoolizado, mas se um ou mais passageiros for flagrado com uma lata de cerveja aberta, por exemplo, a autuação poderá ser realizada.

"A ideia do Senado é inspirada nas chamadas open container laws, que estabelecem punições severas, em todas as jurisdições dos Estados Unidos, para o transporte ou mesmo para a permanência de bebidas alcoólicas no interior de veículos automotores, ainda que estacionados. Não vislumbro problemas com a tipificação dessa conduta como infração de trânsito", avalia Vieira.

5 - Acerto: Fim de suspensão automática da CNH por excesso de velocidade

Radar Túnel Ayrton Senna - Robson Ventura/Folhapress - Robson Ventura/Folhapress
Julyver Modesto destaca que suspensão da CNH depende de abertura de processo administrativo
Imagem: Robson Ventura/Folhapress

O projeto de lei alterou a redação do Artigo 218 do CTB, que trata da infração por excesso de velocidade.

Atualmente, esse artigo determina que transitar em velocidade superior a 50% em relação à máxima permitida seja infração gravíssima, com multa multiplicada por três, mais "suspensão imediata" do direito de dirigir e apreensão do documento de habilitação.

O PL retirou do artigo o termo "imediata".

"O ajuste é necessário, pois não tem como a suspensão ser imediata. Isso depende de abertura de processo administrativo. Apesar da correção, faltou incluir a medida administrativa de recolhimento do documento de habilitação, que é comum às demais infrações que preveem a penalidade de suspensão", aponta Modesto.

1- Erro: Ampliação na pontuação para suspender CNH

CNH Carteira Nacional de Habilitação - Jr Manolo /Fotoarena/Folhapress - Jr Manolo /Fotoarena/Folhapress
Substitutivo manteve proposta de CNH suspensa com 40 pontos, porém mediante condição
Imagem: Jr Manolo /Fotoarena/Folhapress

A proposta original do governo previa dobrar a pontuação atual para que a CNH seja suspensa.

A Câmara dos Deputados manteve o limite maior, porém seguindo uma escala: 40 pontos para quem não tiver infração gravíssima, 30 pontos para condutores com uma infração gravíssima e 20 pontos para motoristas que tiverem duas ou mais multas com essa graduação no prontuário.

Já motoristas profissionais de todas as categorias passam a ter limite de 40 pontos, independentemente das multas.

Essa decisão foi ratificada esta semana pelos senadores.

Para Marco Fabrício Vieira, a proposta é equivocada.

"A alteração do limite de pontuação"põe em xeque a árdua tarefa dos órgãos e entidades de trânsito de redução do índice de acidentes com vítima no país. Em vez de ampliar o limite de pontuação atual, o legislador deveria se preocupar em estudar a possibilidade de suprimir ou diminuir a pontuação para determinadas infrações que não oferecem prejuízo à segurança ou fluidez do trânsito, como as meramente administrativas".

Modesto aponta outro problema, na sua opinião.

"O PL também aumenta de 14 para 30 pontos a possibilidade de qualquer motorista profissional solicitar o curso preventivo de reciclagem e, com isso, "zerar a pontuação". Hoje, são 14 pontos, e somente para condutores que exercem atividade remunerada das categorias C, D ou E", destaca o especialista.

"Como hoje a solicitação de enquadramento como motorista profissional é feita apenas via declaração do interessado, provavelmente, aumentará a quantidade de pessoas que alegarão que exercem atividade remunerada, para se beneficiarem do curso preventivo e aumentarem substancialmente a quantidade de infrações que serão cometidas", complementa.

2 - Erro: Regulamentação de motocicletas nos corredores

Como economizar combustível na moto - Infomoto - Infomoto
Regulamentação de uso dos corredores por motos ficou vaga na redação final
Imagem: Infomoto

A Câmara acrescentou o Artigo 56-A no CTB, trazendo a expressão "quando o fluxo de veículos estiver parado ou lento" como condicionante para a circulação de motocicletas nos corredores.

Para Julyver Modesto, a redação é "muito genérica e sem previsão legal".

"Isso dificulta o cumprimento da regra e a consequente fiscalização. De igual forma, o artigo diz que a motocicleta deve adotar 'velocidade compatível' com a dos demais veículos, o que é vago", critica o mestre em Direito do Estado.

3 - Erro: Nova multa por não comunicar venda de veículo

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Projeto de lei criou multa aplicável caso antigo proprietário não comunique venda dentro de 60 dias
Imagem: Folhapress

A Câmara dos Deputados criou uma infração de trânsito aplicável caso o antigo proprietário não comunique ao órgão executivo de trânsito estadual a transferência de veículo dentro do prazo de 60 dias - enviado cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade.

Essa medida foi mantida pelos senadores.

"Esse prazo de 60 dias foi fixado também no artigo 134 do CTB, que prevê responsabilidade solidária do antigo proprietário pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação da venda", explica Marco Vieira.

O proprietário será duplamente penalizado porque a multa sempre está vinculada ao veículo, independentemente do cometimento da infração.

O colega Julyver Modesto complementa.

"A infração criada pretende penalizar o proprietário anterior, aplicando multa ao veículo que já foi vendido. Só que isso faz com que o novo proprietário seja punido duas vezes pelo mesmo motivo: uma por não ter feito a transferência em 30 dias e outra porque o ex-proprietário não informou ao órgão de trânsito que vendeu o carro", pontua.

No Estado de São Paulo, a comunicação de venda é realizada diretamente pelo serviço notarial, por força de decreto estadual, o que exonera o proprietário dessa responsabilidade.

4 - Erro: Blindagem de veículos sem qualquer autorização

Blindagem de veículo - Murilo Góes/UOL - Murilo Góes/UOL
PL prevê mais facilidade para a blindagem, o que deve dividir opiniões
Imagem: Murilo Góes/UOL

Julyver Modesto explica que o projeto de lei prevê "blindar qualquer veículo, sem absolutamente nenhum critério de controle, o que impactará tanto na segurança pública quanto na segurança viária, já que a blindagem altera as condições estruturais do veículo".

"Atualmente, a blindagem de veículo depende de autorização do Ministério do Exército, com a verificação de antecedentes criminais, além da necessidade de submissão à inspeção veicular, para garantia de condições de segurança", contextualiza.

5 - Erro: Suspensão do direito de dirigir aplicável por órgãos municipais

CNH - Adriana Toffetti/A7 Press/Folhapress - Adriana Toffetti/A7 Press/Folhapress
Atualmente, apenas os Detrans têm a prerrogativa de suspender a CNH do condutor
Imagem: Adriana Toffetti/A7 Press/Folhapress

O Senado manteve a alteração realizada pela Câmara que trata das competências dos órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários para a suspensão do direito de dirigir.

Segundo o PL, os próprios órgãos ou entidades autuadores, sejam federais, estaduais ou municipais, passam a ter autonomia de aplicar essa punição - que hoje é uma competência dos Detrans (Departamentos Estaduais de Trânsito).

"Embora pareça um avanço em matéria de agilidade nos procedimentos administrativos para imposição dessa penalidade, a realidade dos órgãos e entidades executivos do País é outra. Existem órgãos municipais com grande estrutura administrativa, que permite o cumprimento dessa nova atribuição. Porém, há inúmeros órgãos de trânsito com módica estrutura que certamente encontrarão grande dificuldade", analisa Vieira.