Por que jipe rosa com placas GAY 0024 foi barrado na parada LGBT
O empresário Wilson Zulim, de 55 anos, é dono de um Jeep Willys 1957 rosa com placas GAY 0024.
Ele, que se declara heterossexual, conta que comprou o utilitário 4x4 há 17 anos, com outra pintura e já com as essas placas.
Há cerca de sete anos, ele terminou a restauração, que custou cerca de R$ 35 mil e incluiu a troca da cor pela atual. Segundo Zulim, a ideia era transformar o veículo para alugá-lo em eventos.
O projeto foi concluído, mas os planos originais mudaram e hoje o jipe está à venda.
"O proprietário anterior contratou um despachante para instalar essas placas. Na época, ele era estudante universitário e tinha pouco mais de 20 anos. Segundo soube, o rapaz não é gay e escolheu essa sequência de letras e números por zoeira, para 'tirar onda' mesmo", diz Zulim.
"O jipe originalmente era verde militar. A ideia de acrescentar essa tonalidade foi marcar, fazer acontecer. Imagina usar esse Jeep em um casamento?", questiona o empresário, salientando que sua intenção "nunca foi ofender ninguém".
Ele diz ser espírita e afirma que "tem respeito pelos seres humanos".
"Tenho muitos amigos e parentes gays. Somos todos criaturas de Deus".
O empresário relata que o Jeep rosa participou de manifestações do movimento LGBT e forneceu fotos do seu arquivo pessoal para atestar isso.
Em duas imagens, o veículo aparece sobre um caminhão plataforma e dá para identificar que elas foram tiradas em 2014, durante a 18ª edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.
'Gênero não tem cor'
UOL Carros mostrou as fotos para integrantes da APOLGBT SP, associação que organiza o evento na capital paulista. Segundo eles, o carro está no caminhão porque sua presença foi barrada.
"Ele queria participar, mas negamos e o veículo teve de ser retirado da Avenida Paulista em um guincho. Repudiamos esse tipo de ação, pois não podemos reforçar preconceitos, do tipo menino veste azul e menina, rosa. E que rosa identifica pessoas frágeis", relata Renato Viterbo, vice-presidente da APOLGBT SP.
Conversamos também com Nelson Matias Pereira, sócio fundador da associação. De acordo com Pereira, o dono pretendia que o jipe fosse abre-alas do evento.
"Para alguém como ele, esse local de manifestação acaba não sendo legítimo. Parece muito claro que não trouxe proposta alguma além de fazer merchandising e publicidade própria. Aí, não é honesto. Não faz sentido eu me apropriar de uma pauta que não é minha e, além disso, estimular estereótipos", avalia o ativista de 54 anos.
Pereira reforça que "gênero não tem cor" e lembra que Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, discursou em sua posse, no ano passado, que "menina veste rosa e menino, azul".
"Ainda é muito comum, antes de nascer o bebê, você ter um enxoval azul para meninos e rosa para meninas. Ou um amarelo neutro, na época em que não havia como saber com muita antecedência o sexo da criança. O rosa associado à mulher, identificando-a à fragilidade e à submissão, só traz preconceito".
"Antigamente", pontua Pereira, "não havia essa divisão de cores", que passou a acontecer após a Revolução Industrial, por razões mercadológicas.
"Dos anos 2000 para cá, com a chamada geração Y, cada vez mais eu vejo homens heterossexuais usando rosa sem problema nenhum. Eu sempre usei, independentemente de ser gay ou não. Sempre adorei a cor e acho bonito homem de rosa", opina.
'Piada sem graça'
Quanto ao número 24, ele considera sua vinculação com homossexuais "outra grande bobagem".
"Faz-se uma associação com o jogo do bicho, no qual esse número designa o veado. Pejorativamente, os gays são comparados a essa espécie, não sei muito bem o motivo. Talvez pela delicadeza do andar de alguns".
O integrante da APOLGBT SP conclui, dizendo não acreditar que o dono do jipe teve a intenção de ser homofóbico. "Ele só é equivocado, como muita gente. É algo sistêmico".
Fabrício Viana, jornalista, blogueiro e autor do livro "O Armário", sobre a homossexualidade, amplia o debate.
"Homens gays não necessariamente são fragilizados, femininos ou estereotipados. Nós, e eu me incluo como homem gay, também gostamos de azul, marrom, verde, lilás e de muitas outras cores. Incluindo o rosa. Em pleno 2020, brincar com a palavra gay na placa de um carro todo rosa significa, ao meu ver, perpetuar um estereótipo que, dentro da nossa comunidade, já não tem mais graça".
Após as entrevistas com representantes do movimento LGBT, voltamos a procurar o proprietário, que se negou a comentar, alegando que a reportagem "saiu do foco inicial proposto".
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